Lavagem cerebral funciona em evangélicos

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Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress

“Como guerreiros da oração”, alertava a apóstola Valnice Milhomens, fiéis não poderiam “fechar os olhos” para o que aconteceria neste domingo (2) de ir às urnas escolher o novo presidente da nação. “Temos que ativar todas as armas espirituais em direção a estas eleições.”

Ela está com o cabelo armado por escova e uma camisa com as cores do Brasil. Sobre o coração repousa o miolo azul da bandeira e a diretriz: “Ore pelo Brasil”.

A onda verde-amarela que coloriu cultos neste fim de semana é um termômetro para a força de Jair Bolsonaro (PL) nas igrejas evangélicas. Trajes com a cor da flâmula nacional, tanto em pastores quanto nos fiéis, eram a declaração de voto que bastava.

Nas redes sociais, sem as amarras de uma legislação eleitoral que proíbe o uso do púlpito para defender candidatos, líderes e influencers evangélicos abraçaram o bolsonarismo sem timidez.

Postagens de Milhomens, que em agosto esteve num chá de mulheres organizado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada, davam o tom. Ela é o que podemos chamar de classe média pastoral. Tem um bom alcance, com 300 mil seguidores no Instagram, por exemplo. Mas não um império religioso para chamar de seu. Como ela, há milhares.

“Você cheira a Jesus. A fragrância do amor inextinguível agora flui através de você” foi uma das pílulas proselitistas que a apóstola intercalou com o conteúdo político revestido pela escatologia que ressoa em templos pentecostais —a doutrina que trata do fim dos tempos.

A disputa entre Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou notas apocalípticas em boa parte do segmento. Se o PT vencer, é o fim do mundo como o conhecemos.

Na postagem seguinte, Milhomens reproduziu um trecho da Bíblia: “Quando os justos governam, o povo se alegra, mas, quando o ímpio domina, o povo geme”. Um seguidor comentou: “Eu declaro para a nação Lula no primeiro turno!”. Outro, desgostoso do aparte, respondeu: “Tá repreendido”.

E seria esse Armagedom todo se o PT voltasse ao poder? O “sim” não é uníssono entre evangélicos, mas retumbou forte, como no vídeo divulgado pelo cantor gospel Fernandinho.

“Se você se diz um cristão evangélico, e você vota ou você defende partidos da esquerda, quero te dizer que duas coisas acontecem com você: ou você está debaixo de um forte engano, e eu oro para que esse engano caia agora, em nome de Jesus, ou você não é um cristão evangélico.”

Cabos eleitorais graúdos de Bolsonaro no evangelicalismo subiram ao altar com piscadelas pouco discretas para o pleito que se desenrolava ao longo do dia. A bispa Sônia Hernandes começou seu culto à frente do nome da sua igreja, a Renascer em Cristo, iluminado por verde, amarelo, azul e branco.

No Instagram, ela havia replicado um vídeo gravado pelo ex-presidente americano Donald Trump para desejar que Bolsonaro seja o líder brasileiro “por um longo tempo”.

Na rua, uma senhora de vestido vermelho se desculpava pela desatenção —que horror ter vindo com a cor-símbolo do PT. Uma amiga tentou dar uma força: “É a cor do sangue de Jesus, pensa por aí”.

Também de camisa do Brasil no púlpito, o pastor Silas Malafaia voltou a expressar seu desejo por uma pane no sistema eleitoral caso as eleições sejam alvo de fraude —suspeita infundada repetida por Bolsonaro, eleito cinco vezes deputado e uma vez presidente desde que as urnas eletrônicas das quais diz desconfiar foram implantadas.

O pastor afirmou, então, que uma jornalista o havia questionado sobre declarações prévias nas quais disse orar para que a apuração travasse por oito horas pelo menos, se alguma adulteração acontecesse. “Você quer se meter na minha fé agora? Agora quer determinar sobre minhas crenças e valores? Tenho direito de orar pelo que eu quiser, isso é entre Deus e eu.”

Disse, na sequência, que estava apenas usando uma “arma espiritual” e pediu, sem jamais citar o nome do presidente: “Que venham tempos de bênção e prosperidade para a nação brasileira”.

A predileção por Bolsonaro dominou também os principais portais evangélicos.

No Pleno News, a manchete na véspera dava uma colinha ao eleitor: “Confira o número de Bolsonaro e de seus candidatos a governador”. Abaixo, o link para híbridos de reportagem e ativismo: “Michelle Bolsonaro: ‘Amanhã daremos resposta nas urnas'” e “Falcão declara voto em Bolsonaro: ‘O Brasil vai crescer'”.

O mesmo site publicava, já perto do fechamento das urnas, fotos de celebridades votando, a maioria com as cores da bandeira nacional. O destaque foi para a vice-campeã do Miss Bumbum 2012 Andressa Urach e as atrizes Karina Bacchi e Antonia Fontenelle, todas bolsonaristas roxas.

Das 5 notícias mais lidas do Fuxico Gospel, 4 eram simpáticas à reeleição do presidente. A exceção veio na declaração pró-Lula de Caio Fábio, que em 2018 foi de Marina Silva (Rede) e agora declarou: “Amanhã eu voto 13 pra decidir no dia 2. Tô velho demais pra esperar”.

Um dos últimos posts no blog do bispo Edir Macedo, ex-aliado do PT, é uma passagem do Evangelho de Mateus que conservadores arrastam para a polarização do século 21. Na parábola, Jesus separa os justos (ovelhas), que ficam à sua direita, dos ímpios (bodes), colocados à esquerda.

No editorial da Folha Universal, jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, Macedo dispensou a mensagem subliminar. O texto diz que ele se desiludiu “com vários posicionamentos dos governos petistas” e agora expressa “firme resistência à volta da esquerda”. Se Lula por um segundo acreditou que a igreja pretendia apoiá-lo, foi uma fantasia “que criou em sua cabeça”.

O pacto por Bolsonaro rendeu inclusive alianças ecumênicas. Da dobradinha entre Bolsonaro e o presidenciável do PTB criou-se um meme compartilhado pela base evangélica: “Nunca convide o Padre Kelmon para a festa junina, ele acaba com a quadrilha”.

Figura anônima até semanas atrás, o sacerdote é filiado à Igreja Católica Ortodoxa do Peru, que por sua vez não é reconhecida por outros pares ortodoxos —a existência dessa formação autônoma lembra a estrutura das igrejas evangélicas, sem hierarquia rígida para impedir que qualquer pessoa abra um templo.

No debate da Globo, ele foi chamado de impostor por Lula, a quem atacou sem clemência, e de “padre da festa junina” por Soraya Thronicke (União Brasil).

Enquanto isso, na internet, a apóstola Milhomens voltava à carga. Assim preconizou: “O Brasil cumprirá seu destino profético e será de fato uma nação cristã”.

Folha