Povo acha que política tem mais corrupção

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Foto: Guito Moreto/ Agência O GLOBO

A classe política é mais associada à corrupção no Brasil do que entidades da sociedade civil, como empresas, ONGs, movimentos sociais e igrejas. Na esteira dos desdobramentos de investigações sobre pagamentos de propina que promoveram uma reorganização de forças pós-urnas em 2018, duas pesquisas realizadas pelo Ipec, a pedido do GLOBO, evidenciam a avaliação dos brasileiros. No quadro geral, a prática só fica atrás do desemprego na lista de problemas que mais afligem a população. Um olhar detalhado revela ainda que Câmara dos Deputados, Senado e o Executivo em suas três esferas (federal, estadual e municipal) são vistos como mais corruptos, na comparação com a compreensão geral sobre o tema.

Para 36%, a corrupção é um dos três desafios mais urgentes do Brasil. Um levantamento complementar destrinchou a questão. Com base nas respostas — os entrevistados podiam associar “muita”, “alguma”, “pouca” ou “nenhuma” corrupção aos itens pesquisados —, o instituto elaborou um índice de percepção sobre o tema, que no geral ficou em 77 (quanto mais perto de 100, maior é a associação com corrupção). No caso da Câmara, o resultado foi 92 (76% vinculam “muita corrupção” à Casa); quanto ao Senado, 89; governos estadual (86), federal (84) e municipal (80) vêm em seguida.

A avaliação sobre entidades da sociedade civil é distinta. No caso das empresas, o índice calculado é de 67, patamar semelhante ao de ONGs e igrejas. Nas nuances, no entanto, há uma diferença: enquanto 24% veem “muita corrupção” nas companhias, o resultado é de 31% para as organizações não-governamentais e de 32% para as instituições religiosas. Entre as instituições de Estado, é a Polícia Federal quem se sai melhor: 68 no índice calculado pelo Ipec, com 31% de percepção de muita corrupção.

— De fato ocorrem escândalos de corrupção mais graves e em maior quantidade envolvendo os políticos. No entanto, só existe corrupção porque um recebe e outro paga. No Brasil, como vimos na Lava-Jato, geralmente quem paga são grandes empresas privadas. Mas o brasileiro só vê a corrupção do lado do Estado. Outro ponto é que as empresas são, em sua maioria, de pequeno porte, comerciantes, microempreendedores. São nelas que o brasileiro pensa, não nas grandes empreiteiras — avalia o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino.

Onde os brasileiros mais perccebem "muita corrupção" — Foto: Arte

O olhar sobre a Câmara dos Deputados pode ser explicado a partir do noticiário. A Casa foi o epicentro do mensalão, mecanismo que instituiu repasses ilícitos em troca do apoio a votações no primeiro governo do ex-presidente Lula (PT), e teve parlamentares envolvidos também na Lava-Jato, que esquadrinhou relações tortuosas entre políticos, órgãos com presença do governo e empresas. Mais recentemente, veio à tona o orçamento secreto, dispositivo desenvolvido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) para pacificar a relação com o Congresso, por meio da distribuição de recursos via emenda parlamentar, de forma desigual e sem transparência. Para 2023, a previsão orçamentária com o expediente é de R$ 19,4 bilhões.

A sensação geral sobre corrupção é maior entre mulheres e mais pobres. No recorte de renda, a percepção vai crescendo conforme os recursos familiares disponíveis a cada mês vão diminuindo. A pesquisa revela ainda uma clivagem religiosa: evangélicos avaliam a situação com menos gravidade, na comparação com católicos e os praticantes de outras religiões.

Índice de percepção da corrupção — Foto: Arte

A observação detalhada sobre a percepção dos brasileiros a respeito de corrupção no governo federal expõe conexões com a avaliação da atuação do presidente Jair Bolsonaro (PL), em campanha à reeleição. Entre as mulheres, por exemplo, 69% consideram que há “muita corrupção” no governo federal — no mundo masculino, o índice é de 59%. Por outro lado, 6% dos homens consideram que não há “nenhuma corrupção”, contra 2% das mulheres. Segundo o Datafolha, 55% das mulheres dizem que não votariam “de jeito nenhum” em Bolsonaro, enquanto a rejeição é de 48% entre os homens. Entre os evangélicos, grupo em que o chefe do Executivo tem desempenho nas pesquisas acima de sua média, 53% veem “muita corrupção” — a taxa é de 63% entre católicos e de 72% entre praticantes de outras religiões.

A atual gestão enfrentou a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro (Educação), por suspeitas de envolvimento em um esquema irregular de repasses de verbas para prefeituras, além de denúncias de pagamento de propina em meio a negociações do Ministério da Saúde para a compra de vacinas — ambos os casos estão sob investigação, e os envolvidos negam irregularidades. Bolsonaro, por sua vez, já levou para a campanha eleitoral os desvios bilionários identificados na Petrobras durante as gestões petistas, tema do qual Lula vem tentando se esquivar.

— A percepção sobre a realidade é diretamente influenciada por quem está no poder. Ou seja, quando você gosta de alguém que está no poder, tende a avaliar as ações e decisões do governo de forma otimista. Por isso, os segmentos que mais votam no presidente veem o governo como menos corrupto — complementa Galdino.

Segundo pesquisa, maioria se diz honesta — Foto: Arte

No dia a dia, apesar da afirmação robusta de que corrupção é uma questão grave, e da vinculação do problema à classe política, o brasileiro não se enxerga como corrupto. Só uma a cada dez pessoas admitiu já ter pago propina, dado algum presente ou feito favores para se beneficiar ou obter vantagem em algum serviço público. A situação em que mais pessoas admitiram o suborno foi para receber atendimento médico: 11% afirmaram que já pagaram a um profissional de saúde ou funcionário do hospital público para obter assistência.

Na direção das soluções, O GLOBO convidou a Transparência Brasil e o Instituto Não Aceito Corrupção para apresentar as ações anticorrupção que devem ser adotadas pelo próximo presidente da República. A primeira delas é acabar com o orçamento secreto. Outras propostas preveem mudanças nas leis de licitação e improbidade administrativa, a limitação do uso de cargos de livre nomeação, o estabelecimento de mandato para o diretor-geral da Polícia Federal, e a alteração na forma de escolha do procurador-geral da República.

— A corrupção jamais será totalmente extinta, como jamais será extinta toda a violência. Mas o controle dela deve ser retomado de forma planejada e estratégica. Precisamos diminuir as oportunidades para a prática da corrupção e reduzir a impunidade — diz o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu.

Corrupção é o segundo maior problema do Brasil — Foto: Arte

O GLOBO convidou a Transparência Brasil e o Instituto Não Aceito Corrupção para elaborar uma lista de medidas que devem ser adotadas pelo próximo governo com a intenção de prevenir e enfrentar a chaga da corrupção no Brasil. O que o presidente deve fazer:

Aprovar legislação para acabar com as emendas do relator
Por que é importante: há muitas janelas para a captura do orçamento público por interesses particulares. Verbas são distribuídas com finalidades meramente políticas. Não há transparência. O texto deve diminuir o valor global de emendas para 0,1% do PIB; vedar dispensas de licitação; obrigar a indicação de resultados e benefícios esperados e a divulgação dos proponentes de emendas coletivas; por fim, reduzir as emendas impositivas. Grau de dificuldade: Médio

Por que é importante: o PNCP centralizará publicação de contratações dos entes públicos, mas falhas de preenchimento de dados ameaçam seu potencial. Incluir sociedade civil é vital. Também é crucial garantir que compliance de contratadas pelo poder público seja capaz de prevenir, detectar e remediar atos em não conformidade. Grau de dificuldade:Fácil

Por que é importante: Por que é importante: nova lei enfraqueceu a anterior, que era principal norma anticorrupção do país. Deixou de punir improbidades culposas, restringiu punição de improbidades sem dano, dificultou punição de práticas como a “rachadinha” e criou suaves regras de prescrição, inclusive retroativas. É necessário que inclua culpa gravíssima como hipótese e a responsabilização de partidos. Precisa também estabelecer prazo de um ano para duração de investigação pelo Ministério Público (prorrogável), fiscalizado pelos respectivos Conselhos Superiores e restabelecer sistema de prescrição da lei anterior. Grau de dificuldade: Médio

Por que é importante: No Brasil, há cerca de 20 mil cargos de livre nomeação. Nos EUA, são 8 mil cargos. São necessárias regras para coibir o clientelismo. A lei deve determinar quais cargos podem ser ocupados por agentes que não sejam servidores e estabelecer requisitos mínimos para quem pode ocupá-los. Meta é reduzir oportunidades de aparelhamento do Estado. Grau de dificuldade: Alto

Por que é importante: A prática do lobby é canal legítimo no processo decisório das políticas públicas, mas atualmente é realizado de maneira desigual e opaca, favorecendo a corrupção. Regulamentação que privilegie a transparência reduziria esse risco. A garantia do equilíbrio da participação da sociedade civil e de setores privados, o estabelecimento de limites claros para recebimento de presentes e benesses e punições para quem violar a lei são o primeiro passo. O PL nº 4.391/21, com as emendas apresentadas pela sociedade civil na Comissão de Trabalho da Câmara, é uma boa referência para a regulamentação. Grau de dificuldade: Alto

Por que é importante: As leis dos fundos eleitoral e partidário podem estimular o aumento do caixa dois. Regras devem ser mais restritivas na contratação de despesas. Regulação deve categorizar gastos para evitar uso para fins privados, além de determinar a divulgação dos dados em tempo real. O processo precisa ser mais controlável e passível de responsabilização. Grau de dificuldade: Alto

Por que é importante: Com mandato de quatro anos não coincidente com o presidencial, o Controlador Geral da União teria autonomia. Mandato de dois anos para o diretor da PF teria efeito parecido. Órgãos teriam mais feição de Estado, não de governo. Para seleção do procurador-geral da República, o mais votado da lista tríplice do Ministério Público deve ser aprovado por 3/5 do Senado, que para rejeitar, deve apresentar os motivos, chamando o segundo da lista. A mudança deve ser feita por meio de PEC e implementada também nos estados. Grau de dificuldade: Médio

O Globo