Guerra na cúpula da PF originou ação contra governador de AL
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Uma queda de braço envolvendo a cúpula da Polícia Federal (PF) em Alagoas nos últimos meses antecedeu a segunda fase da Operação Edema, que teve como alvo o governador Paulo Dantas (MDB) nesta terça-feira. Candidato à reeleição com apoio do ex-presidente Lula (PT), Dantas foi afastado do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma investigação por suspeita de prática de “rachadinha” quando era deputado estadual. Na semana passada, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), apoiador de Dantas, havia ingressado com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a troca da superintendência da PF alagoana, alegando suposta atuação política da corporação.
O comando da PF no estado passou em junho deste ano para a atual superintendente, Juliana de Sá, que atuava antes como coordenadora-geral de recursos humanos da corporação em Brasília. A mudança ocorreu após a posse de Dantas como governador para um mandato-tampão, em maio, devido à renúncia do então governador Renan Filho (MDB) para concorrer ao Senado. Logo após a posse, Dantas havia nomeado como secretário estadual de Segurança Pública um ex-delegado da Polícia Civil, Flávio Saraiva, que é sogro do então superintendente da PF em Alagoas, Sandro Valle Pereira, nomeado em 2021 para o cargo.
Renan, que classificou a operação contra Dantas como “claramente política” em entrevista ao colunista do GLOBO Bernardo Mello Franco, foi ao TSE para pedir mudanças na PF alagoana após outra ação policial, na antevéspera do primeiro turno, apreender R$ 146 mil em dinheiro vivo com o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Victor (MDB), aliado dos Calheiros. A PF suspeita que o dinheiro seria usado para compra de votos, o que é negado por Victor.
Nesta terça, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que trava uma disputa conflagrada com Renan no estado, criticou a movimentação do senador do MDB no TSE.
“Ficou claro o porquê de Renan ter pedido o afastamento do superintendente da PF em AL. Queria abafar a operação Edema. Ele sabe que hoje não há interferência na PF, como na época em que ele mandava e desmandava. Ao invés de combater a corrupção, Renan quer mesmo é abafá-la”, escreveu Lira.
Renan, também em suas redes sociais, afirmou nesta terça que o atual comando da PF alagoana é “cabo eleitoral” de Lira, chamou a operação contra Dantas de “perseguição” e alfinetou o presidente da Câmara, chamando-o de “condenado que disputou três eleições com liminares”, em referência a um caso sob análise no STJ.
Em sua petição protocolada na semana passada e distribuída ao presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, Renan acusou ter havido “interferência política do Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, junto à Superintendência da Polícia Federal, para que fosse realizada a operação, a fim de causar prejuízos eleitorais” a Marcelo Victor. Sob esse argumento, Renan pediu a troca de comando da superintendência, “extirpando qualquer escolha por conveniência política do substituto”.
Renan alegou ainda em seu pedido que um de seus adversários políticos, João Caldas — pai do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), conhecido como JHC –, “esteve no local da diligência policial momentos antes da abordagem” contra Victor, no dia 30 de setembro, acompanhado por um delegado licenciado da PF. JHC é aliado de Lira e um dos principais apoiadores da candidatura ao governo de Rodrigo Cunha (União), adversário de Dantas no segundo turno.
Em despacho publicado na manhã desta terça, Moraes deu prazo de 48h para que a superintendência da PF apresente “cópia dos documentos existentes que justifiquem” a ação contra o presidente da Assembleia Legislativa às vésperas do primeiro turno.
À época da ação, Victor divulgou um comunicado atribuindo a apreensão da PF a uma “armação policialesca orquestrada” por Lira. O presidente da Câmara negou a acusação do adversário político e acusou os Calheiros, em nota, de terem “ingerência entre delegados” da corporação. Em maio, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que a substituição de Valle Pereira do cargo de superintendente da PF, determinada no início deste ano, chegou a ser suspensa pouco após a indicação do delegado Marcelo Werner para seu lugar.
Em vez de Werner, que permaneceu lotado na superintendência da PF na Bahia, o posto ocupado em Alagoas por Valle Pereira, genro do secretário estadual de Segurança Pública do governo Dantas, acabou ficando com a delegada Juliana de Sá, empossada em agosto.
Em sua nota divulgada há duas semanas para rebater as acusações de Marcelo Victor, Lira afirmou que se ele “tivesse ingerência na PF a operação Edema, por exemplo, não estaria engavetada e os envolvidos estariam na cadeia”. A primeira fase da Operação Edema, em março deste ano, investigou saques realizados em agências da Caixa Econômica Federal em três cidades alagoanas, incluindo a capital Maceió, que alimentariam depósitos para empresas privadas, em um suposto esquema de lavagem de dinheiro.
A nova fase da operação Edema, deflagrada nesta terça, cumpriu 31 mandados de busca e apreensão para apurar indícios, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), de uma “sistemática de desvios de recursos públicos que ocorre desde o ano de 2019” no estado. A operação foi autorizada pela ministra Laurita Vaz, do STJ, que determinou o sequestro de bens e valores no valor de R$ 54 milhões dos investigados. O caso, que corre sob sigilo, teria ligação com a atuação de Dantas como deputado estadual, antes de assumir o Executivo estadual. A PF apreendeu R$ 100 mil na casa de Dantas, que foi afastado do cargo.
A operação contra Dantas, a cerca de três semanas do segundo turno, impactou a campanha eleitoral em Alagoas e foi criticada por aliados do governador, que contestam os fundamentos jurídicos para seu afastamento do Executivo por uma acusação que não teria conexão com o cargo atual. Aliados aguardam um pronunciamento de Dantas ainda nesta terça. O governador afastado retorna à tarde de uma viagem a São Paulo, onde havia se reunido na segunda-feira com Lula para alinhar um evento com o petista em Alagoas — a agenda, prevista para esta semana, está pendente de confirmação após a operação.
Em suas redes sociais, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, saiu em defesa de Dantas e classificou a operação da PF como “suspeitíssima”. “A 19 dias do segundo turno, cheira a manipulação política, num estado em que a Superintendência da PF é controlada pelo presidente bolsonarista da Câmara dos Deputados”, escreveu Gleisi.
Antes do primeiro turno, Dantas foi alvo de uma acusação de desvio de recursos públicos feita por seu próprio pai, o ex-presidente da Assembleia Legislativa alagoana, Luiz Dantas, em vídeo gravado e divulgado pela campanha de Rodrigo Cunha. No vídeo, Luiz Dantas alega que o filho teria se valido de um cargo de diretor-administrativo da Assembleia Legislativa, sob sua gestão, para nomear funcionários fantasmas no município de Batalha, reduto eleitoral da família. Um inquérito da Polícia Federal, aberto em 2017, apura desvios de recursos com participação de deputados estaduais.
O governador rebateu as acusações e obteve direito de resposta contra a campanha de Cunha, concedido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, sob o argumento de não ser formalmente alvo deste inquérito.