Esquenta guerra entre Lula e Bolsonaro

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Foto: Exame

Um dos grandes dilemas do ex-presidente Lula antes de oficializar a candidatura ao Palácio do Planalto era sobre como reagir caso fosse chamado de ladrão durante a campanha. O constrangimento seria inevitável. Para evitá-lo, os estrategistas do PT tentaram concentrar o embate em temas como inflação, desemprego e pobreza. Além de fustigar Jair Bolsonaro (PL), o seu principal adversário, a pauta econômica permitiria ao ex-presidente ressaltar as realizações de seus oito anos de mandato e deixar de lado assuntos incômodos como corrupção. O imponderável, no entanto, colocou a tática por terra. O país cresceu mais do que se previa, a inflação recuou, o desemprego diminuiu e os programas sociais atenuaram até certo ponto os efeitos da miséria. E o que os petistas mais temiam aconteceu. No primeiro debate entre os presidenciáveis, Lula foi chamado de ex-pre­sidiário e instado a responder sobre os escândalos de seu governo. Ele titubeou, tentou desconversar, mas só conseguiu deixar evidente o tamanho da dificuldade em enfrentar o assunto. O seu ponto fraco havia sido exposto.

Ato contínuo, as redes sociais foram inundadas de peças publicitárias associando o PT e o ex-presidente à corrupção. Na mais agressiva delas, produzida pela equipe de campanha de Bolsonaro, eleitores aparecem falando sobre o medo que têm de ladrões. O nome de Lula não é citado diretamente, mas uma legenda se encarrega de fazer a conexão: “Nunca votaria num ladrão! Em outra inserção com o mesmo objetivo, os bolsonaristas resgataram antigas declarações do atual vice de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, para quem a eleição do seu hoje companheiro de chapa seria “voltar à cena do crime” — uma referência aos casos de corrupção em que Lula e o PT estiveram envolvidos. E é só o começo. As peças publicitárias que exploram casos de corrupção do adversário representam 20% de todo o material de campanha que o PL já preparou. Os esquetes, antes de ir ao ar, estão passando pelo crivo do general Braga Neto, candidato a vice-presidente na chapa do ex-capitão. O tema também foi explorado no discurso de Bolsonaro durante as comemorações do 7 de Setembro. O presidente chamou o petista de “quadrilheiro”, enquanto a plateia respondia em coro “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.

E a temperatura tende a subir ainda mais. Na terça-feira 6, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região manteve vivo um processo que cria mais embaraços ao candidato petista. Em 2018, a Justiça condenou o Instituto Lula (IL) e a LILS Palestras, a empresa do ex-presidente, a pagar uma dívida de 18 milhões de reais à Receita Federal. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, tanto o Instituto como a empresa foram usados para captar dinheiro e repassar ao ex-presidente de maneira ilegal. Através da LILS (iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva), Lula foi contratado para ministrar palestras que lhe renderam 27 milhões de reais. Detalhe: a maioria das palestras foi paga por empreiteiras envolvidas em escândalos de corrupção nos governos petistas e que também fizeram “doações” ao Instituto. O Fisco cobra do ex-presidente os impostos que não foram recolhidos nessas operações. A defesa do petista tentou anular o processo, mas os desembargadores do tribunal negaram a ação por unanimidade. Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, informou que vai ingressar com um novo recurso. Esse processo fornece munição pesada contra o candidato. Além da acusação de corrupção, ele revela que o ex-presidente ganhou muito dinheiro após deixar o governo — coincidência ou não, das mesmas fontes que também ganharam muito dinheiro desviando recursos dos cofres públicos durante os governos do PT.

Premido por pesquisas que mostram que a corrupção ainda é o principal problema do país para 22% de seus eleitores, o petista se viu obrigado a sair das cordas e reviu a estratégia de negligenciar um tema tão incômodo a seu partido. Num primeiro momento, a decisão foi contra-atacar. O revide envolveu a propagação pelas redes sociais de uma denúncia, publicada pelo portal UOL, de que a família presidencial teria comprado mais de 100 imóveis desde a entrada dos Bolsonaro na política, metade deles paga total ou parcialmente com dinheiro vivo. “Um escândalo tamanho família”, diz a propaganda, lembrando também das suspeitas de prática de rachadinha que pairam sobre o primogênito do presidente, Flávio Bolsonaro, e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. “Lula tem respondido à criminosa bateria de acusações, mas a nossa prioridade são problemas do povo brasileiro que o Bolsonaro quer esconder. A campanha não pode deixar nada sem resposta, mas vamos focar realmente na grave crise econômica e social”, diz o ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT).

Apesar de não figurar nesta campanha entre as principais preocupações do eleitorado, que prioriza a economia e as questões sociais, a corrupção ganhou importância nos últimos dias diante do quadro de estabilidade nas pesquisas. Bolsonaro até recuperou terreno desde o início do ano, mas não conseguiu empatar com Lula com o lançamento de seu pacote bilionário de bondades e com as sucessivas reduções no preço dos combustíveis. Nos levantamentos dos institutos, a desvantagem do presidente para o antecessor ainda gira em torno de 10 pontos porcentuais. Essa não é a única dificuldade de Bolsonaro, que ainda ostenta um nível de rejeição muito maior do que o de Lula. A retomada das denúncias de corrupção é uma aposta do ex-capitão não só para melhorar seus índices de intenção de voto, mas principalmente para insuflar o antipetismo e aumentar a rejeição a Lula. A lógica é a seguinte: se está cada vez mais difícil crescer nas pesquisas, resta ao mandatário a alternativa de fazer o rival perder pontos, desgastando-o com os escândalos do mensalão e do petrolão. O plano, portanto, é lançar mão do arsenal reunido e intensificar os ataques ao “descondenado”.

A estratégia faz sentido. Segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira 7, Bolsonaro tem 46% de intenção de voto entre os eleitores que consideram a corrupção o principal problema do país, e Lula marca apenas 29%. Entre quem elege a economia e as questões sociais como as maiores preocupações, o petista aparece na frente: 44% a 33% e 57% a 20%, respectivamente. Em terceiro lugar nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) também resolveu apostar nas denúncias de corrupção a fim de tentar romper a polarização. Nos últimos dias, ele chamou um filho de Lula de ladrão e voltou a fazer denúncias de roubalheira nos governos do PT, na esperança de disputar com Bolsonaro o voto dos antipetistas e dos eleitores que apoiaram o atual presidente em 2018, afastaram-se dele durante o mandato e agora estão à procura de uma alternativa. De início, Lula ignorou as estocadas de Ciro, que foi seu ministro, e tentou estender a mão para uma reconciliação entre eles. Agora, no entanto, os petistas partiram para o confronto direto, acusando o pedetista de atuar como linha auxiliar do bolsonarismo.

A briga entre os dois antigos aliados torna improvável um apoio de Ciro a Lula num eventual segundo turno, mas o ex-presidente não está preocupado com isso. Seu objetivo é convencer o eleitorado do ex-ministro a abando­ná-lo e aderir ao voto útil já no primeiro turno, com a alegação de que Ciro está fazendo campanha indiretamente para Bolsonaro. Pelas redes sociais, Lula iniciou uma ofensiva explícita sobre eleitores do pedetista. “Não tem por que ter vergonha de tentar ganhar no primeiro turno. Se quem tem 5% sonha em ter 40%, por que quem tem mais de 40% não pode sonhar em ter mais um pouquinho e ganhar no primeiro turno?”, perguntou. O candidato do PDT, segundo as pesquisas, é dono de 9% dos votos. O petista tem 45%. Se ele conseguir capturar pouco mais da metade dos votos do rival, em tese poderia vencer a eleição no primeiro turno. A resposta de Ciro à investida foi bem no estilo dele: “Ou a gente se livra dessa memória corrupta e trágica ou o Brasil simplesmente vai para o brejo”.

O peso da pauta da corrupção ficou claro nos discursos do presidente na solenidade de 7 de setembro em Brasília e no Rio de Janeiro. Diante da multidão, Bolsonaro até deu algumas pequenas estocadas no Supremo, mas nada comparado ao que fez no mesmo feriado no ano passado. Ele preferiu polarizar com o PT, entoando palavras que agradam a convertidos mas com pouco potencial para garimpar votos entre os indecisos. Mesmo assim, o plano do presidente foi bem executado. Sua prioridade era mostrar força, conseguir uma prova de apoio popular expressivo e, assim, contestar a desvantagem retratada nas pesquisas. Bolsonaro, como ele mesmo destacou, queria uma imagem do “Datapovo” para responder ao Datafolha. Ele conseguiu, mostrou que está firme no jogo e agora espera engajar ainda mais seus apoiadores, reconquistar antigos eleitores e abater o seu principal adversário atacando pelo flanco que parece mais frágil. O tempo dirá se vai funcionar. Mas uma coisa é certa: a temperatura subiu.

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