Campanha nas redes vira esgoto a céu aberto
Foto: Fábio Vieira/Metrópoles
Enquanto os candidatos que disputam o 2º turno da eleição presidencial apostam em uma campanha institucional e clássica, celebrando apoios de políticos tradicionais, seus militantes estão, cada vez mais, quebrando o pau nas redes sociais e aplicativos de mensagens, sem se importarem em jogar sujo para atacar os adversários.
O afunilamento da corrida eleitoral está mostrando que os apoiadores do petista Luiz Inácio Lula da Silva, após anos reclamando das táticas dos adversários bolsonaristas, que acusavam de desleais, resolveram usar armas parecidas com as deles: descontextualização de informações e mesmo montagens ou notícias falsas, com o objetivo declarado de viralizar na internet.
Essa “paridade de armas” que começa a ser defendida por um número crescente de militantes petistas é, em grande parte, estimulada por um novo aliado de Lula com bastante habilidade de mobilização na internet: o deputado federal reeleito André Janones (Avante-MG). Ele já até foi punido pela Justiça Eleitoral na campanha de 1º turno por ter divulgado uma notícia falsa sobre o PL, partido de Bolsonaro.
“Mamadeira de piroca se combate com outra mamadeira de piroca”, escreveu ele, na época, referindo-se a uma famosa notícia falsa produzida pelas milícias digitais bolsonaristas, que viralizou na eleição de 2018. E cada vez mais petistas parecem concordar com Janones.
Para o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria Parlamentar, os militantes de esquerda cansaram de correr atrás dos adversários no terreno digital. “Não só o PT, mas toda a esquerda sempre operou mal na internet. Agora, parte da militância petista resolveu usar as mesmas armas que os bolsonaristas popularizaram”, avalia ele, que vê nesse tipo de campanha mais um sinal de enfraquecimento da democracia brasileira.
“Se os termos agora são esses, perdemos todos enquanto sociedade”, afirma o especialista, que prevê um agravamento do cenário ao longo das três semanas que faltam para o 2º turno, marcado para 30 de outubro. “Chegamos a um ponto em que os dois lados querem briga. Então, vira uma espécie de ‘briga de rua’ nas redes, que acaba transbordando e indo mesmo para as ruas, para as casas. Isso mina a nossa democracia”, completa Cesar.
Como o Metrópoles mostrou no início da semana, as militâncias digitais de Lula e Bolsonaro já começaram a campanha de 2º turno tentando colar no adversário o carimbo de satanista. Do lado bolsonarista, está sendo usado o vídeo de um suposto influencer satanista mostrando apoio a Lula. Do lado petista, o vídeo da visita de Bolsonaro a uma loja maçônica na campanha da eleição passada virou o combustível para desgastar o presidente com o eleitorado mais religioso.
Nessa troca de ataques, mesmo o que é verdade (a visita de Bolsonaro ao templo da maçonaria) passa por manipulações para parecer mais prejudicial. Com isso, agências de checagem que gastaram energia nos últimos anos quase que exclusivamente para desmentir Bolsonaro e seus aliados tiveram de agir para defendê-lo, mostrando que a imagem do ídolo pagão Baphomet na imagem da visita do presidente é uma montagem.
Após surfar na história do satanismo, a militância petista nas redes ampliou, de terça para quarta-feira (5/10), a pauta do terror moral e religioso e viralizou uma entrevista de Bolsonaro ao The New York Times na qual ele afirma só não ter tomado parte num ritual de canibalismo indígena por não ter encontrado companhia entre seus companheiros de viagem. Com isso, termos como “canibalismo” e “carne humana” ficaram entre os assuntos mais comentados nas redes sociais durante todo o dia, associados ao nome de Bolsonaro.
Bolsonaro não comeu CARNE HUMANA porque não quiseram ir com ele. E não fez sexo com mulher faminta no Haiti por falta de higiene e porque “não precisou”. Isso dito ao New York Times. (Íntegra da entrevista no canal oficial do presidente. Link abaixo) pic.twitter.com/0mm5mR7VPi
— Maurício Ricardo (@MauricioRicardo) October 5, 2022
Nas redes bolsonaristas, o contra-ataque também está sendo no campo do terror moral e religioso. Em grupos que a reportagem acompanha, estão circulando postagens associando a esposa de Lula, Janja, a religiões de matriz africana; um vídeo antigo, editado e montado, no qual Lula diz que fechará igrejas; e notícias não confirmadas de que o MST estaria retomando invasões de terra pelo país.
Outro foco de atuação dos aliados do presidente, porém, com menos força do que há algumas semanas, é questionar o resultado das urnas alegando fraude. O próprio Bolsonaro, todavia, abandonou, por ora, o discurso contra as urnas eletrônicas, o que também tira parte do ânimo de seus apoiadores radicais.
Apesar de os bolsonaristas seguirem usando táticas parecidas, influencers do campo do presidente estão mostrando grande incômodo com a reação dos adversários, como mostra essa postagem do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e coordenador de sua estratégia digital.
As fakenews das mais absurdas comendo solta, com mais intensidade do que nunca e as plataformas e “fiscalizadores da democracia e da lisura do processo eleitoral” parece que não enxergaram, né!? Muito curioso!
— Carlos Bolsonaro 2️⃣2️⃣ (@CarlosBolsonaro) October 4, 2022