Estimulados, indecisos pendem para Lula ou Bolsonaro
Foto: Roberto Moreyra
Oito desconhecidos sentam-se ao redor da mesa comprida de uma casa na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, no fim de tarde. O anfitrião recepciona o grupo e pergunta se alguém já havia participado de pesquisa qualitativa, ou grupos focais, na vida. O “não” uníssono é um bom sinal para o início do experimento, feito com exclusividade para o Pulso e que buscou investigar o comportamento dos “indecisos brandos”, ou seja, quem diz “não sei” na pesquisa espontânea e acaba escolhendo ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL) quando uma lista de presidenciáveis é apresentada. Esses eleitores representam um estoque entre 12% (Ipec) e 17% no (Datafolha) e são suficientes para mudar a rota da eleição.
O local da reunião é conhecido como “sala de espelho”, referência ao grande retângulo de vidro espelhado em uma das paredes ao redor da mesa — uma janela translúcida para quem está em outra sala, a escura, feita para observação de quem contratou o serviço: políticos, principalmente em eleições, mas também profissionais de marketing que testam a aceitação de produtos ou serviços e escutam toda a conversa por meio de caixas de som dentro da sala escura e bem isolada acusticamente.
Os eleitores são selecionados por uma experiente recrutadora, que utiliza técnicas próprias para encontrar as 16 pessoas em São Paulo, que precisavam ser indecisos brandos das classes C e D, pelo tamanho que representam no eleitorado, com distribuição homogênea de idade. Oito deles precisavam decidir por Lula na pesquisa estimulada e os outros oito, por Bolsonaro. Todos foram selecionados porque estavam indecisos em suas respostas espontâneas.
O primeiro grupo era o que tendia para Lula. Cientista político especializado na técnica, Renato Dorgan, do Instituto Travessia, pede que todos se apresentem e explica que ali não existem respostas certas ou erradas, o objetivo é dizer o que se pensa.
A roda é aberta pelo mediador: “E aí, como está o Brasil, hein?”
No grupo dos indecisos inclinados para Lula: “Uma bosta”, “bem difícil, um caos”, “efeito dominó”, “só está faltando uma guerra civil”, ou seja, somente impressões profundamente negativas. No grupo que tende a Bolsonaro, reunido duas horas depois e também com oito participantes, a mesma pergunta ganha respostas como “difícil” ou “cada dia pior”, mas outras versões já aparecem como “são poucas coisas boas e só falam das ruins”, indicando uma visão alternativa do país que “os outros” apresentam como somente negativa.
O grupo que tende a Bolsonaro demonstra graus fortes de antipetismo. Ao definir Lula em uma palavra, aparecem “decepção”, “corrupção”, “ladrão” e “manipulação” entre outras até positivas como “guerreiro” e “povão”. As mesmas pessoas descrevem Bolsonaro, em apenas uma palavra, usando “esperança”, “fé”, “futuro”, “perseverança” e “inteligente”, sem palavras negativas. Há gratidão com a redução dos preços dos combustíveis e uma unanimidade de que Bolsonaro é espontâneo. É é por isso que também há uma condescendência com os erros do presidente.
“Acho que as relações públicas dele erram muito. Ele tem boca e não mede o que fala, se fosse melhor assessorado na comunicação, seria melhor. Eu percebo que ele não quer fazer isso porque perde autenticidade”, disse um dos participantes do grupo mais simpático a Bolsonaro. Uma linha de pensamento semelhante com esta outra frase do grupo indeciso “lulista”: “O Bolsonaro é mais sincero que o Lula. O Lula omite, é mais uma palavra preparada. O Bolsonaro é mais espontâneo”.
— Um grupo quer a volta de Lula e outro, a continuidade de Bolsonaro, sabendo dos limites de cada um. Em Bolsonaro, vemos mais paixão e torcida. Em Lula, uma âncora de salvação. No entanto, o voto em Lula parece ser mais seguro, as opções são Ciro Gomes e Simone Tebet, mas os mesmos eleitores voltam para Lula no 2º turno. Já os de Bolsonaro são cristalizados pela religião, pelo combate à corrupção e pelo discurso de costumes — analisou Dorgan, após as dinâmicas, acrescentando. — À medida que eles refletem e saem da briga, o risco de eleitores de Bolsonaro mudarem de votos ainda existe: um deles migrou durante a dinâmica para Lula quando refletiu que, por ser pobre, deveria votar no petista. Um outro balançou. Já os evangélicos sustentaram até o fim o voto em Bolsonaro com argumentos baseados na verdade e honestidade do presidente.
No meio da conversa, o mediador pede que todos fechem os olhos. Em seguida, que pensem no primeiro animal que vier à cabeça quando eles lembram de Lula e Bolsonaro. No grupo que tende ao presidente, as respostas variam entre animais com conotações muito positivas e negativas: de “leão” e “cavalo” a “burro” e “papagaio”. Já sobre Lula, predominância negativa (hiena, burro e cobra) mas também a imagem de um “cachorro caramelo vira-lata”. Já no grupo dos indecisos pró-Lula, Bolsonaro é “cobra”, “jumento”, “anta”, “veado”, mas também “onça” e “crocodilo” porque “dão o bote” e “cavalo” com sua força. Já Lula é um “condor que voa lá em cima”, mas também “cachorro vira-lata” de novo, “gato”, “tartaruga que anda devagar, mas chega”, “formiguinha” e o rei da selva, “leão”.
Em meio a muitas diferenças, há também semelhanças entre os dois perfis: mesmo que o voto em Lula seja mais sedimentado no primeiro grupo, não há ilusão tampouco revolta com o discurso oficial petista de que Lula não cometeu crimes. Ao responderem qual a semelhança entre Lula e Bolsonaro, os participantes que tendem a Lula foram diretos nas impressões negativas: “roubam, gananciosos e autoritários”. Mesmo assim, a ideia de que os “dois são sinceros” aparece também, absolvendo ambos em alguma medida.
Segundo Renato Dorgan, há um forte componente emocional quando esses eleitores comparam os dois lados da polarização:
— Há grandes doses de fantasia e expectativas de resgate do passado em duas faces: a volta da melhora econômica do início deste século versus o resgate da vida familiar brasileira do século 20.
A pesquisa qualitativa deixa clara uma condescendência de parte a parte. Os indecisos brandos dão todas as indicações de que são eleitores com mais espírito crítico e, apesar de a maioria ter certeza do próprio voto, ainda existe um pé atrás. Como demonstrado durante a dinâmica, mudanças de ideia ainda podem acontecer, mas também existem princípios claros que guiam a decisão desses eleitores, que somam aproximadamente 20 milhões de votos e podem ser a diferença entre as eleições terminarem em primeiro ou segundo turno.
Convivendo com uma campanha presidencial feita de discursos fortes, fake news e violência política, o ponto central sobre a decisão de voto, nos grupos analisados, não envolve propostas específicas de governo. Os debates e dúvidas permeiam principalmente atributos das personalidades de Lula e Bolsonaro, que devem continuar sendo centrais até 2 de outubro.
— A disputa entre os dois é feita dentro de uma lógica de competição esportiva, argumentos de torcida são usados e propostas de governo praticamente não existem. O núcleo da narrativa de disputa é a volta da melhora econômica e da alegria versus a defesa da ordem e da família. Fica a discussão sobre as imagens de dois candidatos carismáticos — conclui Dorgan.
Diferentemente das pesquisas quantitativas, que vão às ruas em busca de uma amostra que represente bem a população para medir percentuais de intenções de voto, as qualitativas usam pequenos e específicos grupos em busca de reflexões sobre a formação do voto. Leia a reportagem na qual o Pulso explica em detalhes como são as “qualis”.