Maioria discorda de interferências do governo na imprensa

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Foto: Marcos Corrêa/PR

A maior parte dos eleitores é contra eventual interferência do presidente que vier a ser eleito em outubro na atuação da imprensa. A nova pesquisa “A Cara da Democracia” mostra que 43% discordam totalmente que o chefe do Executivo deva ter esse poder mesmo que ache necessário, enquanto 23% discordam parcialmente. São 22% os que concordam totalmente e 18% os que concordam em parte.

Para Katia Brembatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao mesmo tempo em que é positiva a constatação de que mais brasileiros se opõem a interferências do presidente na imprensa, o fato de que 40% aceitariam ações nessa direção acende um alerta:

— Há um crescente processo de descredibilização da imprensa que vem sendo construído ao longo dos últimos anos, desde as jornadas de junho de 2013. Todos os ex-presidentes foram em algum momento bastante incisivos em relação à imprensa. Mas é muito diferente do clima de ódio criado nos últimos quatro anos, coordenado pelo presidente da República e depois reproduzido por seus aliados.

Os dois líderes em intenções de voto na disputa presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) já fizeram sinalizações de que podem vir a exercer maior controle da mídia caso sejam eleitos.

O atual presidente e candidato à reeleição já fez ataques diretos a vários grupos de comunicação e jornalistas, sendo o mais recente deles direcionado a Vera Magalhães, colunista do GLOBO e da CBN e apresentadora na TV Cultura. Bolsonaro também já sugeriu que poderia impor entraves para a renovação da concessão pública para emissoras de rádio e televisão.

Em seu programa de governo, o candidato do PL diz defender a liberdade e ser contra “tentativas de cercear o direito inalienável da imprensa de informar livremente”.

De acordo com relatório produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Bolsonaro foi responsável por 147 episódios de violação da liberdade de imprensa em 2021, seja por agredir verbalmente jornalistas ou ao descredibilizar o trabalho da mídia.

— Bolsonaro incita os seus seguidores a investirem contra os jornalistas, com tentativas de impedi-los de exercer a profissão. A opinião pública está propositalmente desinformada sobre a necessidade do trabalho da imprensa. E a própria população não percebe ser vítima, porque a partir disso ela deixa de receber informação — diz a presidente da Fenaj, Samira de Castro.

O ex-presidente Lula, por sua vez, defendeu em mais de uma ocasião a proposta de regulação dos meios de comunicação no país. Em agosto do ano passado, disse ser favorável à adoção do “modelo inglês”, sem especificar quais regras deseja estabelecer ou alterar.

O programa de governo apresentado por Lula à Justiça Eleitoral não menciona regulação. Diz que o petista atuará “para que o Brasil volte a ser considerado um país no qual o livre exercício da atividade profissional do jornalismo seja considerado seguro, onde a violência contra jornalistas, meios de comunicação, comunicadores e todos os profissionais de imprensa sejam coibidas e punidas”.

Katia Brembatti diz que falta clareza aos candidatos quando se referem à regulação dos meios de comunicação, com confusões que põem no mesmo barco jornalismo profissional, grandes empresas de tecnologia e opiniões publicadas por usuários de redes sociais. A presidente da Abraji defende que haja debate a respeito do tema:

— Nós jornalistas não somos uma categoria à parte do resto da sociedade, que não possa estar sujeita a uma legislação específica. Mas é preciso sentar e discutir para onde a gente quer caminhar em todos os aspectos. Isso não pode ser feito na “canetada”.

Samira de Castro avalia que a partir da regulação é possível fortalecer o jornalismo e descentralizar a produção. Também defende que uma proposta sobre o tema seja amplamente discutida antes de ir a votação no Congresso:

— Há uma diferença grande entre regulação da mídia e interferência direta. Regulação não é via presidente da República no momento em que ele queira, o que, na prática, é o que a gente vê por parte do atual governo. A gente quer que o próximo presidente sente com as organizações da sociedade civil para discutir uma proposta e que nada seja feito sem ouvir as entidades e empresas de comunicação.

Uma das propostas que tratam da atuação de empresas jornalísticas em discussão no Congresso Nacional é o projeto das fake news. O texto já foi aprovado pelo Senado e aguarda análise da Câmara dos Deputados.

A pesquisa “A Cara da Democracia” foi feita pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT). Foram entrevistados presencialmente 1.535 eleitores em 101 cidades de todas as regiões do país entre os dias 9 e 14 de setembro e foi contratada pelo CNPq e Fapemig. A margem de erro total é de 2,5 pontos percentuais para mais ou menos com índice de confiança de 95%.

O Globo