Governador do Pará minimiza direita no Congresso
Foto: Ag. Brasil
O governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB) minimiza, em entrevista ao GLOBO, a vitória em peso de parlamentares alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Para o governador, os bolsonaristas eleitos para a Câmara dos Deputados não formam um bloco conservador e muitos não vão se fechar para o diálogo caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vença as eleições. E lembra que Centrão integrou os governos do PT. Sobre o debate eleitoral, não considera corrupção tema central.
Leia a íntegra da entrevista:
Lula teve o apoio de várias lideranças do MDB, inclusive do senhor, em um palanque duplo com Simone Tebet, que agora também aderiu à campanha petista. Por que não houve uma coligação no primeiro turno, como ocorreu com Dilma e Temer no passado?
O MDB é um partido heterogêneo, com realidades muito próprias em cada região. Compreendo que o gesto de dialogar para o centro é absolutamente fundamental, e vai vencer a eleição quem tiver maior capacidade de fazer isso, trazendo o Brasil para um processo de previsibilidade e de estabilidade. Houve dois movimentos nesse sentido no primeiro turno, mas totalmente distintos entre si: do Lula, quando chamou Geraldo Alckmin para ser vice; e do Bolsonaro, quando pôs como protagonista o Centrão.
Lula foi criticado por Tebet pela escassez de propostas concretas, especialmente para a economia. Ainda está em tempo de fazer esse tipo de sinalização, inclusive com alguma indicação sobre perfil de ministro da Fazenda?
O presidente Lula sinaliza que está claramente aberto a ouvir um coletivo de pessoas que está muito além dos colaboradores históricos do PT sobre modelo econômico, ao receber o apoio de Arminio Fraga (presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique) e quando traz para a fotografia o (ex-ministro) Henrique Meirelles.
O que ele já havia feito, aliás, em 2002, quando muita gente apostava que se aparelharia ideologicamente a economia do Brasil.
O Pará é o berço das Assembleias de Deus, principal ramo de igrejas evangélicas pentecostais do Brasil. Hoje é tão importante para o PT sinalizar aos evangélicos, como foi tranquilizar o mercado em 2002?
Mesmo tendo maior identidade com Bolsonaro, essas lideranças evangélicas me apoiaram aqui. Isso se faz respeitando valores sensíveis aos evangélicos e aos cristãos em geral, e não apenas da boca para fora. Há 24 anos acompanho o Círio de Nazaré na procissão, como cristão e cidadão comum, e mesmo agora como governador não quis ir cercado pela guarda. Não há problema em comparecer, o que acho errado é se apropriar de uma manifestação religiosa, seja católica ou evangélica. E me preocupa muito quando, ao se discutir quem é evangélico e quem é católico, não se discute as milhões de pessoas que estão passando fome.
O Brasil não precisa de uma disputa político-religiosa.
Junto à pauta religiosa e moral, o segundo turno trouxe desinformação nessa seara praticada por aliados próximos de Lula, com insinuações envolvendo maçonaria, e de Bolsonaro, com acusações sobre satanismo e abuso infantil. São estratégias arriscadas?
Discutir religião é cortina de fumaça para quem não quer discutir os reais problemas do Brasil. Não pactuo com nenhum tipo de prática de fake news, acho que é absolutamente reprovável. Espero que o próximo presidente da República distensione, porque vamos precisar voltar a uma prática que está muito em falta, que são pessoas diferentes sentando à mesma mesa.
Caso eleito, Lula lidará com um Congresso majoritariamente conservador, com 99 deputados do PL de Bolsonaro. Como estabelecer diálogo nesse cenário?
Houve, é claro, uma ampliação dos polos, mas não interpreto esta fotografia de maneira cartesiana. Não podemos achar que os 99 deputados do PL, mais os 47 do PP e os 41 do Republicanos formam um bloco conservador. Ou, diria eu aqui numa expressão que está na moda, que são “conservadores raízes”. Tu acreditas no conservadorismo raiz do (presidente do PL) Valdemar Costa Neto?
Valdemar estará disposto a dialogar com Lula?
Não quero personalizar, cito o nome dele por ser hoje presidente do partido do Bolsonaro, mas que até outro dia era ligadíssimo ao PT. Outro exemplo: o deputado Marcos Pereira, presidente do Republicanos, partido com o qual tenho muito boa relação aqui, sempre teve uma excelente relação com a presidente Dilma e com o presidente Lula. Hoje está absolutamente firme na candidatura do presidente Bolsonaro, agora, não é um intransigente, um radical. Acho que muita gente que apoia hoje Bolsonaro não se furtará ao diálogo, e a construir a partir daí a governabilidade.
O senhor enxerga condições políticas, considerando os desafios para dialogar com esse novo Congresso, que Lula acabe com o orçamento secreto, como tem sugerido?
A emenda de relator gera um acúmulo de poder desproporcional. É preciso entender, primeiro, que análise o Supremo Tribunal Federal fará deste orçamento. Caso o Supremo o legitime, é claro que o próximo governo terá que ter muita habilidade, porque se instituiu um nível de governança sobre o orçamento público por parte de alguns parlamentares que faz com que os mesmos se transformem em polos de poder. E são polos de poder com bastante instrumentalização. Será preciso muita habilidade para que isso não seja um ponto de ruído institucional.
Bolsonaro tem alimentado a rejeição a Lula chamando-o constantemente de “ladrão”. Para não perder a eleição, o PT precisará repensar a forma como lida com o tema corrupção?
Acho que os temas centrais da campanha são fome, miséria, emprego e democracia. Corrupção é um tema que reverbera para as bolhas.
Então o que torna Bolsonaro competitivo neste segundo turno? É o Auxílio Brasil?
Não se pode ter certeza de qual seria o patamar de Bolsonaro sem o Auxílio, mas o fato é que estamos falando de um candidato que tinha um teto de 30% das intenções de voto antes, e que agora está em mais de 40%. No entanto, é preciso considerar numa eleição de segundo turno, em que se é levado a votar por apreço ou exclusão, que você não avalia só o lado bom do candidato, mas também o ruim do adversário.
E a corrupção não é um tema que pode levar eleitores a “excluírem” Lula?
Mas me parece aí que é uma avaliação de corrupção seletiva, né? Corrupção é corrupção, não acho que tenha escala. Se alguém estiver deixando de votar no Lula por um caso específico, ou dois, ou três, me causa espécie não ter a mesma atenção sobre o assunto no outro campo.
No seu estado, Bolsonaro foi o mais votado em municípios que registram hoje mais casos de desmatamento e de avanço do garimpo, como São Félix do Xingu e Novo Progresso, mesmo caso de seu adversário na eleição ao governo, Zequinha Marinho (PL). Enxerga uma correlação direta entre esses fatores?
Eu não tenho dúvida, o retrato das urnas demonstra isso de maneira muito clara. Houve uma identificação a partir da desmobilização dos órgãos de fiscalização, de uma mentalidade que não enxerga a conciliação da produção com a sustentabilidade, muitas vezes com mensagens que estimulam a ilegalidade. Eu não falo uma coisa em Novo Progresso e outra coisa em Belém. Eu não falo uma coisa na COP 26, quando defendo o modelo de desenvolvimento sustentável, e faço outro discurso no estado do Pará. E o que eu tenho dito para as pessoas nestas regiões é que, se não construirmos um modelo sustentável, sofreremos sanções e embargos. O Pará tem, em área degradada, três vezes o tamanho das áreas produtivas do Paraná. E o Paraná produz dez vezes mais. Portanto, não precisamos derrubar uma árvore sequer para ser o maior produtor de proteína animal e o maior produtor de grãos do Brasil. Esse continuará sendo o meu conceito.