Só 1/4 dos cultos evangélicos têm proselitismo político

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Foto: Mauro Pimentel – 15.set.22/AFP

Quase sempre elas têm lastro no bolsonarismo: nos púlpitos, demonstrações explícitas de campanha eleitoral geram manchetes em jornais e aflição nos defensores do Estado laico.

No dia a dia das igrejas, contudo, o discurso político está mais para uma minoria barulhenta. É o que a Folha constatou após acompanhar 35 cultos em sete capitais e no Distrito Federal. Os repórteres não se apresentaram como jornalistas nesses espaços, porque a identificação poderia interferir na maneira como as cerimônias seriam realizadas, evitando, por exemplo, falas politizadas.

A Igreja Universal do Reino de Deus, ex-aliada de governos petistas e que hoje defende que cristão de verdade não vota na esquerda, é uma das mais ativas politicamente.

A Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que recepcionou na quinta-feira (15) o presidente Jair Bolsonaro (PL) em culto pelo aniversário de 64 anos do pastor Silas Malafaia, nem sempre bate forte no bumbo eleitoral. De 4 cultos em três cidades, só 1 teve teor político marcante.

Igrejas de bolsonaristas declarados, como a Bola de Neve, do apóstolo Rina, a Batista Lagoinha, do clã Valadão, e a Batista Atitude, frequentada por Michelle Bolsonaro, também não registraram nada nesse sentido, ao menos nos dias visitados.

O furdunço virtual pode provocar impressão contrária, a de que a regra são casas de oração tomadas por diretrizes eleitorais. Isso existe, mas numa escala menor do que dão a entender as redes sociais, terreno fértil para pastores escancararem sua preferência por candidato “x” ou “y”.

Nas últimas semanas, vídeos de líderes religiosos pregando contra a esquerda personificada em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inundaram a internet. Teve pastor de Gurupi (TO) afirmando no altar que Deus jamais entregaria “esta nação na mão do Lula” e se encarregaria de “varrer essa raça ruim”. Outro, este de Botucatu (SP), defendeu que eleitores do ex-presidente não merecem tomar “a Santa Ceia do Senhor”.

A pregação anti-Lula também parte de figurões, como Malafaia e André Valadão. Malafaia até ajudou Bolsonaro a dar vazão aos ataques às urnas eletrônicas. Às portas do 7 de Setembro, disse orar por uma falha na apuração: “Se tentarem roubar essa eleição, em nome de Jesus, esse sistema será travado”.

A polarização já resvalou para a violência física em um templo. Em agosto, um fiel foi baleado por outro no corredor de uma Congregação Cristã goiana. O policial militar que atirou na perna de Davi Augusto era músico da igreja e depois disse ter se arrependido.

A rixa começou após um pregador ler documento da igreja que desaconselha o voto em partidos que não defendem valores cristãos. Um irmão de Davi pediu que o religioso não falasse de política no templo, e, semanas depois, o PM, que teria tomado as dores do líder, sacou a arma contra o familiar do desafeto.

A Folha também assistiu a missas católicas nas capitais e nas cidades paulistas de Aparecida (Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida) e Cachoeira Paulista, terra da Canção Nova, movimento carismático simpático a Bolsonaro. Não escutou alusão ao pleito de 2022 em nenhuma.

A peregrinação por igrejas durou duas semanas. Manifestações políticas aconteceram em 1 a cada 4 cultos evangélicos. A Universal deu amostras opostas. No Templo de Salomão, erguido por Edir Macedo como réplica da edificação bíblica, nada de política. Já numa unidade da Lapa o tom eleitoral foi patente.

O pastor comparou a esquerda aos “bodes” e a direita às “ovelhas de Cristo”. Um paralelo com o Evangelho de Mateus, que fala de como, diante da vinda de Cristo, “todas as nações serão reunidas diante dele, que apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas”.

Ele sugeriu “abrir os olhos” de “quem amamos” quanto às intenções de políticos progressistas. Na saída, todos receberam santinhos de candidatos à reeleição da igreja: a deputada estadual Edna Macedo, irmã de Edir, e o deputado federal Marcos Pereira. Os dois são do Republicanos, costela partidária da igreja.

Na Catedral da Fé, sede da Universal no Rio, houve exibição de um vídeo com um homem supostamente possuído, dizendo-se responsável pela decisão que permitiu “homem com homem e mulher com mulher”. O tal espírito afirmava que leis piores “estão por vir”. O bispo disse no púlpito que “eles”, sem especificar quem seriam, estão criando legislações que permitirão que pais namorem filhos de quatro anos de idade.

Mais adiante, instruiu que os fiéis se comprometessem a votar “em quem defende Deus, a família e o evangelho”, sem nomear ninguém. Ainda falaria de candidatos que querem fechar igrejas, uma fake news que o bolsonarismo tenta colar em Lula.

Dos quatro espaços religiosos visitados em Curitiba, só na Universal houve proselitismo político. O pastor reclamou de “fiscais” na igreja, que os acusam de fazer assédio religioso, e pediu bênção a candidatos do Republicanos. No corredor, um obreiro abordou a repórter para passar os números dos nomes apoiados, todos bolsonaristas. Para presidente, foi enfático: “Nem preciso dizer quem irá olhar por nós, né?”.

A defesa de quadros do Republicanos se repetiu na igreja de Macedo em Belo Horizonte. Na ocasião, o pastor contou como havia convencido seu barbeiro a escolher políticos ligados à Universal e orientou fiéis a ajudarem na divulgação desses nomes. Já numa unidade de Salvador, houve uma única referência direta à eleição. “Eu não assisti ao debate [dos presidenciáveis] ontem não, viu? O pau comeu”, disse o pastor.

O culto da Universal acompanhado em Porto Alegre não teve qualquer conteúdo eleitoral, apenas militantes do Republicanos distribuindo, fora do templo, panfletos de candidatos.

O pastor da gaúcha Igreja Batista Central falou de política, mas para dizer que se negou a entrar “em guerra” contra um partido —não citou qual—, como queria um colega.

“Disse que estávamos em guerra contra Satanás, não contra políticos. Que, no meu entendimento, aquele não era o nosso papel. Ele disse que eu poderia pagar caro. Respondi que preferia pagar caro com a Bíblia na mão a não pagar nada e ignorar o que ela nos diz.” Havia pessoas usando a igreja para colocar “fogo no parquinho”, disse o líder, reiterando que todos ali deveriam votar em quem bem entendessem.

Numa Internacional da Graça de Deus em São Paulo, o pastor adotou tom conciliador —”Jamais devemos desejar o mal do nosso próximo por questões políticas”. No fim, pediu apoio ao deputado federal David Soares e ao estadual Daniel Soares, ambos da União Brasil e filhos de R.R. Soares, fundador da igreja.

Na sede paulista da Renascer em Cristo, a pastora pregou sobre a necessidade de o “povo de Deus” estar no governo. Sobre as cadeiras do templo havia panfletos com imagens do casal-fundador, Estevam e Sonia Hernandes, e de Carlos Cezar (PL), pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular e deputado estadual.

A Catedral Baleia é o braço da Assembleia de Deus Madureira em Brasília. Falou-se na Quinta Profética, o culto de quinta-feira, em conversão de autoridades brasileiras, para que o Brasil se torne um país cujos Poderes se rendem a Deus. Em dado momento, o pastor fez uma oração, todos ajoelhados.

“Sabemos que o povo se entristece, Senhor, quando um injusto está no poder”, disse. “Abra os olhos do teu povo, nos ensine a votar com discernimento.” Ele continuou pedindo que o “Poder Judiciário seja justo” e que Deus “aponte o dedo sobre o Legislativo”. Terminou pedindo bênção para presidente e governadores.

Na sede no Rio de sua igreja, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Malafaia disse que “pastor não é dono do voto de ninguém”. Ele só estava ali para “mostrar a verdade”. “A única coisa que faço é dizer: esse aqui pensa assim, esse outro pensa assado. Você quer ficar com quem? Com seus valores ou não? Líder sindical pode influenciar, professor pode influenciar, e eu não? Sou cidadão como qualquer outro.”

Na esquina do templo havia um comitê de campanha do seu irmão Samuel Malafaia (PL), que tenta se reeleger deputado estadual. No culto do dia 30 de agosto da igreja, o bispo Abner Ferreira pediu cuidado com os tempos atuais, em que há “muita gente ouvindo mais o governante do que a Deus”.

Sua igreja é tida, nos bastidores, como pendular —já endossou Lula, migrou para o bolsonarismo e não descartaria uma reaproximação com o petista. “As autoridades são para a gente orar, respeitar e considerar, seja qual for”, pregou Ferreira. “Mas a igreja não depende de governante. Herodes vem, Herodes vai. Não taca a ficha em uma pessoa, não, que você vai bater com a cabeça na parede.”

Folha