Igreja católica vê padres mais politizados
Foto: Marcos Alves/ foto de arquivo
Manifestações políticas de padres e bispos nesta eleição têm causado mal-estar na Igreja Católica, contrariando a tradicional orientação ao clero para evitar o proselitismo político. Enquanto cresce o número de religiosos católicos manifestando apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), a cúpula da Igreja no país sobe o tom contra o uso político da religião.
A diretriz da Igreja para os padres tem sido a de não pedir votos dentro ou fora dos templos, mas defender valores caros aos católicos, como o combate à pobreza, a oposição à legalização do aborto e a defesa da democracia. No entanto, é com base nesses valores que muitos justificam tomar partido de um dos candidatos.
O uso da religião na eleição aflige a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem criticado essa tendência, mas não consegue impedir a politização de sacerdotes. A preocupação aumentou após a tumultuada visita de Bolsonaro a Aparecida (SP), na semana passada.
A tática de trazer o debate da disputa presidencial para o campo religioso foi iniciada por Bolsonaro e, depois de alguma resistência, abraçada pela campanha de Lula no intuito de contrapor acusações como a de que fecharia igrejas e perseguiria sacerdotes. Com isso, uma série de religiosos católicos se juntaram a pastores evangélicos na disputa política, atuando nos dois lados.
O bispo emérito de Uruaçu (GO), Dom José da Silva Chaves, gravou vídeo pedindo voto para Bolsonaro e pregando contra “o candidato que defende o comunismo ateu”, em suposta alusão a Lula, que não é ateu nem comunista. Do outro lado, o padre Júlio Lancellotti, pároco da Igreja de São Miguel Arcanjo, na Zona Leste de São Paulo, tem feito postagens em favor de Lula em seu perfil no Twitter, onde reúne mais de um milhão de seguidores. O religioso, que integra a Pastoral do Povo de Rua, declarou abertamente voto no petista e, durante a campanha no primeiro turno, defendeu que “Lula não fecha igrejas”.
O arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, nomeado cardeal em agosto pelo Papa Francisco, critica manifestação de voto por parte do clero:
— Não é tarefa de bispos e padres. Nossa tarefa é estimular as pessoas a votarem. Não é conveniente nem justo usar a religião como estão usando, não só entre católicos, mas também em outras igrejas. É ruim colocar a religião em jogo para defender candidatura, não pode ser usada para isso.
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Dom Roberto Francisco, bispo de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, diz que a polarização e a violência política no Brasil preocupam o Papa. Segundo ele, a inquietação do pontífice foi externada este mês em evento em Roma:
— O Papa disse que a polarização é um problema sério. Para ele, sacerdotes estão na Igreja para facilitar o discernimento, não para optar. Em vez de homilias para dirigir votos, nossa função é esclarecer valores que devem iluminar o voto.
A CNBB, que evita citar candidatos, publicou nota na véspera da visita de Bolsonaro a Aparecida, poucos dias depois de ele ter ido ao Círio de Nazaré, no Pará: “Lamentamos, neste momento de campanha, a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno. Momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem propostas de campanha”.
No dia seguinte, na Basílica de Aparecida e em suas imediações, apoiadores de Bolsonaro transformaram a celebração religiosa do dia da padroeira em palco político. Um grupo vaiou a leitura de uma carta sobre a importância de erradicar o trabalho infantil por enxergar crítica ao governo. Em outro momento, bolsonaristas cercaram um fiel que se vestia de vermelho. Além disso, equipes de TV foram hostilizadas.
O episódio contrastante com valores cristãos foi amplamente explorado pela campanha de Lula, que tem 61% do apoio dos católicos, contra 39% de Bolsonaro, segundo o Datafolha divulgado na sexta-feira. No mesmo dia, o vice da chapa de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), e o candidato do PT ao governo paulista, Fernando Haddad (PT), foram a uma missa na Paróquia de Nossa Senhora Aparecida em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. O local foi escolhido porque os dois são amigos do vigário da paróquia, Rosalvino Viñayo. Sofrendo de problemas respiratórios, Viñayo não celebrou a missa, mas discursou. Não pediu votos, porém, depois da cerimônia afirmou que Bolsonaro é “católico por conveniência, diferentemente de Lula, Geraldo e Haddad”.
O bispo emérito de Duque de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli, postou em suas redes sociais que Bolsonaro se comportou como “agente de Satanás” na celebração em Aparecida. O padre Júlio Lancellotti, conhecido pelo trabalho com população de rua, justifica sua manifestação em relação a Lula na proposta dele de defesa de políticas para os pobres:
— Não estamos elegendo chefe religioso. O Brasil é um Estado laico. Não vou conversar com nenhum candidato que não tenha temática clara para população de rua.
No grupo dos clérigos que apoiam Bolsonaro, estão Overland de Morais Costa e Chrystian Shankar, que é muito atuante nas redes sociais e costuma associar candidatos de esquerda à defesa do aborto. O padre Paulo Ricardo de Azevedo, de Cuiabá, queixa-se das críticas que recebe da esquerda: “Quando esgotam seus argumentos, os políticos de esquerda só sabem fazer uma coisa: insultar. E o termo ‘fascista’ é o principal insulto que dirigem a quem ousa se opor a eles”, escreveu no Instagram, onde tem 1,3 milhão de seguidores.
Em setembro, outra mensagem da CNBB condenava o uso da religião por políticos em busca de votos. O texto defende a preservação da vida desde a concepção, em alusão ao aborto, mas também questiona ações do governo, sem citar Bolsonaro. A mensagem fala em descuido com meio ambiente, educação e saúde e critica os altos índices de violência, que relaciona com a flexibilização de venda e porte de armas, bandeira bolsonarista. Para difundir a mensagem, padres do estado do Rio, em especial de paróquias da Costa Verde e da Baixada Fluminense, passaram a ler o texto nas missas e a entregá-lo aos fiéis.