PGR tentou impedir quebra de sigilo de assessor de Bolsonaro
Foto: Gabriela Biló/Folhapress
A PGR (Procuradoria-Geral da República) se opôs à quebra do sigilo bancário do tenente-coronel Mauro Cid, principal ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Responsável pela ordem que determinou a quebra, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), consultou previamente o órgão comandado por Augusto Aras.
Apesar do posicionamento contrário, Moraes levou adiante a diligência, atendendo a um pedido da Polícia Federal. A decisão foi revelada pela Folha.
A autorização para a quebra do sigilo bancário deflagrou mais um capítulo da crise entre Moraes e a PGR.
A PF propôs a medida para rastrear suspeitas sobre transações financeiras feitas no gabinete de Bolsonaro, levantadas a partir de mensagens recuperadas de um telefone do ajudante de ordens.
Conversas por escrito, fotos e áudios trocados pelo tenente-coronel com outros funcionários da Presidência sugerem a existência de depósitos fracionados e saques em dinheiro.
O material analisado pela PF indica que as movimentações financeiras se destinavam a pagar contas pessoais da família presidencial e também de pessoas próximas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
A assessoria da Presidência afirmou que as transações consideradas suspeitas pela PF não têm origem em dinheiro público e que saques foram feitos, em vez de transferências bancárias, por questão de segurança.
“Todos os recursos não têm origem no suprimento de fundos [cartão corporativo]. O presidente nunca sacou um só centavo desse cartão corporativo pessoal. O mesmo está zerado desde janeiro de 2019”, afirmou a assessoria. “Os saques foram feitos na conta do presidente”, acrescentou.
Aras e a subprocuradora Lindôra Araújo já pediram por três vezes o arquivamento do inquérito sobre o vazamento, por Bolsonaro e aliados, de uma investigação que apura um ataque hacker contra o sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no qual o pedido de quebra de sigilo foi feito.
A PF entendeu que esse inquérito tinha informações sobre diligências sigilosas em andamento.
Em fevereiro, logo após a PF concluir a apuração, Aras se manifestou de forma contrária ao posicionamento da delegada Denisse Ribeiro e disse não haver crime de Bolsonaro e do ajudante de ordens no caso.
“Os elementos colhidos apontam também para a atuação direta, voluntária e consciente de Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro [deputado federal] e de Jair Messias Bolsonaro na prática do crime”, disse o relatório da PF.
Aras, por sua vez, admitiu que, embora as informações do inquérito “eventualmente tenham sido difundidas de forma distorcida pelos investigados”, a divulgação não muda a sua “conclusão de atipicidade das condutas apuradas, frente à ausência de elementar do tipo penal”.
Segundo o PGR, ao contrário do que concluiu a PF, o inquérito sobre o suposto ataque a sistemas e bancos de dados do TSE não estava protegido por sigilo e, portanto, a sua divulgação não constitui conduta criminosa.
“O expediente [inquérito] não tramitava reservadamente entre a equipe policial, nem era agasalhado por regime de segredo externo ao tempo do levantamento, pelos investigados, de parte da documentação que o compõe”, afirmou.
Mesmo após a posição da PGR, Moraes ordenou à PF a produção de um relatório minucioso do material angariado na quebra de sigilo telemático do ajudante de ordens.
Foi a partir dessa análise que a PF chegou nas mensagens que embasaram o pedido de quebra de sigilo bancário de Mauro Cid.
Em maio, após o pedido de Moraes, o próprio Jair Bolsonaro, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), entrou com recurso no STF para tentar barrar a elaboração do relatório sobre as mensagens de Mauro Cid.
Um dos argumentos utilizados pela AGU foi que Moraes não poderia ter determinado de ofício a medida investigativa uma vez que a PGR já havia solicitado o arquivamento.
Meses depois, em agosto, na mesma época em que a PF pediu a quebra de sigilo de Mauro Cid, a Procuradoria voltou à carga para tentar arquivar o caso.
Dessa vez por meio da vice-procuradora-geral Lindôra Araújo, a Procuradoria pediu novamente o arquivamento do inquérito.
No pedido, Lindôra criticou a posição de Moraes de manter a apuração e pedir diligências à PF mesmo após o pedido para encerramento do caso. Segundo ela, ao não aceitar o pedido da Procuradoria, Moraes violou o sistema acusatório.
Criticou também o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) —que apresentou ação contra as manifestações da PGR— e disse que Aras vem sofrendo “tentativas de constrangimento, intimidação e pressão” em sua “atuação independente”.
Um dos trechos da petição de Lindôra foi interpretado como uma resposta à investida da PF para investigar Mauro Cid.
Na manifestação, a vice-procuradora grifa um trecho em que afirma que “quaisquer elementos de informação que venham a ser decorrentes da decisão judicial ora impugnada, que decretou medidas investigativas de ofício, não serão utilizados”.
Consultada sobre o assunto, a PGR não se manifestou.
Nesta terça, Bolsonaro afirmou que o “pessoal da Polícia Federal” que pediu a quebra de sigilo de Cid “come na mão” de Moraes e afirmou que o ministro “ultrapassou todos os limites”, por ter atingido gastos de sua esposa com a decisão.
“Alexandre, você mexer comigo é uma coisa, você mexer com minha esposa, você ultrapassou todos os limites, Moraes, todos os limites. Está pensando o que da vida? Que pode tudo e tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? Isso que passa na tua cabeça? É uma covardia.”