Cidades vítimas de desmatamento votam Bolsonaro
Foto: MICHAEL DANTAS/AFP
A sobreposição do mapa de apuração do primeiro turno da disputa para a Presidência com as manchas de desmatamento na Amazônia mostra que Jair Bolsonaro (PL) abriu vantagem sobre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) onde o arco da destruição é mais flagrante. Na Amazônia Legal, o candidato à reeleição venceu, por exemplo, em 265 municípios que, juntos, concentram 70% das áreas desflorestadas nas últimas três décadas, segundo revela um cruzamento feito a pedido do GLOBO pelo MapBiomas, rede formada por universidades, ONGs e empresas de tecnologia.
O mesmo levantamento revela que o petista, por sua vez, liderou a corrida nos demais 499 municípios da região, onde estão 30% das áreas desmatadas. Para o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, há conexão direta entre o resultado da votação e o discurso e a prática do governo Bolsonaro de redução da fiscalização e da punição ao desmatamento ilegal.
— Quando o governo federal reduz ou cancela multas, dá o sinal da impunidade. E, para essa região onde está reinando a ilegalidade, a impunidade é vista como um benefício — conclui Azevedo. — Principalmente no período entre 2004 e 2012, a sinalização do governo era no sentido contrário, de que, se desmatar, não se consegue ter posse da área. Para quem ocupa a terra de forma predatória, há um entendimento equivocado de que o bom é ter no governo quem deixa o desmatamento rolar solto. Mas isso tem impacto: diminui a floresta e as chuvas, e, no futuro, afeta todos nós. Há uma avaliação individualista a curto prazo.
A análise do MapBiomas aponta ainda que, onde Bolsonaro venceu, a perda média de vegetação nativa foi de 19,9% da área municipal nos últimos 35 anos, contra 6,3% nas regiões em que Lula terminou em primeiro lugar.
Ainda nesse cenário, se considerados os dez municípios que tiveram maior incremento do desmatamento em 2021, de acordo com o portal TerraBrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Bolsonaro suplantou Lula em oito deles. No campeão de floresta derrubada no ano passado, Altamira, no Pará, com perda de 765,53 quilômetros quadrados, o presidente terminou com 57,77% dos votos, contra 36,9% de Lula.
Aliás, o Pará, onde no cômputo geral Lula venceu, a votação mostrou um estado dividido nas urnas, com as porções sudeste e sudoeste, onde os riscos à Amazônia avançam, revelando-se mais bolsonaristas que as demais, ao norte. É onde ficam, além de Altamira, outros municípios campeões de desmatamento em 2021 e com vitória de Bolsonaro no último domingo, como São Félix do Xingu, Itaituba, Pacajá e Novo Progresso. Esse último município é o quinto com mais aumento do desmatamento da Amazônia no ano passado, e onde o atual presidente teve 79,6% dos votos válidos, contra 17,57% de Lula. Das cinco cidades mais bolsonaristas do Brasil, Novo Progresso é a única que não está na região Sul do país.
No vizinho Amazonas, além da capital Manaus, Bolsonaro só ficou à frente de Lula em três municípios. No mais desmatado do estado, Lábrea, deu Lula (63,84%). Mas no segundo com maior incremento do desflorestamento em 2021, Apuí, considerado um polo da nova fronteira de destruição da floresta no sul do estado, a liderança coube a Bolsonaro, com 58,94% dos votos.
Já no Mato Grosso, o município de Colniza abarca trechos críticos da região do arco do desmatamento, onde grandes áreas de plantações de soja, algodão e pasto avançam sobre a floresta. Ali, Bolsonaro obteve a maioria dos votos: 71%.
Em toda a Amazônia, se o olhar for para onde ocorrem mais queimadas, o atual presidente também sai em vantagem. Das dez cidades com mais focos de incêndios florestais acumulados nos últimos cinco anos, segundo dados do Inpe, sete registraram mais votos em Bolsonaro. Em São Félix do Xingu (PA), por exemplo, os focos de queimadas aumentaram 346% entre 2018 e 2022. Lá, Jair Bolsonaro obteve 63% dos votos, enquanto Lula conquistou 32%. Além de estar na lista dos mais desmatados, o município encabeça a relação dos locais onde foram registradas mais queimadas nos últimos cinco anos.
O presidente venceu ainda nos cinco municípios com mais atividade garimpeira. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) identificou que as três cidades que produzem mais ouro ilegal no Brasil ficam no Pará: Itaituba, Cumaru do Norte e Novo Progresso. Além da vitória acachapante de Bolsonaro em Novo Progresso, em Itaituba ele obteve 57,8% dos votos válidos e, em Cumaru do Norte, 59,9%.
Segundo o estudo, esses três municípios respondem por 98% das 10,5 toneladas de ouro ilegal retirado da região entre janeiro de 2021 e julho de 2022. Conhecida como a Cidade Pepita, Itaituba, a cerca de 400 quilômetros de Novo Progresso, é parcialmente movida pelos garimpos de ouro localizados às margens da Bacia do Tapajós. Alvo constante de operações da Polícia Federal, o município costuma assistir a ocorrências de exploração ilegal de minérios e lavagem de dinheiro.
Em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Pará, Helder Barbalho, anunciaram a pavimentação da BR-163 entre Itaituba e Novo Progresso. O trecho da rodovia leva à estrada conhecida como Transgarimpeira, que permite o deslocamento a diversos garimpos da região.
De forma geral, a região do novo arco do desmatamento, formada por municípios do Acre, Roraima, Mato Grosso, Pará e Amazonas, entregou mais votos ao candidato do PL em termos proporcionais do que as regiões Sul e Sudeste — o que mostra que, apesar de destrutivo, o discurso antiambiental do presidente rende muito mais apoio da população local do que a agenda verde.
— As regiões sul, sudeste e sudoeste do Pará, áreas minerárias e de desmatamento, são mais bolsonaristas. Muito parecido com o Centro-Oeste. Essa área votou maciçamente em Bolsonaro porque ele representa os interesses da economia e dos trabalhadores da região. Esses eleitores têm muito receio que a proteção ao meio ambiente, às florestas e aos indígenas signifique para eles prejuízo econômico, desemprego — afirma o professor Edir Veiga, cientista político da Universidade Federal do Pará (UFPA).
De acordo com Veiga, o desmantelamento de órgãos de proteção ao meio ambiente, como o Ibama e o ICMBio, além da diminuição de ações de fiscalização que queimavam máquinas usadas no desmatamento e no garimpo, são instrumentos que, segundo o cientista, fazem com que os setores empresariais ilegais da região e a população que vive no entorno votem no presidente Bolsonaro.
— A política do governo de tratar os indígenas como emancipados e suas terras como se fossem para ser exploradas configura um comportamento que vai de encontro a qualquer governo que se proponha a fazer a defesa da Amazônia. Esses eleitores consideram essas terras protegidas improdutivas, e acham isso errado. Faltaram a eles políticas públicas que gerassem uma cadeia produtiva alternativa ao minério ilegal ou à agricultura predatória, que desmata com base no incêndio da floresta. Esse eleitor pobre sonha em encontrar uma pepita de ouro, porque não tem alternativa — diz o especialista.