Europa quer Lula construindo “pontes” entre países
Foto: Leo Pinheiro/Valor
“Todos esperam o sinal que Lula dará para combater o desmatamento ilegal e seu plano de desenvolver o país sem desmatar”, diz a diplomata francesa Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris e entre as maiores autoridades europeias no tema climático, em relação ao resultado das eleições presidenciais no Brasil que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no domingo.
“O resultado da eleição no Brasil é a melhor notícia que poderíamos ter nesses tempos tão terríveis que testemunhamos. É uma notícia maravilhosa para a democracia e a ação climática”, disse ao Valor.
Laurence Tubiana, CEO da European Climate Foundation e professora na Sciences Po, de Paris, diz que a eleição de Lula “é um sinal muito poderoso em um momento em que a geopolítica passa por um período muito difícil”.
Ela entende que no Brasil, como nos Estados Unidos, há um período entre a eleição de um novo presidente e sua posse, “mas é importante que Lula dê rapidamente sinais do que quer que o Brasil faça, e como oferece a mão aos outros”, continuou.
“Pode vir com um anúncio de como poderemos ver uma ambiciosa contribuição do Brasil, em termos de maior ambição climática”, seguiu.
“Não pode fazer isso na COP do Egito, mas pode fazer para janeiro”, sugeriu.
A próxima rodada climática, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27), acontece a partir do dia 6 de novembro, em Sharm El-Sheik, no Egito. A delegação brasileira ainda estará sob o regime do governo Bolsonaro. Mas o governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB), convidou Lula para integrar a comitiva das autoridades ligadas ao Consórcio de Governadores da Amazônia Legal que participará da COP 27. O presidente eleito ainda não confirmou se aceitará o convite.
“Não sei quem do novo governo virá a Sharm, mas será importante enviar pessoas que possam representá-lo (ao presidente eleito), mesmo sendo algo informal”, disse.
“Creio que seria maravilhoso se Lula puder convidar líderes para vir ao Brasil e trabalhar em conjunto não apenas para ajudar a Amazônia, mas a potencial reconciliação de líderes que não estão falando o suficiente uns com os outros”, continuou.
A diplomata francesa acredita que o Brasil, em um governo democrático, pode “construir um aponte importante” entre a América Latina e a Europa, e entre “líderes que não se falam mais”.
“Com um governo democrático no Brasil, vejo que a América Latina pode se engajar novamente com a Europa, em um momento em que vemos muitos países em desenvolvimento desconfiando do bloco europeu, muito envolvido com a invasão da Ucrânia.”
Tubiana, que foi a envida climática da França na COP 21, a conferência do clima da ONU que construiu o Acordo de Paris, disse que a eleição do candidato petista era muito importante para o mundo por razões geopolíticas e climáticas.
“Temos que reduzir a tensão em termos geopolíticos e penso que o Brasil pode ser uma ponte. Pode ser uma ponte com outras economias emergentes, com a Europa particularmente e com todos”, repetiu.
“Lembro de observar Lula em sua grande capacidade de ser um líder regional. É um líder que entende a importância de ter boa cooperação e o respeito de todos.”
Ela lembrou que o Brasil, antes da eleição de Bolsonaro, tinha planos climáticos “inteligentes e ambiciosos”, e durante os governos de Lula e Dilma Housseff o desmatamento ilegal quase cessou, o que foi um alívio para “esse ecossistema tão importante”. “É muito importante o que o Brasil faz inclusive para outros países da região como Venezuela, Colômbia, Peru, Suriname, Guiana, que têm que ser parte da proteção da Amazônia. É uma região que tem muita responsabilidade”, continuou.
“Estávamos esperando pelo resultado da eleição até muito tarde ontem à noite na Europa. Sei que os tempos serão difíceis. O Brasil sofreu terrivelmente com a covid, agora há os impactos econômicos da crise, a tensão geopolítica, e tudo o mais”, considerou.
Na sua avaliação, o momento é importante para o país desenvolver seu próprio modelo de desenvolvimento, que pode ser, ao mesmo tempo, sustentável e lucrativo para toda a sociedade.
“A Amazônia entrou no debate eleitoral e isso foi importante”, continuou. “Seria muito bom se o Brasil pudesse sediar uma COP”, disse ela, sugerindo que o país, sob Lula, hospede uma conferência do clima.
Essa era a ideia antes de Jair Bolsonaro ganhar a eleição, em 2018. Bolsonaro rejeitou a ideia. A COP 25 então passou ao Chile, que viveu momentos de turbulência política e acabou sendo transferida para Madri, na Espanha. O evento aconteceu no fim de 2019, pouco antes da eclosão da pandemia.