Novo tribunal em MG está ocioso
Foto: Clauber Cleber Caetano/Divulgação/Presidência da República
No dia 19 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foram a Minas Gerais inaugurar o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), sediado em Belo Horizonte.
A criação do tribunal era uma reivindicação antiga dos magistrados mineiros, uma vez que os processos federais relacionados a casos ocorridos no estado até então tramitavam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, a 735 quilômetros de distância.
Previsto para ser instalado em março, o tribunal acabou sendo inaugurado em agosto em razão de atrasos provocados pela pandemia e a demora na volta ao trabalho presencial.
Duas semanas depois da badalada cerimônia, a dura realidade bateu à porta do TRF-6, que já ganhou de juízes e advogados o apelido de “Sucupira” – referência à cidade fictícia onde se ambientava a novela “O bem amado”, de Dias Gomes.
Na novela, o prefeito Odorico Paraguaçu passa o tempo todo tentando inaugurar um cemitério, mas não consegue por falta de um defunto.
No TRF-6, o que faltam são processos. Os 18 desembargadores já foram nomeados, mas a migração virtual dos processos vindos do TRF-1, de Brasília, ainda não terminou. Isso provocou uma espécie de limbo jurídico, porque os advogados desses processos alegam que não têm como fazer petições e apresentar documentos.
Apenas pedidos urgentes, como habeas corpus e autorização para operações de busca e apreensão em ações policiais, são analisados em esquema de plantão pela presidente do TRF-6, desembargadora Mônica Sifuentes.
Por enquanto, os desembargadores estão trabalhando em esquema de home office, porque as instalações do prédio ainda estão incompletas e precisam passar por adaptações para acomodar os gabinetes. Foram feitos reparos nas fiações elétricas e pintura de paredes.
Além disso, só recentemente foi definida a divisão do tribunal em quatro turmas, cada uma formada por quatro desembargadores e especializada em áreas específicas do direito.
Essa definição é crucial porque ela vai orientar a distribuição dos processos que vão para cada gabinete.
Os casos de improbidade administrativa e matéria penal, por exemplo, vão para as 1ª e 2ª Turmas, enquanto matérias de natureza tributária e de direito administrativo, vão para a 3ª a 4ª Turma.
O tribunal recém-nascido também esbarra em outro empecilho para funcionar plenamente: a falta de um regimento interno que dite as regras internas de funcionamento. “Sem regimento interno fica difícil”, admite um desembargador do TRF-6 sob reserva. “A lei fala em 30 dias para aprovar o regimento, mas ele sairá antes”, justifica.
“Eu confesso que esperava um grau de maturidade melhor na instalação, mas tenho a impressão de que nas próximas três semanas a situação já estará mais azeitada”, resume outro desembargador do TRF-6 ouvidos pela equipe da coluna.
“Eu não seria drástico de dizer que é um cenário de terra arrasada, mas há uma certa confusão. O que é natural nesse momento, em se tratando de Brasil. As coisas funcionam, mas se tem aquela impressão de que estamos numa repartição pública dos anos 1980.”
A abertura do TRF-6 também provocou insatisfação entre os juízes da primeira instância, que tiveram que ceder parte dos funcionários de seus gabinetes. Está prevista a realização de concurso para preencher os cargos no novo tribunal. Mas, por enquanto, os funcionários que atuam no TRF-6 são cedidos pela Justiça Federal de BH ou foram removidos para atuar no novo tribunal.
Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha, mineiro e um um dos maiores defensores da criação do novo tribunal, são naturais os obstáculos desses primeiros dias após a inauguração.
“É melhor esperar 30, 60 dias para o tribunal funcionar plenamente, do que aguardar 15 anos para um caso ser julgado”, disse à equipe da coluna Noronha, em referência à lenta tramitação de processos no TRF-1.
Noronha participou nos bastidores do processo de escolha dos desembargadores nomeados por Bolsonaro – um deles é Simone dos Santos Lemos, que foi assessora do ministro no STJ.
Até agora, os casos de Minas Gerais tramitavam no congestionado TRF-1, cuja jurisdição englobava o Distrito Federal e outros 13 Estados – ao todo, o TRF-1 respondia por cerca de 46% de todos os municípios brasileiros. O TRF-1 é um dos cinco tribunais regionais criados pela Constituição de 1988.
A estimativa é a de que o novo tribunal receba cerca de 174 mil processos, o que vai provocar uma redução de 27% no acervo do tribunal sediado em Brasília.