Ala do TSE defende “liberou geral” na campanha
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Quando a campanha eleitoral começou, reinava no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma preocupação com radicalização e o discurso beligerante de candidatos, mas a Corte estava dividida.
Enquanto parte dos ministros sempre acreditou que a atuação do tribunal na moderação do debate político deveria ser “minimalista”, para não coibir a livre circulação de ideias, outra ala considerava que o tribunal deveria ser firme para reprimir fake news e discursos de ódio.
A duas semanas do segundo turno, no entanto, os intervencionistas – entre os quais figura o ministro Alexandre de Moraes – venceram o embate interno.
O tribunal se envolveu em uma série de polêmicas – algumas desnecessárias – e determinou a remoção até de conteúdos jornalísticos.
Essa linha tem recebido críticas de uma série de juristas, para quem a Corte está atuando de forma “descalibrada” sob a alegação de combater a desinformação.
“Existe um princípio da mínima intervenção do direito eleitoral, que o TSE não está seguindo à risca”, aponta a advogada Clarissa Maia, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
“O debate democrático não pode ser tão tutelado. Este controle e crítica tem que ficar pro eleitor”, diz Maia.
Ela é uma das únicas advogadas a falar publicamente sobre o tema, uma vez que muitos colegas têm ações na Corte Eleitoral e fogem de desgastes com os ministros.
Para um desses advogados, a corte se tornou uma espécie de “juiz da verdade”, decidindo o que não corresponde aos fatos e determinando a remoção de vídeos por sua conta.
“Basicamente é um Dops disfarçado de Judiciário”, critica esse interlocutor, que pediu para não ser identificado por acompanhar de perto casos que tramitam na Corte Eleitoral.
“Daqui a pouco, o TSE está decidindo que ninguém pode fazer mais nada”, resume um integrante da própria Corte.
Até o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, barrar a divulgação de vídeos que associam Jair Bolsonaro a pedofilia, no último domingo, aliados do presidente reclamavam que a Corte vinha adotando “dois pesos, duas medidas” na análise de pedidos feitos pelas campanhas do PL e do PT.
Bolsonaristas diziam que o TSE beneficiava Lula, e que os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e o corregedor Benedito Gonçalves frequentemente se uniam para formar maioria contra o candidato do PL nos casos levados para o plenário.
Os números mostram que a campanha de Lula, que adotou uma ofensiva jurídica mais agressiva no TSE, já contabiliza 55 vitórias na arena eleitoral.
Do lado de Bolsonaro, a equipe jurídica não divulga números, mas reconhece que é muito inferior ao obtido pelo petista. Desde o início da campanha, a ala política vem pressionando o time jurídico a atuar de forma mais combativa. Apesar de ter aumentado o numero de ações, a insatisfação permanece.
No mês passado, por 4 votos a 3, o grupo de ministros apontado como “lulistas” por Bolsonaro negou um pedido do presidente para tirar do ar vídeos em que o petista chama o adversário de “genocida”, ao atacar sua a postura no enfrentamento da pandemia.
Vinte e dois dias depois, o TSE mandou retirar do ar um vídeo de Bolsonaro em que Lula é chamado de “ladrão” e “corrupto”. Na peça, a locutora diz que “a maior mentira dessa eleição é dizer que Lula não é ladrão. Votar no Lula é votar em corrupto”.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que mandou remover o material, escreveu em seu despacho que é “de conhecimento geral da população” que as condenações contra o petista no âmbito da Lava Jato foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o ministro, a liberdade de expressão não pode ser usada para praticar crimes “de calúnia, injúria ou difamação ou (fazer imputações) que não observem a garantia constitucional da presunção de inocência”.
A decisão, considerada excessiva por colegas de Sanseverino no tribunal, provocou reação de ministros favoráveis à tal atuação minimalista.
No último domingo (16), ao determinar a remoção de vídeos em que o petista acusa o adversário de ser próximo de “assassinos de aluguel”, “milicianos” e “bandidos”, a ministra Maria Claudia Bucchianeri, da ala mais discreta, justificou:
“Em recentíssima decisão monocrática, (o TSE) deferiu tutela de urgência para determinar a imediata suspensão de propaganda eleitoral, no horário gratuito na televisão, que imputava ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva a pecha de “ladrão” e “corrupto”, observou a ministra.
“Se é assim, também não se pode imputar ao outro candidato a pecha de ser ligado a ‘milicianos’ e ‘assassinos de aluguel’, sem falar na igual imputação de participação em crime de violência e de corrupção”, concluiu Buchianeri.
Entre as decisões favoráveis a Lula já tomadas pela corte estão a remoção de postagens de Bolsonaro que associavam o PT ao PCC.
Os posts foram baseados em reportagens da Veja, do Estadão e da TV Record em 2019, mencionando uma conversa foi interceptada pela Polícia Federal em que um preso de uma penitenciária de segurança máxima diz que a facção tinha um “diálogo cabuloso” com o PT.
Relatora do caso, Bucchianeri deu uma liminar por manter as peças de Bolsonaro no ar, mas foi derrotada quando o tema chegou ao plenário. Por 6 a 1, o TSE derrubou a decisão e determinou a remoção do material.
O TSE determinou ainda a remoção de uma nota publicada pelo site O Antagonista em que o chefe do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, afirma que “Bolsonaro é parceiro da política, da milícia. Cara é sem futuro. O Lula também é sem futuro, só que entre os dois, não dá nem para comparar um com o outro”.
O áudio é real, mas o título da nota do Antagonista informava que Marcola havia declarado voto em Lula. Para Moraes, embora o líder do PCC tenha comparado os candidatos, “não existe declaração de voto, fato constante no próprio título da notícia”.
Para o presidente do TSE, o título trazia “fato sabidamente inverídico, com grave descontextualização”.
Outro conteúdo jornalístico removido foi uma entrevista da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) à Jovem Pan, associando o PT ao assassinato do prefeito Celso Daniel.
Além de barrar o vídeo do “pintou um clima” com meninas venezuelanas, o atual ocupante do Planalto conseguiu derrubar a veiculação de uma inserção do PT que o associava à prática de canibalismo, usando declarações do próprio Bolsonaro em entrevista ao jornal americano The New York Times, em 2016.
Por unanimidade, o tribunal concluiu que a entrevista foi retirada de contexto, ferindo a honra do chefe do Executivo.
Em outra decisão de ampla repercussão, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, atendeu no último sábado (15) a um pedido da campanha de Lula e abriu uma ação contra a Jovem Pan por “tratamento privilegiado” a Jair Bolsonaro nesta campanha.
O PT nega censura, mas um ministro do TSE ouvido reservadamente pela equipe da coluna acredita que o precedente pode se voltar contra outros veículos da imprensa, que poderiam ser alvos de novas ações judiciais por supostamente fazerem uma cobertura mais pró-Lula.