Bolsonaro usa estatal para comprar votos

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Foto: Jair Molina Jr

A Codevasf, estatal turbinada por Jair Bolsonaro (PL) em troca de apoio político, acelerou no período eleitoral as entregas de máquinas, veículos e produtos a redutos de padrinhos de emendas parlamentares, liberando verbas em um ritmo de R$ 100 mil por hora.

O valor recorde inclui a distribuição de mais de 100 mil itens avaliados em R$ 247 milhões, desde julho, quando tem início uma série de restrições da legislação eleitoral.

Na semana passada, nas ruas centrais de Mossoró (RN), uma carreata com veículos ganhos da estatal chegou a ser realizada com participação do prefeito do município, Alysson Bezerra (Solidariedade).

No fim de setembro, na zona rural de Juazeiro (BA), houve a instalação de cisternas pela estatal em casas marcadas com adesivos de campanha do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado do presidente da República.

A escalada na entrega de bens na eleição fecha um ciclo na administração de Bolsonaro pelo qual a Codevasf mudou sua vocação histórica de fazer projetos de irrigação no semiárido para se tornar uma grande distribuidora de produtos e executora de obras de pavimentação.

A guinada ocorreu com a injeção de centenas de milhões de reais em emendas parlamentares, principalmente as de relator. Para facilitar o escoamento dos valores, a Codevasf chegou a criar um catálogo de bens para políticos escolherem como agradar seus redutos e indicarem à estatal onde, quando e como gastar.

O roteiro acontece também após brecha aberta por lei e manobras na documentação das distribuições para driblar a legislação que impede as entregas pelo governo em ano eleitoral. Essas medidas, porém, podem ser declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em razão de uma ação protocolada pela Rede em 2021.

Os dados das liberações deste ano foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

Segundo números da Codevasf, as distribuições de 2022 já bateram um recorde histórico, se analisadas proporcionalmente, com um total de R$ 529 milhões até as eleições e outros R$ 18 milhões nos primeiros dez dias de outubro, totalizando 251 mil itens.

Os dados mostram clara aceleração no período eleitoral. Em janeiro, foram R$ 28 milhões em doações e, em julho, elas chegaram a R$ 90 milhões. No mês que antecedeu a eleição, o total foi de R$ 83 milhões.

As entregas geralmente envolvem propaganda por parte das prefeituras e entidades atendidas, com direito a foto dos equipamentos e agradecimento ao padrinho político da emenda.

O item que mobilizou mais gastos foi o chamado kit agrícola, que inclui trator, carreta, plantadeira e grades. Neste ano, foram R$ 73 milhões gastos com esse tipo de material.

Em seguida vêm as motoniveladoras (R$ 70 milhões), caminhões de lixo (R$ 59 milhões), pá-carregadeiras (R$ 44 milhões) e caminhões-pipa (R$ 35 milhões).

As cidades que mais receberam doações são redutos eleitorais de parlamentares do centrão e aliados do presidente Bolsonaro.

No top 10 de municípios beneficiados, três estão no Rio Grande do Norte (Mossoró, Caicó e Assu), estado do ex-ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho (PL). O bolsonarista, que há quatro anos ficou como suplente para deputado federal, foi eleito senador pelo estado no começo deste mês.

E foi na cidade de Mossoró, a terceira do país que mais recebeu doações da Codevasf em 2022, que o uso político das liberações foi explicitado na última quinta-feira (20).

Um desfile com cinco caminhões-pipa, quatro caminhões basculantes e dois caminhões com carroceria de madeira entregues pela estatal percorreu as ruas centrais da cidade fazendo um buzinaço.

No mesmo dia, o prefeito de Mossoró, Alysson Bezerra, gravou um vídeo veiculado em redes sociais para agradecer ao ex-ministro e ao presidente pelo envio dos equipamentos.

Bezerra é um dos citados em investigações da Justiça Eleitoral contra Marinho sob suspeita de abuso de poder político e econômico, nas quais há relatos de que prefeitos passaram a apoiá-lo após repasses da Codevasf e do ministério que ele comandava.

O material traz também áudios de políticos que revelam pressão sobre funcionários públicos para favorecer o ex-ministro e Bolsonaro.

O segundo colocado na disputa ao Senado contra Marinho, Carlos Eduardo (PDT), foi o autor dos pedidos de investigação.

De acordo o levantamento do adversário, 110 prefeitos que apoiaram Marinho receberam repasses do governo federal que totalizaram R$ 482 milhões.

Antes de receber os recursos federais, o prefeito de Mossoró chegou a dizer à imprensa estar inclinado a apoiar o ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao Senado. Em entrevista, ele afirmou que esperava mais de Marinho, além de repasses a outros municípios.

Foi também nesse município que um pátio inteiro com dezenas de caminhões, tratores e máquinas que era usado pela Codevasf foi esvaziado no mês que antecedeu as eleições, como a Folha revelou.

“Nosso apoio à candidatura de Rogério Marinho ao Senado foi um apoio de reconhecimento ao trabalho que Rogério fez nesses últimos anos no ministério”, afirmou Allyson, em nota.

Em Juazeiro (BA), a estatal doou e instalou cisternas às vésperas da eleição em residências marcadas com adesivos de propaganda de um deputado federal aliado do presidente Bolsonaro.

As casas continham material de campanha com o nome de Elmar Nascimento, líder da União Brasil na Câmara dos Deputados, que acabou sendo reeleito com a segunda maior votação na Bahia.

Elmar indicou o atual presidente nacional da Codevasf e o superintendente regional da estatal na Bahia.

Questionada, a Codevasf afirmou que as transferências de bens em 2022 ocorreram em conformidade com a legislação. “Doações servem ao interesse social e ocorrem continuamente no contexto de projetos e ações de desenvolvimento regional integrado e sustentável”, afirma a estatal, em nota.

Rogério Marinho, por sua vez, refutas as acusações contidas nas investigações eleitorais e disse que em uma das ações já se mostrou “a proporcionalidade dos recursos enviados não somente aos municípios do Rio Grande do Norte, mas também a estados da região Nordeste com população correlata”.

“Discursos de aliados políticos, simpatizantes ou pessoas afeitas à candidatura do senador eleito e que por acaso tenham passado dos limites da lei, não tiveram autorização ou anuência do então candidato”, diz a nota.

Folha