Filho de Bolsonaro só usa dinheiro vivo
Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que tem 16 imóveis comprados parcialmente com dinheiro vivo, também fez uso de valores em espécie para pagar despesas pessoais, funcionários e impostos. Além disso, a conta bancária de sua antiga loja de chocolates registrou alto volume de depósitos de dinheiro vivo sem identificação. Ao todo, esse montante movimentado em espécie ultrapassa os R$ 3 milhões.
Os dados constam das quebras de sigilo obtidas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio). Flávio ainda foi apontado nas investigações como líder de uma organização criminosa que funcionava em seu antigo gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa fluminense). O total de desvios apurado pela Promotoria foi de, no mínimo, R$ 6,1 milhões.
Os promotores afirmam que o dinheiro usado nas transações de Flávio vinha do esquema conhecido como “rachadinha”, no qual os funcionários do gabinete eram obrigados a devolver boa parte de seus salários, em espécie, ao então deputado.
A quebra do sigilo bancário de Flávio e demais denunciados no esquema e o cruzamento de dados obtidos junto a empresas e poder público ainda revelaram dívidas quitadas que não constavam nos extratos do atual senador nem nos de sua mulher, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro.
O MP-RJ identificou pagamentos feitos com dinheiro em espécie, comprovados por documentos bancários e outras evidências em diversos casos. As investigações identificaram até despesas pagas diretamente pelos próprios funcionários do gabinete.
A decisão judicial que autorizou o acesso do MP-RJ aos dados financeiros foi anulada em fevereiro de 2021. Atualmente, a PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) refaz a investigação. Na época da denúncia, o senador Flávio negou que tenha cometido crimes.
Procurado novamente pelo UOL para comentar os casos, sua assessoria encaminhou resposta em que ele diz não sabe “com qual interesse a reportagem requenta, em véspera de eleição, uma história superada e arquivada”. “Não existe denúncia. A investigação foi arquivada pela Justiça porque era infundada e motivada por interesses políticos do grupo que nos enfrenta nessa eleição. A reportagem anterior, que falava em compra de imóveis em dinheiro vivo, confunde moeda corrente nacional, que é o real, com dinheiro em espécie. Por isso, é importante frisar: moeda corrente não é dinheiro em espécie.”
Diferentemente do que diz a nota do senador, a investigação sobre o caso das “rachadinhas” não foi arquivada. Algumas provas foram anuladas, e a investigação continua em andamento e está sendo refeita pelo MP-RJ. Além disso, a reportagem anterior do UOL utilizou dados de quebras de sigilo e não confunde os termos, inclusive corroborados por entrevistas com vendedores e funcionários de cartórios.
O uso de dinheiro vivo não é ilegal, mas especialistas no combate à corrupção indicam que isso dificulta o rastreamento da origem das verbas. Veja a seguir onde há evidências de uso de dinheiro vivo.
A quebra de sigilo da antiga loja de chocolates do senador Flávio Bolsonaro mostrou depósitos na conta corrente da loja no total de R$ 1,7 milhão em espécie.
O MP destacou que, no primeiro ano do estabelecimento, a proporção de dinheiro em espécie chegou a quase 45% do pagamento em cartão. A Promotoria descreveu nos autos das investigações que estes percentuais e as divergências no faturamento indicam “recursos de origem ilícita inseridos artificialmente no patrimônio da empresa”.
O senador Flávio Bolsonaro informou na sua declaração de Imposto de Renda de 2010 a realização de doações em espécie no total de R$ 733 mil para a mãe dele, Rogéria Nantes Bolsonaro.
2015-2018 – Boletos de mensalidade escolar: R$ 153.237,65
Imagens de uma agência bancária na Alerj no dia 1º de outubro de 2018 mostram o então assessor Fabrício Queiroz pagando com dinheiro em espécie dois boletos. As investigações revelaram que os papéis eram referentes às mensalidades escolares das filhas de Flávio e que a prática foi recorrente entre 2015 e 2018. Ao todo, 52 boletos foram quitados com dinheiro vivo.
2015-2018 – Boletos de plano de saúde: R$ 108.407,98
O MP-RJ também verificou 120 parcelas do plano de saúde da família do então deputado quitadas “com dinheiro em espécie de origem estranha às fontes de renda lícitas do casal”. A suspeita da Promotoria é que os recursos tenham vindo das “rachadinhas” no gabinete da Alerj.
2010 – ITBI de 12 salas comerciais na Barra da Tijuca: R$ 33.969,20
O MP-RJ identificou pagamentos de R$ 18.805,81 em 27 de agosto de 2010 e R$ 15.163,39 em 23 de setembro de 2010 referentes ao ITBI (imposto de transmissão de bens imóveis) de 12 salas comerciais na Barra da Tijuca, no Rio.
Como as movimentações não constam nos extratos bancários de Flávio, a investigação concluiu que as taxas foram pagas com dinheiro em espécie. “Flávio Nantes Bolsonaro realizou um único saque no mês de agosto de 2010, no valor de R$ 4.000, e no mês seguinte todos os demais saques somaram apenas R$ 2.500”, afirmam os promotores na denúncia, apontando uma soma insuficiente para quitar os impostos.
2012 – ITBI de cobertura em Laranjeiras: R$ 39.020
O ITBI referente a uma cobertura comprada por Flávio no Rio foi pago com dinheiro vivo, segundo a denúncia do MP-RJ, que também apontou que os saques feitos pelo então deputado naquele mês não cobriam o valor total da dívida.
“Naquele mês os saques da conta bancária do denunciado Flávio Nantes Bolsonaro somaram apenas R$ 5.200,00, não havendo lastro de recursos lícitos para justificar os dispêndios em dinheiro ‘vivo'”, afirma o MP-RJ na denúncia.
2016-2017 – IPTU de apartamentos na Barra da Tijuca e em Botafogo: R$ 18.845,14
A Prefeitura do Rio confirmou ao MP-RJ o pagamento dos impostos referentes aos imóveis nos anos de 2016 e 2017. Porém, a quebra do sigilo bancário de Flávio apontou só uma movimentação relativa a essas dívidas, o que levou os promotores a concluírem que o restante das taxas foi pago com dinheiro em espécie.
O senador Flávio Bolsonaro declarou à Receita Federal ter recebido um empréstimo de R$ 250 mil em dinheiro vivo, entre os anos de 2008 e 2010, de dois assessores que à época trabalhavam no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados: Jorge Francisco e Wolmar Villar Júnior.
Nas declarações de Imposto de Renda de Flávio e Fernanda de 2014, consta o pagamento de contribuições patronais de R$ 4.800 relativas a duas empregadas. Como o casal não fez transferências para elas, o MP-RJ estimou os salários (a partir do que foi pago em obrigações trabalhistas) e afirmou que eles eram pagos com dinheiro em espécie.