Brasileiros elegem muitos policiais e pouquíssimos professores
Foto: Marcos Correa/PR
Cresceu o número de policiais e militares da chamada bancada da Segurança Pública na Câmara dos Deputados. O número de parlamentares saltou de 28 na atual legislatura para 38 a partir do ano que vem, o que representa um aumento de 35%. Apesar de maiores em quantidade, a ligação de parlamentares do setor à agenda do presidente Jair Bolsonaro (PL) faz com que temas caros à corporação fiquem em segundo plano. Entre os eleitos, estão os policiais “influencers” e até quadros que já foram demitidos pelo Conselho da Polícia Civil.
O levantamento, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base em dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que a esmagadora maioria dos parlamentares é de partidos de direita. Eles representam 37 dos 38 deputados. Somente uma parlamentar, Delegada Adriana Accorsi (PT-GO), foge da regra. Mais da metade dos quadros são de policiais civis e militares, que, juntos, representam 28 dos eleitos. Quatro policiais federais, cinco membros das Forças Armadas e um bombeiro completam a lista.
A maior concentração está em São Paulo, principal colégio eleitoral do País, onde sete deputados foram eleitos, sendo cinco delegados e dois oficiais. Minas Gerais e Rio de Janeiro, com três deputados cada, completam a lista dos Estados que mais elegeram representantes do setor.
Segundo Renato Sérgio de Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apesar do maior número de policiais na Câmara, as pautas apresentadas pelos eleitos fogem das demandas do setor, que foram substituídas por temas caros ao bolsonarismo. “Isso acabou reduzindo a bancada da Segurança Pública strictus sensus”, afirmou.
Nesse contexto, nomes de força em pautas corporativistas tiveram dificuldade de angariar apoio nas eleições deste ano. Um exemplo é o deputado Subtentente Gonzaga (PSD-MG), que, após quatro mandatos seguidos na Casa, não conseguiu se reeleger esse ano. “Candidatos que não professaram sua fé irrestrita na liderança e na pauta de Jair Bolsonaro foram sendo ejetados. A segurança pública ficou circunscrita a temas externos aos problemas das corporações”, explicou Lima no estudo.
Eleitos incluem demitidos da polícia
Em São Paulo, dois dos cinco delegados eleitos estão, na verdade, afastados da Polícia Civil. Paulo Bilynskyj (PL-SP) foi demitido da corporação em julho, após publicar um vídeo que faria apologia aos crimes de estupro e racismo. Já Carlos Alberto da Cunha (PP-SP) foi demitido no final de agosto, por causa de críticas a integrantes da cúpula da Instituição. O deputado eleito já havia sido alvo de processo de demissão anterior, ao ser acusado de forjar a prisão do chefe de uma facção criminosa e postar em suas redes sociais.
Os dois delegados foram demitidos pelo Conselho da Polícia Civil de São Paulo, órgão colegiado que dirige a instituição. A decisão precisa ser homologada pelo governador do Estado para que ambos se tornem ex-policiais civis.
Além disso, os 38 eleitos também incluem nomes de ex-comandantes, que, apesar de não terem mais ligação com a corporação, ainda usam o título policial para conquistar apoio entre os eleitores. É o caso de Coronel Ulysses (PM-AC), que pediu demissão da Polícia Militar em 2016, em meio a uma onda de execuções em Rio Branco (AC).
Enquanto isso, um dos policiais federais eleitos é Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência e indicado por Bolsonaro para comandar a PF em 2020, em meio às acusações do ex-ministro da Justiça e senador eleito Sergio Moro (União-PR). O ex-ministro acusava o presidente de interferência no órgão para evitar investigações de seus familiares. Ramagem teve a indicação suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Grande parte dos eleitos são os chamados policiais “influencers”, que divulgam vídeos da atividade policial nas redes sociais, ganhando fama e conquistando eleitores. Capitão Alberto Neto (PL-AM) é um exemplo. Ele foi eleito deputado federal em 2018, após o sucesso de suas publicações nas redes, nas quais mostrava sua participação nas operações. “Eu tinha um grande trabalho aqui na Segurança Pública, era conhecido aqui na cidade como Capitão Alberto Neto. Nas redes sociais, eu fazia operações, era a maior aqui do Estado, tinha milhares de seguidores”, afirmou o deputado, reeleito no último domingo.
“Muitos desses candidatos surgem dessa onda de influenciadores digitais, de youtubers. Tem alguns candidatos que criam seus canais, filmam operações policiais, filmam que prenderam bandidos e se impulsionam através disso”, declarou Caio Marcondes Barbosa, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). “Muitas vezes a atuação parlamentar fica em segundo plano e o que tem evidência é o barulho que ele faz”, completou.
O fenômeno é reconhecido entre os próprios candidatos, disse Delegado Palumbo (MDB-SP), vereador da cidade de São Paulo, eleito para a Câmara. “Acho que o político tem de sair um pouco do gabinete, olhar para a população e parar com essa briguinha de rede social”, afirmou, ao mencionar o número cada vez maior de representantes do setor que publicam vídeos de ataque a outros políticos e pautas de oposição nas redes sociais.