Desemprego é maior preocupação do eleitor
Foto: Cristiano Mariz/ Agência O GLOBO
Em uma economia que dá sinais de recuperação após um período de quedas abruptas, as relações de trabalho provocam inquietações nos brasileiros. Seja pela falta de oportunidades, o desejo de um vínculo mais forte, traduzido pela carteira assinada, ou a aspiração por flexibilidade em modelos e horários no pós-pandemia, o tema é o principal destaque de duas pesquisas inéditas realizadas pelo Ipec a pedido do GLOBO. A primeira delas, feita de maneira presencial em 128 cidades de todas as regiões, expõe que o desemprego é percebido como o maior problema do país — 43% elencam o item como um dos três desafios mais graves.
Há quatro anos, a saúde surgiu na dianteira das preocupações, com o desemprego logo depois. O cenário foi modificado, entre outros aspectos, pelos efeitos da pandemia sobre o bolso da população — inflação e fome, que não apareciam em 2018, vieram à tona. Ao longo desta semana, O GLOBO vai apresentar a lista dos temas vistos com mais apreensão pelos brasileiros, com personagens simbólicos e propostas estruturais para que o país supere os obstáculos. Amanhã será a vez da corrupção, encarada como a maior barreira por 36%.
O levantamento, que ouviu 2 mil pessoas acima de 16 anos, revela ainda que a preocupação com o desemprego é maior entre as mulheres (45%, contra 40% dos homens), no grupo que parou de estudar no ensino médio (46%) e nas parcelas mais vulneráveis, já que aumenta conforme mais pobre é o estrato: 53% dos que têm renda familiar mensal até um salário mínimo tratam o assunto de forma prioritária, índice que é de de 31% entre os que recebem mais de cinco salários.
Nos recortes regionais, é no Nordeste que a falta de ocupação aparece ainda com mais evidência: 46%. A região concentra quase metade dos beneficiários do Auxílio Brasil, o equivalente a 9,4 milhões de famílias. O tema também preocupa mais quem mora nas periferias dos grandes centros urbanos (51%) do que nas capitais (39%).
Ainda que haja melhora, já que o IBGE apontou, na quarta-feira, que o desemprego segue em queda e foi a 9,1% no trimestre encerrado em julho, os dados oficiais não revelam o quadro completo. Enquanto a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) enxerga no resultado um possível trampolim eleitoral, o pesquisador Fernando Veloso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pondera que é preciso ir além da taxa de desocupação para entender o que está acontecendo.
Na medida, entram apenas aqueles que estão procurando por uma vaga e não encontraram, ou seja, ficam fora os 4,2 milhões que desistiram. Se esses voltassem ao mercado de trabalho, a taxa de desemprego seria de dois dígitos. Já os subocupados, os que gostariam de trabalhar mais horas, ainda somam 6,5 milhões.
Entre os desocupados, um dos casos mais preocupantes é o dos há mais de dois anos sem uma vaga. Cálculos do Ibre/FGV estimam esse número em aproximadamente 3 milhões, cerca de 30% do total. Claudineia Siqueira, 43 anos, é um dos muitos exemplos. Desde a última campanha presidencial, a mãe de dez filhos vive de bicos e de assistência do governo (leia relato abaixo).
A segunda pesquisa feita pelo Ipec a pedido do GLOBO, também realizada em julho, mostra a predileção pelo emprego formal: 59% disseram preferir trabalho com carteira assinada, índice alavancado por quem tem apenas o ensino fundamental. O resultado do levantamento, feito pela internet com 2 mil pessoas acima de 16 anos, das classes A, B e C, é reflexo do que acontece na vida real. A taxa de informalidade continua em um patamar em torno de 40% — cerca de 39 milhões de trabalhadores nessa condição. Também fazem parte desse grupo os que trabalham por conta própria sem CNPJ e trabalhadores familiares. O grupo é alvo dos presidenciáveis na campanha eleitoral, com promessas direcionadas, por exemplo, aos que atuam nos serviços de entrega via aplicativo.
— Apesar da recuperação vigorosa, temos uma desocupação oculta e uma grande quantidade na informalidade — diz Helio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP.
Com tudo isso, é óbvio que o bolso do trabalhador foi afetado. A renda real até tem ensaiado uma reação. Cresceu este ano e, no último trimestre, chegou a R$ 2.693. Mas o valor ainda está 5% abaixo do pré-pandemia.
— A renda ficou menor, a inflação subiu, e as pessoas estão com dificuldade de se colocar no mercado de trabalho — afirma Veloso, do Ibre/FGV.
Mesmo com a queda na renda média, as mudanças na relação entre os trabalhadores e as empresas, aceleradas na pandemia, indicam que vão seguir como a tônica — 30%, por exemplo, concordam em ter mais um dia de descanso na semana, ainda que isso represente uma queda de 20% no salário. Os números são ainda mais expressivos com relação a outros aspectos: 80% dizem que gostariam de trabalhar em casa ou em locais alternativos quando necessário, e 76% afirmam que prefeririam escolher o próprio horário de trabalho.
Em uma campanha eleitoral acirrada, as responsabilidades pelas mazelas são empurradas de um lado ao outro. No caso do mercado de trabalho, há parcelas de culpa a serem assumidas por representantes distintos do espectro político. O Brasil entrou na fase da taxa de desocupação de dois dígitos no começo de 2016, consequência da recessão provocada pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Bolsonaro aponta essa herança e a pandemia como causas dos problemas atuais. Embora os dois fatores tenham de fato sido graves, o governo contribuiu para complicar o quadro. Ainda antes do aparecimento da Covid-19, a recuperação do mercado de trabalho era insuficiente.
O indicador do Ibre/FGV que mede as incertezas na economia é didático. Ele cresce a partir de 2015 e se mantém acima da média da série histórica, iniciada em 2001. A pandemia fez o índice bater um recorde, mas, antes e depois da crise sanitária, o estilo do presidente, os erros e omissões do governo ajudaram a manter o número no alto.
— Quando a incerteza é grande, os empresários resistem a investir. Isso compromete a criação de postos formais — diz Veloso.
A pedido do GLOBO, o Ibre/FGV organizou uma série de prioridades para o próximo presidente. Aumentar a escolaridade, a qualidade do ensino e criar uma poupança para trabalhadores de baixa renda são alguns pontos. Outro é a aprovação de um projeto de lei que permite o pagamento, feito pelo governo, de entidades privadas que atingirem metas de interesse social. Assim, serviços que vêm sendo prestados pelo Estado com resultados decepcionantes poderão ganhar eficiência.
São baixas as taxas de sucesso dos órgãos estatais responsáveis por treinamento e recolocação. As chances podem aumentar se o governo passar a tarefa para a iniciativa privada e condicionar o pagamento ao resultado (a obtenção e retenção do emprego por determinado tempo).
— Precisamos ouvir as demandas dos empregadores e ter uma outra visão de mundo — diz o pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Ibre/FGV.
Reduzir as incertezas fiscais e políticas é outra questão essencial.
— O país tem que voltar a crescer. A única maneira eficaz de gerar ocupação é essa. É urgente — resume Helio Zylberstajn, da USP.
O GLOBO convidou o Observatório da Produtividade Regis Bonelli, parte do Instituto Brasileiro da Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), para elaborar uma lista de medidas que devem ser adotadas pelo próximo governo com a intenção de facilitar a criação de empregos
Por que é importante: num país com alto grau de incerteza política e fiscal, os empresários resistem a investir. Com menos investimento e menor criação de novos negócios, o crescimento do número de postos de trabalho formais fica comprometido. Desde 2015, os indicadores de incerteza do Brasil estão acima da média histórica.
Por que é importante: o aumento da escolaridade é um dos fatores fundamentais para a geração de empregos e para a queda da informalidade. Os efeitos na renda também são incontestáveis. Sem os avanços na educação registrados nas últimas três décadas, a renda média do trabalhador teria ficado praticamente estagnada. Ela não cresceu muito, é verdade. Poderia ter sido muito pior.
Por que é importante: o contrato de impacto social poderá ser usado em diversas áreas do governo. A principal mudança é o foco no resultado. O instrumento pode ser utilizado para a qualificação profissional e também para a intermediação de mão de obra. Exemplo: o Sistema Nacional de Emprego (SiNE), que faz o casamento entre desempregados e empresas, tem baixa taxa de sucesso. A abertura de agências privadas remuneradas pelo governo pode mudar isso se o pagamento estiver condicionado à recolocação do desempregado.
Por que é importante: na remuneração de um mínimo, os encargos previdenciários com o salário têm custo elevado em relação ao que o trabalhador produz. Para estimular a formalização, governo deve abrir mão de parte desses encargos. Essa política deve atingir todos os trabalhadores de baixa renda, independentemente de setor
Por que é importante: trabalhadores formais e informais de baixa renda, inclusive os de apps de entregas de comida, são vulneráveis a qualquer mudança na economia. Um seguro em forma de poupança depositado mensalmente pelo governo equivalente a 15% do rendimento do trabalho poderia ser sacado em situações específicas.