Maioria dos partidos ignora lei sobre candidaturas femininas
Foto: Cristiano Mariz/ O GLOBO
Nas eleições deste ano, 84 chapas para deputado estadual ou federal, de 23 partidos, estão deixando de cumprir o mínimo de 30% de candidaturas femininas exigido por lei, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Na maioria dos casos, as siglas apresentaram nomes de candidatas respeitando o piso, mas a rejeição de registros pela Justiça Eleitoral fez o índice de mulheres cair abaixo do percentual mínimo. Os motivos variam desde ausência de filiação da candidata à falta de documentos. Há ainda casos de renúncias de última hora.
Segundo especialistas, caso seja constatado que situações que levaram à rejeição das candidatas tenham sido intencionais — ou seja, o partido não entregou documentos de propósito ou registrou uma mulher ciente de que ela não era filiada —, todas as candidaturas da chapa podem ser invalidadas pela Justiça Eleitoral.
Conhecida por participar de projetos sociais em Macapá, a massoterapeuta Glauciane Vasconcelos decidiu tentar uma vaga de deputada federal, segundo ela, após ter a promessa do seu partido, o Avante, de que receberia recursos para fazer campanha.
Com a obrigação legal de cumprir a cota feminina, partidos passaram a buscar mulheres interessadas em entrar na disputa. A duas semanas da eleição, porém, Glaucia da Massagem, como é conhecida, não recebeu nenhum centavo e ainda descobriu que seu registro havia sido rejeitado pela Justiça Eleitoral porque dirigentes da sigla deixaram de apresentar documentos.
— Somos bucha para as candidaturas deles. Eles iludem. Disseram que a mulher negra pegaria uns R$ 300 mil e a branca uns R$ 150 mil. Não sei o que fizeram no meu nome, porque eu fui prejudicada.
Sem Glauciane e com a saída de outra candidata, que desistiu após não ter recebido dinheiro para campanha, o Avante do Amapá deixou de ter o mínimo de mulheres na chapa. O presidente do diretório amapaense da sigla, Adail Dias, diz que recorrerá para manter a candidatura de Gláucia da Massagem. Ele afirma, porém, que não recebeu recursos do fundo eleitoral e que, por isso, todos os candidatos podem acabar desistindo.
— Tem gasto para essas pessoas irem para a rua, e estão desestimuladas — afirmou.
O problema não atinge apenas partidos pequenos. No PL, do presidente Jair Bolsonaro, o diretório de Goiás deixou de apresentar a documentação mínima das candidatas e até inscreveu uma delas em dois cargos diferentes. Com isso, o partido conta com 27,78% de mulheres na chapa para deputados estaduais.
Maria da Silva foi registrada como candidata a deputada federal e estadual ao mesmo tempo. Ela chegou a gravar propaganda com o número de deputada estadual, cargo que de fato gostaria de disputar, mas depois foi orientada a entrar na corrida pela Câmara.
— Estou pensando em renunciar de novo para não passar vexame. Não veio verba para a gente, apenas R$ 10 mil. O que vou fazer com isso? Nada. Parece que fomos usadas.
Outras duas candidatas tiveram seus registros indeferidos porque não apresentaram os documentos exigidos: Alessandra Carvalho e Patrícia Nascimento. As duas já foram candidatas em outros pleitos, também pelo PL. Procurada, Patrícia disse que enviou a documentação, mas o partido não teria incluído os registros na ação.
O GLOBO procurou Alessandra, mas não obteve retorno. O presidente do PL em Goiás, Vitor Hugo, não respondeu.
Segundo Antônio Ribeiro Junior, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep), a má-fé ou dolo do partido estariam configurados quando são incluídas na chapa candidatas que sabe-se serem inviáveis, por não atenderem requisitos de elegibilidade, e depois terão o registro negado.
— Se o partido se utilizar de uma candidatura para cumprir o requisito de cota de gênero e depois essa pessoa ter o registro indeferido, ao meu ver isso pode configurar a má-fé da legenda — diz o advogado eleitoral.