
Bolsonaro garimpa votos no Nordeste
Foto: Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem apelado à capilaridade dos prefeitos para melhorar seu desempenho no Nordeste, onde alcançou 26,8% dos votos no primeiro turno, menos do que os 67% obtidos pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. Como o próprio chefe do Executivo disse durante o evento no Palácio da Alvorada, a tropa de aliados foi encarregada de virar votos “na ponta da linha”. Como trunfo para concluir a missão, eles têm enfatizado que o candidato à reeleição é o pai do Auxílio Brasil, principal política de transferência de renda do país.
O maior desafio dessa empreitada é dissociar a imagem do atual programa do finado Bolsa Família, criado durante o governo Lula e que deu origem ao Auxílio Brasil. Trata-se de uma estratégia com público alvo claro. Os nove estados do Nordeste abrigam quase metade dos brasileiros agraciados pelo benefício, 46,1%. Além disso, as prefeituras são responsáveis por fazer a triagem e o cadastro do Auxílio e, portanto, têm o controle de quem e quantos recebem o complemento financeiro em cada localidade.
— A todos vocês, prefeitos. Preciso de vocês, porque sei que na ponta da linha é vocês que decidem, que têm crédito junto à população — disse Bolsonaro diante de uma plateia de cerca de duzentos prefeitos de diferentes regiões do país, nesta quarta-feira. Além desta reunião, o presidente já teve pelo menos outros quatro encontros com chefes de Executivos municipais.
Nas palavras do presidente, na reta final do segundo turno, a tropa deve deixar de lado o “zap” e trabalhar “pessoalmente” em cima dos “mais humildes”. Recebidos com pompa no Palácio da Alvorada, os prefeitos saíram de lá com a “missão dada”.
— É fazer esclarecimento à população, dizer a importância de Bolsonaro para o nosso município. Sabemos muito bem que a população ainda está atrelada ao Bolsa Família, que na época era R$ 90 e agora é R$ 600. Então, o que justifica o Lula estar na frente do Bolsonaro? É isso que temos que passar à população. É um trabalho de formiguinha — disse o prefeito Marcos Antônio Cabral (PL), de Vera Cruz, no interior do Rio Grande do Norte.
— O plano é se engajar como se estivéssemos em uma eleição municipal — acrescentou o prefeito Fabiano Baldessar (MDB), de Otacílio Costa, no interior de Santa Catarina.
O recrutamento dos chefes de Executivo municipais tem sido capitaneado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), e o ex-ministro João Roma (PL), que comandava a pasta da Cidadania na época em que Auxílio Brasil passou a substituir o Bolsa Família.
— No segundo turno, muda a dinâmica. Os prefeitos, que antes preferiam não se posicionar para não prejudicar seus candidatos a deputado, começam a vestir a camisa. A nossa narrativa tem dificuldade de chegar na região (Nordeste), principalmente entre os mais necessitados, porque o PT já tem uma estrutura instalada ali — diz Roma.
No último sábado, dezenas de prefeitos do Piauí ligados a Ciro Nogueira tiveram acesso vip ao palco em que estava Bolsonaro durante um comício, em Teresina. A maioria deles havia sido convocada pelo ministro. Na ocasião, o presidente disse que o antigo Bolsa Família tinha uma “importância insignificante”.
Um dos presentes no evento era o chefe do Executivo de da cidade de Curimatá, Valdecir Júnior (PP), que havia viajado 750 quilômetros de carro para participar do ato. Ele contou ao GLOBO que estava empenhado em “conscientizar” a população local de como o Auxílio “paga bem mais” do que o Bolsa Família.
— Estou indo às casas das pessoas e conversado com comerciantes para mostrar como isso tem movimentado a economia da cidade. Precisamos explorar melhor o Auxílio Brasil, contar os exemplos, pegar o depoimento das pessoas — disse ele. Nas suas redes sociais, o prefeito do PP ainda lembrava aos moradores de Curimatá que o Bolsa Família, “do PT”, pagava menos do que o Auxílio.
Valdecir Júnior foi um dos 38 prefeitos cujas cidades receberam tratores comprados com verba da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal federal, e entregues por Ciro Nogueira, no mês passado.
Apesar da goleada de votos sofrida no primeiro turno, Bolsonaro viu o trabalho de formiguinha de alguns prefeitos aliados surtir efeito. Uma das poucas cidades nordestinas que deu vitória a Bolsonaro foi a São Pedro dos Crentes, no Maranhão, que tem como mandatário Rômulo Arruda (União), que se autointitula “bolsonariano”. Lá, o presidente obteve 58,6% dos votos válidos, contra 37,4% de Lula.
— Esse resultado se deu porque somos bolsonarianos, e a maioria da população é evangélica. Galgamos o voto indo de casa em casa. Rede social não dá voto. E, sim, falar: ‘rapaz, vote em Bolsonaro por mim’ — disse ele, logo após participar do encontro com o presidente no Alvorada.
Um dos exemplos do resultado favorável da ação “mano a mano” é o do vendedor de frutas Alessandro de Almeida, de 24 anos, que trabalha ao lado do QG de Bolsonaro em Salvador, situado no Nordeste de Amaralina, um dos bairros mais pobres da capital baiana.
Após passar as últimas semanas recebendo material de campanha do PL, ele abandonou o passado de apoio aos candidatos do PT e votou no presidente no primeiro turno. A mudança passa pelo Auxílio Brasil:
— O Bolsonaro já pegou o país ‘lenhado’. Minha mulher agora recebe o Auxílio, R$ 600 até o fim do ano. Acho que depois volta para R$ 400, mas já é mais do que era o Bolsa Família, né? A gente sempre votou no PT, mas o PT roubou muito. E todos esses problemas não são culpa do Bolsonaro — explicou ele.
Apesar da opção por Bolsonaro, Almeida dá a medida das dificuldades que o presidente vai enfrentar na Bahia:
— Da minha família inteira, que tem umas 200 pessoas, só eu e minha mulher vamos de Bolsonaro.
A percepção é sentida pelas ruas de Salvador. Beneficiário dos R$ 600 mensais, o borracheiro Valmir Leite, 40 anos, diz que “lascou o dedo no 13 de ponta a ponta” no primeiro turno e pretende fazer o mesmo na segunda etapa. Sobre o Auxílio, críticas:
— Isso é esmola. O que a gente precisa mesmo é de emprego e comida barata. Eu gosto é de comer bem. Miséria por miséria, eu prefiro ficar com o PT. No tempo do Lula tinha mais alívio pra gente, que é ‘peão de oreia seca’ — diz ele, morador do Nordeste de Amaralina.
Valmir trabalha trocando pneus ao lado do comitê do candidato derrotado a deputado federal Alexandre Aleluia (PL), que era um dos únicos no estado com o slogan “Sou da Bahia e voto Bolsonaro”. À beira da praia de Amaralina, a sala comercial hoje está abandonada com marca de pedradas nas vidraças que levam o adesivo de Bolsonaro. — Ele não é muito bem visto aqui — comenta o borracheiro.