Dinheiro público impede renovação no Congresso
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A adoção do orçamento secreto – revelado pelo Estadão –, a aprovação com apoio geral do Congresso do fundo eleitoral bilionário e o cenário de polarização consolidada têm sido desfavoráveis aos movimentos de renovação política. As emendas (impositivas, individuais e de bancadas, além das de relator) viraram cobiça e propósito dos partidos políticos, o que dificulta o surgimento de novos quadros. A montanha de dinheiro público e a forma com que os recursos são distribuídos na eleição atravancam mudanças, apontam especialistas.
Organizações como RenovaBR, Agora e Livres, além da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) – organização apartidária em defesa da democracia e sustentabilidade política –, dizem ter dificuldades de competir com esses meios que favorecem a manutenção dos atuais integrantes no Congresso. Neste ano, o índice de tentativa de reeleição na Câmara é de 87%, um recorde. De um total de 513 deputados federais, 448 tentam seguir na Casa responsável pela representação do povo brasileiro.
Conforme mostrou a Coluna do Estadão, neste domingo, 25, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), candidatos a deputado federal que disputam a reeleição ganharam quase dez vezes mais recursos eleitorais nesta campanha do que os concorrentes que tentam ingressar na Câmara. O levantamento mostra que os candidatos com mandato receberam, em média, R$ 1,8 milhão até o momento, enquanto os demais tiveram receita, em média, de R$ 195 mil.
Segundo o TSE, são 10.629 candidatos à Câmara tem todo o País – dos quais 2,867 disputam uma vaga para deputado federal pela primeira vez, segundo dados compilados pelo RenovaBR. Eduardo Mufarej, do movimento, reclamou da disputa “desigual” no País. Neste domingo, ele alertou sobre a importância do voto consciente para o Poder Legislativo.
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“Está muito clara a relevância do Congresso Nacional nos próximos anos, e, para isso, realizarmos boas escolhas é absolutamente fundamental. Dentro de uma escolha desigual, com orçamento secreto e fundo eleitoral, mas, ao mesmo tempo, contrapondo essa desigualdade com muita dedicação e muito empenho, conto com vocês. Realizem seu papel de cidadãos e façam boas escolhas”, afirmou em vídeo publicado nas redes sociais.
Até agora, do fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões, R$ 4,5 bilhões foram repassados aos candidatos, sobretudo os que já estão no poder. Dados organizados pela plataforma 72 Horas mostram que ao menos 35% dos postulantes não receberam nenhuma fatia desse valor.
O cenário é ainda mais concentrado no caso do fundo partidário, cujos valores podem ser usados para bancar impulsionamento de conteúdos na internet, compra de passagens aéreas, advogados e contadores para as campanhas. Desse total, apenas 10,5% dos postulantes foram beneficiados com R$ 362,4 milhões já distribuídos pelos partidos. O valor total do fundo partidário deve chegar a R$ 1 bilhão até o final do ano.
Esses recursos também privilegiam candidatos à reeleição. Políticos que já possuem mandato receberam proporcionalmente cinco vezes mais recursos públicos do fundo partidário do que os novatos quando considerados todos os cargos em disputa.
Dentro de uma escolha desigual, com orçamento secreto e fundo eleitoral, mas, ao mesmo tempo, contrapondo essa desigualdade com muita dedicação e muito empenho, conto com vocês. Realizem seu papel de cidadãos e façam boas escolhas
Eduardo Mufarej, RenovaBR
Esses candidatos não apenas recebem mais dinheiro, como recebem primeiro. O pico de distribuição dos recursos enviados a postulantes que tentam reeleição aconteceu em 19 de agosto, enquanto os novatos esperaram uma semana a mais para a maior fatia dos valores cair na conta, mostra a plataforma.
Candidatos à reeleição também ganham com o fortalecimento dos redutos eleitorais com o uso de emendas parlamentares. De 2019 a 2022, são mais de R$ 117 bilhões empenhados – das quais mais de R$ 52 bilhões correspondem às emendas de relator – o chamado “orçamento secreto”, distribuído no governo Jair Bolsonaro (PL) para garantir o apoio da base no Congresso sem ampla transparência. No caso do Senado, dois terços dos candidatos à reeleição foram padrinhos com esse tipo de repasse.
O fundão (eleitoral) não tem democratizado a política, mas tem concentrado o poder, colocando vastas quantidades de dinheiro na mão daqueles que comandam hoje os partidos políticos, como também desequilibrando a competição
Magno Karl, cientista político e diretor executivo do Livres
Historicamente, mais da metade dos deputados federais se reelege. Nas últimas três eleições, o índice de renovação na Câmara oscilou entre 43,5% (2014) e 47,3% (2018), sendo 46,4% em 2010.
Neste ano, a expectativa é que esse percentual seja maior, ou seja, mais deputados renovarão seus mandatos, segundo o cientista político e diretor executivo do Livres, Magno Karl, por fatores econômicos e políticos. “O fundão (eleitoral) não tem democratizado a política, mas tem concentrado o poder, colocando vastas quantidades de dinheiro na mão daqueles que comandam hoje os partidos políticos, como também desequilibrando a competição”, afirmou.
Além disso, o discurso dos políticos que estão no poder hoje é voltado para “segurança”, “estabilidade” e “ponderação”. Para Karl, além de haver uma renovação nos representantes do povo, é preciso mudar a forma de se fazer política. “A mudança por si só não traz resultado. A gente precisa qualificar a renovação política não só removendo políticos que não têm muito a oferecer ao País, mas também com conteúdo programático relevante”, disse.
As cláusulas de barreira e de desempenho e a origem dos recursos atrelada ao número de assentos (na Câmara) faz com que, agora, os partidos tenham de fazer deputados. Como fazem isso? Lançam nomes já conhecidos que atuam como puxadores de votos e que já foram mandatários
Leandro Machado, cientista político e cofundador do Agora
Para o cientista político Leandro Machado, cofundador do movimento Agora, a má distribuição de recursos pelos partidos leva a uma Casa com ainda mais nomes conhecidos na política. “As cláusulas de barreira e de desempenho e a origem dos recursos atrelada ao número de assentos (na Câmara) faz com que, agora, os partidos tenham de fazer deputados. Como fazem isso? Lançam nomes já conhecidos que atuam como puxadores de votos e que já foram mandatários”, afirmou.
Machado também entende que a forma com que as legendas distribuem os valores contribui para a manutenção do poder dos caciques partidários e a existência de candidaturas laranjas. “Isso está expresso em como o financiamento é destinado, como é distribuído, como as contas são prestadas. Se (as cotas para mulheres) fossem 40% dos assentos (no Congresso), e não 40% das candidaturas, o jogo mudava de figura.”
Dados organizados pela plataforma 72 Horas também mostram que a distribuição dos recursos derruba a possibilidade de renovação da diversidade no Congresso. “Quando o tema é renovação, descobrimos que candidaturas do eixo diversidade, que são mulheres, negros e indígenas, esperam mais tempo pelo recurso. Além de receber menos proporcionalmente, eles também recebem depois. Isso é crucial”, afirmou Fernanda Costa, uma das organizadoras da plataforma.
Na prática, os partidos não só não distribuem os valores de maneira equânime, como também levam mais tempo para bancar as candidaturas. “O dinheiro público não promove diversidade”, disse Fernanda.
O apresentador Luciano Huck, um dos principais incentivadores desses movimentos de renovação, fez um alerta na TV Globo, em seu programa dominical, o Domingão com Huck, para as eleições proporcionais, destacando a importância do voto nos candidatos ao Legislativo.
“Agora, dia 2, na próxima semana, 156 milhões de brasileiros vão às urnas escolher seus representantes. Neste período de campanha, a gente costuma falar muito sobre os candidatos a presidente e a governador. Mas hoje eu gostaria de encerrar o Domingão falando da importância do seu voto na eleição para os membros do Legislativo – dessa vez, deputados e senadores”, afirmou o apresentador, que já teve a candidatura para o Palácio do Planalto aventada.
Huck destacou que a maioria dos brasileiros deixa para definir o voto para o Legislativo na última semana. Como mostrou o Estadão, esse tipo de candidatura são as que representam a maior incidência da alienação (abstenção passiva e ativa) dos eleitores nas urnas. “Então, ao longo dos próximos dias, pesquise sobre os candidatos a deputados e senadores, mas pesquise mesmo. Busque candidatos que tenham o sarrafo da ética na altura certa, que defendam e atuem nas pautas que possam contribuir para que a gente possa construir um País mais justo, mais eficiente, mais inclusivo e mais sustentável, disse.
Um levantamento recente da Raps em parceria com a Uma Concertação pela Amazônia mostrou que, dos 91 deputados federais da Amazônia Legal, 46 votaram na direção contrária do desenvolvimento sustentável. “Sem articulação política e diálogo, inclusive com as forças mais à direita do Congresso, não há possibilidade de barrar retrocessos graves, que colocam o Brasil em uma agenda de atraso. É preciso mostrar, por exemplo, que a agenda do clima não é uma agenda ideológica, da esquerda ou da direita. Ela é a agenda do século 21″, disse a diretora executiva da Raps, Mônica Sodré.
Por isso, a organização disse acreditar que, em 2023, haverá dificuldades de fazer passar pautas ligadas ao ambiente no Congresso, independentemente de quem seja o vencedor na corrida pelo Planalto.