Bolsonaro pensou em desistir do debate da Band
Foto: AFP
O nível de nervosismo a que chegou a campanha de Jair Bolsonaro em razão do episódio do “pintou um clima” fez com que auxiliares do presidente tentassem rever as regras do debate na Band em pleno sábado (14), véspera do evento.
A iniciativa quase provocou uma crise com o pool de veículos de imprensa que promoveu o confronto, uma vez que as regras haviam sido negociadas por semanas e as duas campanhas concordaram.
Rachou, também, a própria campanha de Bolsonaro, que vive uma divisão permanente entre a ala ideológica e a política.
Até a comunicação da campanha de Lula foi consultada sobre a possibilidade de mudar as regras, mas aliados do petista me disseram ter se recusado a aceitar qualquer alteração.
A movimentação da assessoria do presidente começou ainda no início da tarde de sábado, após a divulgação do vídeo com trecho da entrevista em que o presidente da República diz, num podcast, que “pintou um clima” com adolescentes venezuelanas de uma comunidade nos arredores de Brasília.
Aflitos, o coordenador de comunicação da campanha, Fabio Wajngarten, e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, passaram a pressionar os organizadores do debate para rever as regras.
Diziam que o presidente nunca tinha concordado com a livre movimentação dos candidatos pelo palco e nem com o tempo total de 15 minutos livre para as perguntas, acordado entre as assessorias dos dois candidatos na sexta-feira, em uma reunião virtual.
Nas conversas de bastidores, os dois Fábios, além do marqueteiro Duda Lima, diziam que Bolsonaro não tinha desenvoltura para esse formato de confronto – ao contrário de Lula, acostumado a falar andando em comícios e com mais experiência de câmera.
Como informamos no próprio sábado, a possibilidade de que Lula dominasse o palco do programa e a forma como o tema das meninas venezuelanas seria tratado pelo petista eram as maiores preocupações da campanha bolsonarista.
No auge da pressão, chegaram a afirmar que, se as regras não mudassem, o presidente não iria ao debate. Mas nem todo o entorno do presidente concordava com a avaliação dos Fábios e de Duda Lima.
Os filhos de Bolsonaro, o senador Flávio e o vereador Carlos, achavam que o pai tinha que partir para o enfrentamento e que ele não deveria nem contestar as regras e nem faltar ao confronto com Lula.
No vídeo que viralizou, , além de afirmar que “pintou um clima” com as venezuelanas, o presidente diz ainda que as meninas estavam “arrumadas para ganhar a vida”.
A divulgação dos cortes pela campanha e por aliados de Lula provocou uma avalanche de comentários negativos nas redes sociais, muitas vezes acompanhado de uma hashtag associando Bolsonaro à pedofilia, furando bolha antibolsonarista e causando o pior momento deste segundo turno para Bolsonaro.
Primeiro porque as refugiadas venezuelanas na verdade estavam participando de um curso de estética, maquiagem e corte de cabelo promovido pelas lideranças comunitárias locais. E depois porque foi sua própria campanha, por intermédio da ex-ministra e senadora Damares Alves, quem trouxe o tema da pedofilia para a campanha.
Num culto, em Goiás, ela disse ter tomado conhecimento de um esquema de exploração sexual que tirava os dentes de meninos e meninas para facilitar o sexo oral. Ao final do discurso, perguntava: “Nós vamos entregar essa nação?” Nenhuma autoridade competente para investigar casos do tipo jamais recebeu denúncias de Damares sobre o assunto.
Desnorteado, o presidente da República se viu obrigado a fazer uma live na madrugada de domingo só para se explicar.
Sua campanha ainda pagou anúncios em redes sociais dizendo que o presidente não é pedófilo e destacou a primeira-dama, Michelle, para tentar um encontro com as refugiadas ainda no sábado. Nada disso surtiu efeito.
Só no final da tarde de domingo, pouco antes do debate, o ministro Alexandre de Moraes determinou a retirada dos vídeos das redes sociais de Lula, alegando que eles disseminaram fake news.
A decisão de Moraes deixou Bolsonaro aliviado e mais confiante, a ponto de ele tomar a iniciativa de citá-la assim que teve chance, numa resposta à pergunta da jornalista Patrícia Campos Mello sobre fake news.
Depois disso, Lula citou o episódio apenas indiretamente, ao mencionar que Bolsonaro teve que fazer uma live na madrugada para tentar consertar o estrago.
Ao GLOBO, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, admitiu que o ex-presidente desistiu de falar diretamente do caso depois da decisão de Moraes.