Pagando, Facebook permite difusão de fake news
Foto: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
Mesmo após anunciar no dia 16 de agosto que passaria a proibir anúncios “questionando a legitimidade desta eleição”, a Meta, empresa controladora do Facebook e Instagram, segue autorizando a veiculação de anúncios com desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro. O alerta parte de duas fontes: um levantamento feito pelo NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e um novo teste da organização internacional Global Witness, que detectou novamente falhas no sistema de moderação da plataforma ao submeter peças com mensagens falsas sobre o pleito.
A promessa da Meta de combater desinformação eleitoral, no mês passado, ocorreu após um levantamento do NetLab, divulgado pelo GLOBO, contabilizar ao menos 21 anúncios com fake news e ataques ao processo eleitoral brasileiro, boa parte deles publicados por então pré-candidatos, e de um relatório da Global Witness informar que a empresa não agiu para barrar a publicação de dez anúncios no Facebook com mensagens falsas sobre as eleições brasileiras criados pela organização.
Um novo levantamento do NetLab encontrou outros sete anúncios com alegações explícitas de fraudes e ataques às urnas eletrônicas feitos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, em uma análise nos últimos 15 dias de agosto, mesmo após o anúncio da Meta. Os dados foram levantados por meio da API da biblioteca de anúncios da plataforma, que permite a captura das informações de forma automatizada.
Todos os anúncios foram removidos na última terça-feira após a Meta ser questionada pelo GLOBO sobre a liberação das postagens patrocinadas que descumpriam suas regras. Entre os responsáveis pelas publicações, estão dois candidatos nos pleitos deste ano: Doutor Milton, que concorre a deputado estadual no Rio pelo Republicados, e o deputado federal Gurgel (PL/RJ), que tenta a reeleição.
Não foi possível verificar se as postagens com desinformação sobre o processo eleitoral foram financiadas com recursos públicos. Doutor Milton, que recebeu ao menos R$14.895,00 dos fundos eleitoral e partidário, ainda não declarou despesas com impulsionamento de conteúdo no Facebook e Instagram. Já Gurgel não divulgou até o momento suas receitas e despesas eleitorais. Procurados pelo GLOBO para comentar os anúncios com mensagens falsas sobre as urnas, ambos não responderam.
Durante 22 anos de utilização das urnas eletrônicas no Brasil, o TSE não identificou nenhuma invasão de hackers ou qualquer tipo de fraude. No caso do deputado federal Gurgel, que tem 400 mil seguidores no Facebook, foram patrocinadas cinco postagens que reproduzem uma entrevista do parlamentar à Jovem Pan. No trecho, Gurgel faz a defesa do voto impresso e lança dúvidas sobre a confiabilidade das urnas.
— O cidadão precisa ter a segurança de que seu líder é legítimo — diz Gurgel, ao longo da entrevista.
Milton, por sua vez, rebate em um vídeo, que foi impulsionado, declarações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que as urnas eletrônicas são invioláveis.
— Todo e qualquer sistema eletrônico é inconfiável, pois nada impede que o mesmo seja fraudado — diz em determinado momento.
Um outro anúncio partiu de um perfil identificado como Felipe Guimarães, que se apresenta como especialista em cibersegurança. No vídeo, Guimarães diz que o TSE “não tem competência técnica” para garantir a segurança das urnas.
No ano passado, o TSE incluiu na resolução que normatiza a propaganda eleitoral o veto à divulgação de mentiras e descontextualizações sobre o pleito. O texto prevê que a Justiça Eleitoral, a partir de requerimento do Ministério Público, determine que o conteúdo desinformativo seja tirado do ar, além de uma apuração sobre a responsabilização penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
Em nota, a Meta informou que removeu os sete anúncios e que está comprometida em proteger a integridade da eleição brasileira e em aperfeiçoar a aplicação de suas regras. “Toda implementação de uma nova política nas nossas plataformas envolve um período de treinamento de nossa tecnologia e equipe de revisores. Os sete exemplos trazidos pelo Globo violavam nossa política recém-anunciada proibindo questionamentos à legitimidade da eleição em anúncios e já foram removidos. Estamos comprometidos em proteger a integridade da eleição brasileira e em aperfeiçoar a aplicação de nossas regras. Reconhecemos também que, diante da escala de nossos serviços, não permitir um determinado tipo de conteúdo não significa incidência zero”, informou.
Já a Global Witness refez o teste para medir os esforços do Facebook para proteger a integridade do pleito brasileiro. Dos mesmos dez anúncios liberados no mês passado pela companhia, quatro foram aprovados.
As postagens violam as políticas da plataforma, o que deveria impedir a veiculação de anúncios. Em suas regras, Facebook e Instagram informam que proíbem e removem conteúdos que desestimulam o voto ou interferem na votação, como informações incorretas sobre a data da eleição ou número dos candidatos e que essas postagens também não podem ser patrocinadas.
A Global Witness também testou um novo conjunto de anúncios e metade foi aprovada pelo Facebook para publicação. Entre as peças publicitárias que continuaram a ter aval para entrar no ar, estão mensagens que disseminavam que o voto se tornou voluntário para eleitores entre 18 e 70 anos, mudanças na data do pleito e ataques ao sistema de votação eletrônica.
Os anúncios são revisados pela plataforma com um sistema automatizado e curadoria humana, antes de serem lançados. Cabe aos anunciantes indicar casos de publicações sobre política, eleições e temas sociais, que são classificados como sensíveis e ficam armazenados por mais tempo na biblioteca pública da Meta. A plataforma também avalia se essa classificação foi feita corretamente. No caso das postagens patrocinadas pela Global Witness, não houve indicação de conteúdos sensíveis. As publicações também foram feitas fora do Brasil e a organização não usou ferramentas para mascarar a localização da conta. Não foi usado também um meio de pagamento brasileiro.
“É especialmente preocupante que a Meta mais uma vez não tenha conseguido identificar que os anúncios foram postados fora do Brasil e de contas que não passaram pelo processo de verificação de anúncios – uma requisito para qualquer conta que publique conteúdo relacionado a eleições”, enfatizou a Global Witness. Procurada, a Meta não comentou o teste feito pela organização internacional.