Mulheres, pobres e os de baixa escolaridade escondem voto
Foto: Marlene Bergamo e Gabriela Bilo/Folhapress
Oito de cada dez eleitores disseram ao Datafolha que já decidiram como votarão para presidente quando estiverem diante da urna no dia 2 de outubro, mas pesquisadores influentes desconfiam que um número significativo deles ainda esconde suas preferências.
Na visão desses especialistas, é possível que alguns apoiadores dos dois candidatos que há meses estão na frente da corrida, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), ainda se sintam desconfortáveis para declarar abertamente sua opção aos institutos de pesquisa.
Seria uma manifestação de um fenômeno conhecido nas ciências sociais como “viés de desejabilidade social”, que leva muitas pessoas a se distanciar de comportamentos reprovados em certas situações, ocultando suas preferências para evitar julgamentos desfavoráveis.
Uma das hipóteses é que bolsonaristas esconderiam o voto devido à alta rejeição do presidente, repudiado por mais da metade do eleitorado. Outra sugere que lulistas teriam vergonha de reconhecer a opção nos ambientes em que a rejeição ao petista também é elevada.
Mas até os que consideram essas hipóteses plausíveis reconhecem que faltam evidências sólidas para comprová-las, numa disputa que tem sido marcada por grande convicção do eleitorado e variações muito pequenas nas preferências captadas pelos institutos de pesquisa.
Há uma semana, quando o Ipespe perguntou aos eleitores numa pesquisa telefônica de âmbito nacional se eles falam abertamente sobre seus candidatos em conversas com desconhecidos ou em locais públicos, 38% disseram que evitam declarar seu voto para presidente.
Segundo o instituto, mulheres e pessoas de baixa renda e menor escolaridade optam mais pelo silêncio. “Como Lula tem ampla vantagem nesses segmentos, pode ser um sinal de que bolsonaristas evitam abrir o voto entre eles”, diz o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.
O único indício de que isso pode estar ocorrendo de fato é fornecido por pesquisas telefônicas, diz Orjan Olsen, ex-diretor do Gallup. Em geral, elas têm apontado números ligeiramente melhores para o presidente do que as feitas com entrevistas presenciais, como a do Datafolha.
Teoricamente, os eleitores se sentiriam mais à vontade para expressar opiniões políticas nas pesquisas telefônicas por não ter contato direto com os entrevistadores. Muitas são conduzidas por sistemas que disparam automaticamente perguntas gravadas, o que ampliaria esse efeito.
Mas pode ser também que os números reflitam diferenças nas amostras dos levantamentos. “As pesquisas telefônicas têm maior dificuldade para alcançar eleitores mais pobres, fatia na qual a vantagem de Lula é maior, e isso pode explicar a diferença pró-Bolsonaro”, afirma Olsen.
Num artigo publicado pela revista piauí na terça (20), o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, e seu colega Frederico Batista descreveram três experimentos executados pela consultoria nos últimos meses para testar a hipótese das preferências eleitorais ocultas.
Num deles, realizado em junho, 46% dos entrevistados apontaram Lula como seu candidato e 51% disseram conhecer pessoas que votarão nele. O resultado é similar ao obtido pela Quaest e por outros institutos quando perguntam quem os eleitores acham que vencerá a eleição.
Em outro experimento, alguns eleitores foram submetidos a perguntas que buscavam capturar indiretamente suas preferências eleitorais, sem pedir declaração de voto, e outros não. O resultado apontou uma diferença no caso de Lula, mas muito pequena, de um ponto porcentual.
A Quaest também organizou vários grupos em que eleitores lulistas e bolsonaristas podiam discutir presencialmente suas preferências. A conclusão foi que, em geral, os eleitores petistas se retraíam diante dos bolsonaristas quando sua opção política era questionada no grupo.
“O eleitor de Lula é mais silencioso e tem mais medo de se manifestar”, diz Nunes. Numa das pesquisas feitas pela Quaest para a corretora Genial Investimentos neste mês, somente 26% dos bolsonaristas e 20% dos lulistas disseram que pretendiam declarar o voto publicamente.
Outras pesquisas têm captado evidências de que muitos eleitores estão amedrontados. No início deste mês, 9% disseram ao Datafolha que poderão deixar de votar por temer ações violentas no dia do pleito. Entre os lulistas, 10% pensavam assim. Entre os bolsonaristas, 5%.
Se não há dúvida sobre a tensão no ambiente, faltam evidências de que ela afete os resultados das pesquisas. “Muitas pessoas ficam intimidadas diante do chefe ou do vizinho, mas não vemos isso com os pesquisadores em campo”, diz Luciana Chong, diretora do Datafolha.
O número de eleitores que revelam o voto espontaneamente, antes da apresentação dos nomes dos candidatos pelos pesquisadores, nunca foi tão grande. Nesta semana, 83% declararam voto espontaneamente ao Datafolha. Em 2018, 65% faziam isso a essa altura da disputa.
Na primeira etapa da pesquisa, 14% disseram não saber em quem votar e 4% disseram que votarão em branco ou anularão o voto. Na pesquisa estimulada, após a exibição da lista de candidatos, somente 2% disseram não saber em quem votar, de acordo com o Datafolha.
Nunca houve também tanta convicção no eleitorado, que começou a expressá-la mais cedo neste ano. Segundo o Datafolha, somente 18% dizem que ainda podem mudar o voto. Na eleição de 2018, 34% cogitavam mudar a esta altura da disputa, a poucos dias do primeiro turno.
Em outros anos, o engajamento só começou a crescer com a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, e muitos eleitores deixaram a decisão para a última hora. “Não vejo sinal de voto envergonhado nesta eleição”, afirma Chong. “Se existe algo assim, ele é residual.”
Numa tentativa de contornar vieses nas pesquisas estimuladas, os entrevistadores da Quaest são orientados a convidar os próprios eleitores a marcar suas preferências nos tablets do instituto após a apresentação dos nomes dos candidatos, como se estivessem diante da urna.
Nas pesquisas do Datafolha e de outros institutos, são os pesquisadores que marcam as respostas dos entrevistados. Outros cuidados são tomados para evitar inibições, como assegurar que o eleitor esteja sozinho no momento da entrevista, sem outras pessoas ao seu lado.
Nas últimas semanas, em caráter experimental, o Datafolha e o Ipec pediram que os eleitores marcassem eles mesmos suas preferências nos tablets ao final da entrevista. Os institutos afirmam não ter encontrado diferenças significativas entre essas respostas e as dadas antes.
Estudos realizados nos Estados Unidos para verificar problemas na metodologia das pesquisas, que subestimaram o eleitorado do republicano Donald Trump nas duas últimas disputas presidenciais, descartaram a hipótese de que seus eleitores tivessem ocultado preferências.
“O mais provável é que Trump tenha atraído eleitores mais jovens, que habitualmente não votavam, e por isso não tiveram suas preferências captadas pelas amostras dos institutos de pesquisa”, diz Clifford Young, do Ipsos. “Há poucas evidências de que o voto oculto exista”.