Sociólogo diz que ameaças golpistas de Bolsonaro são estratégia
Foto: Reprodução
O presidente Jair Bolsonaro (PL) amenizou o tom dos ataques golpistas no 7 de Setembro deste ano, pelo menos na comparação com o feriado do ano passado. Nem por isso, contudo, deixou de ameaçar o STF (Supremo Tribunal Federal), prometendo enquadrar a corte num eventual próximo mandato.
“A retórica golpista é uma das principais estratégias políticas de Bolsonaro”, diz o sociólogo Arthur Trindade Maranhão Costa, diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“A ameaça de ruptura contra o establishment –oposição, intelectuais, artistas, jornalistas e juízes– é a essência do discurso da direita radical no mundo. O populismo da direita radical é uma espécie de ideologia parasita que ora se apoia no liberalismo, no nacionalismo ou no conservadorismo”, afirma Costa.
Para ele, todos os governos tiveram que conviver com excessos do STF, mas só Bolsonaro explora politicamente essa situação. “É conveniente culpar o Judiciário pelas mazelas e fracassos das políticas governamentais”, diz.
Costa vê com preocupação a retórica agressiva do presidente, sobretudo quando transforma adversários em inimigos políticos. “O acirramento da disputa política é um perigo para segurança pública, especialmente no dia das eleições”, afirma.
Ele considera que não existem condições para um golpe de Estado e que provavelmente haverá manifestações contestando o resultado das eleições caso Bolsonaro perca, mas não aposta em um cenário parecido com o da invasão do Capitólio nos EUA.
Não só porque o efeito surpresa não existe mais, mas porque as Polícias Militares, na sua visão, seguirão as ordens dos governadores. Nesse sentido, a oposição feita pelo governador do Distrito Federal a Bolsonaro foi positiva.
Que avaliação o sr. faz do 7 de Setembro deste ano, considerando que o feriado marcou o Bicentenário da Independência e foi usado para fins político-eleitorais por Bolsonaro? Lamentavelmente, a data foi utilizada para fins eleitorais. Como em 2021, Bolsonaro demonstrou ser capaz de mobilizar um grande contingente de pessoas. Desta vez, foi pragmático e abrandou os ataques ao STF. Isso pode não ser suficiente para ganhar a eleição, mas mostrou que o bolsonarismo seguirá forte em 2023.
Me preocupa o fato de Bolsonaro não ter sido capaz de criar um partido político. O que significa que seus apoiadores mais radicais seguirão desafiando as instituições, mas, desta vez, fora do sistema partidário. Lembro que, nas democracias, os partidos servem para organizar a disputa política de forma a evitar violência.
E como o discurso de Bolsonaro de agora se compara com o de 2021? O discurso contra o STF não mudou. Apenas ficou mais pragmático por causa da proximidade das eleições. Bolsonaro disse que iria enquadrar o STF no próximo mandato.
Bolsonaro tem apostado bastante na tensão com o STF. Quanto desse atrito se deve a eventuais excessos dos próprios ministros e quanto é estratégia do presidente? Sem dúvida, algumas práticas dos ministros do STF –excesso de decisões monocráticas, pedidos de vistas com prazos indeterminados e declarações públicas sobre processos em andamento– têm minado a legitimidade da corte constitucional. Isso não começou agora. Todos os governos da Nova República tiveram que lidar com essa situação.
Mas Bolsonaro foi o único a explorar politicamente esses excessos. É conveniente culpar o Judiciário pelas mazelas e fracassos das políticas governamentais. Note que, apesar das críticas, o presidente não apresentou nenhuma proposta de mudança institucional para mitigar o problema. Ao que parece, Bolsonaro não pretende aperfeiçoar o funcionamento do STF, mas apenas adequá-lo aos seus interesses políticos.
Bolsonaro, quando deputado, notabilizou-se por declarações radicais. Em 2018, essa característica foi usada para sustentar a ideia de um candidato de fora do sistema. Hoje em dia, porém, aliados se mostram preocupados com a agressividade retórica do presidente. O que explica essa transformação? Tenho dúvidas se a preocupação dos aliados do presidente é sinceramente democrática ou apenas uma estratégia eleitoral para reduzir a rejeição do candidato. Alguns aliados procuram reduzir a retórica agressiva a meros rompantes discursivos. Tentam mostrar que o discurso agressivo não afeta as políticas governamentais.
Estão errados. Para citar um exemplo, a adesão às campanhas de vacinação contra paralisia infantil, sarampo, meningite e febre amarela caiu significativamente. E pior, adversários foram transformados em inimigos políticos. O acirramento da disputa política é um perigo para a segurança pública, especialmente no dia das eleições.
Após os manifestos em defesa da democracia, o sr. vê clima para Bolsonaro levar adiante uma manobra golpista, ou de incitar episódios de violência caso perca a eleição? Ao contrário do que aconteceu no passado recente no Peru e na Venezuela, onde os presidentes deram autogolpes, é pouco provável que iniciativas de ruptura institucional tenham sucesso no Brasil. Parte importante da sociedade civil tem se mostrado atenta e mobilizada contra iniciativas autoritárias. O cenário internacional tampouco favorece a adoção de medidas de exceção.
Entretanto, isso não impedirá que aconteça violência em caso de derrota eleitoral. Há risco real de aumento das mortes por intolerância política.
Um cenário parecido com o da invasão do Capitólio, nos EUA, tem sido considerado com preocupação. Se isso acontecer por aqui, dá para ter certeza de que Forças Armadas e polícias atuarão em favor da democracia, não em prol de Bolsonaro? Caso Bolsonaro perca as eleições, provavelmente teremos manifestações contestando o resultado das urnas. Entretanto, acho pouco provável que invasões de prédios públicos –especialmente o STF e o TSE– aconteçam.
O efeito surpresa não existe mais. As autoridades estão atentas ao risco e têm adotado medidas extra de segurança, como bloqueio de acessos, monitoramento de grupos radicais e reforço no policiamento. As Forças Armadas não se meteriam em uma aventura autoritária.
Quanto às Polícias Militares, apesar das dúvidas de alguns analistas, acredito que elas seguirão as ordens dos governadores. Note o que aconteceu no dia 6 de setembro. Bolsonaro cobrou a liberação de caminhões para participar do desfile da Independência, e o governador Ibaneis Rocha, do DF, se opôs. Apesar da grande adesão ao bolsonarismo, a PM-DF seguiu à risca as ordens do governador.
Quanto a naturalização do golpismo favorece Bolsonaro? A retórica golpista é uma das principais estratégias políticas de Bolsonaro. A ameaça de ruptura contra o establishment –oposição, intelectuais, artistas, jornalistas e juízes– é a essência do discurso da direita radical no mundo. O populismo da direita radical é uma espécie de ideologia parasita que ora se apoia no liberalismo, no nacionalismo ou no conservadorismo.
O golpismo é um estilo de governo. O grande apoio popular que Bolsonaro possui se deve menos ao sucesso das suas políticas públicas e mais ao discurso contra o establishment.
A legislação brasileira proíbe as Forças Armadas de participar de atos políticos. Se o 7 de Setembro na prática se transforma em comício, os militares não deveriam ter saído de cena? Na verdade, os militares não deveriam ter entrado em cena. Se aproximaram de Bolsonaro por um misto de voluntarismo e oportunismo por parte de algumas lideranças militares. Acharam que era possível embarcar maciçamente no governo sem colar a imagem das Forças Armadas a ele. Obviamente estavam errados.
Veja o caso do ministro da Defesa. Entre os militares, há uma narrativa de que o cargo de ministro é político e, portanto, não haveria problema em fazer política. Estão errados. Talvez isso fizesse sentido se o ministro fosse civil. Quando o ministro da Defesa é militar, isso não funciona. A sociedade não faz distinção se o general usa farda ou terno.
Efemérides tão significativas como essa costumam ser usadas para reflexões sobre o que fomos ou somos e projeções sobre o que queremos ser. Na sua visão, quais os principais pontos que precisariam estar na agenda crítica de nosso passado e de nosso futuro? Em 1922, os debates sobre o centenário da Independência tratavam da ideia da nação que gostaríamos de construir e da necessidade de superar as estruturas arcaicas herdadas do século 19. Agora, o Bicentenário deveria servir para refletirmos sobre a sociedade profundamente desigual que construímos. Entender a desigualdade, suas causas, consequências e soluções deveria ser o principal tema de debate.