Lula bomba em podcasts de direita

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Foto: Danilo Verpa/Folhapress e Reprodução

Com informalidade, ausência de regras ou contraponto por parte dos apresentadores, os podcasts viraram o alvo de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na reta final da campanha.

A audiência segmentada e o potencial de engajamento nas redes sociais fizeram as equipes dos presidenciáveis correrem atrás de canais segmentados a jovens, evangélicos e torcedores de clubes de futebol.

Na última terça (18), Lula apostou num dos maiores canais de entrevistas, o Flow, que tradicionalmente conversa mais com políticos de direita. Nele, teve a chance de falar com um público diferente do tradicional que o apoia.

Antes disso, Bolsonaro foi ao programa que tem quase 5 milhões de inscritos no YouTube. Mas não só nele. O presidente fez uma peregrinação a podcasts. Desde agosto, acumula 21 horas de conversas, de iniciativas que reuniram evangélicos simpáticos ao presidente donos de canais sobre futebol, também seus eleitores.

Os programas mobilizam apoiadores e atingem eleitores fora da bolha dos candidatos, grupos que já os apoiam. No dia de Lula no Flow, por exemplo, 63% dos comentários de bolsonaristas no Twitter eram sobre o programa, relata Pedro Barciela, analista de redes sociais com foco em política.

Em 25 minutos, o podcast bateu o recorde de visualizações simultâneas, que até então era da entrevista de Bolsonaro, com mais de 500 mil. Com Lula, o programa teve mais de 1 milhão de espectadores simultâneos. O fato foi explorado por petistas nas redes como uma vitória.

A grande audiência dos podcasts mobilizou eleitores em uma batalha por maior número de visualizações. O recorde de acessos simultâneos voltou a ser batido na noite desta quinta (20) com a presença de Bolsonaro no podcast Inteligência Ltda. A conversa teve mais de 1,7 milhão de pessoas vendo ao mesmo tempo.

“Esses formatos têm suas particularidades. Políticos encaram um ambiente sem muita resistência, não tem confronto. Ao mesmo tempo, eles atingem um público que não consumiria um conteúdo de política”, diz Guilherme Felitti, fundador do estudo de análise de dados NoveloData.

É essa possibilidade de se comunicar com uma audiência diferente que motiva as equipes dos candidatos mirarem canais segmentados.

Após declarar apoio ao presidente, o flamenguista Gabriel Reis entrou no alvo da campanha bolsonarista. Dono de um canal de YouTube sobre o clube carioca com mais de 1 milhão de inscritos, ele diz que foi procurado.

“Eu estava malhando na academia na Barra da Tijuca quando recebi uma ligação de vídeo dele [Bolsonaro]”, conta. A aproximação foi feita, segundo Reis, pelo seu personal trainer, que tem amigos na equipe do chefe do Executivo.

Dias depois, Bolsonaro estava sentado à frente do jornalista flamenguista respondendo perguntas dele e de outros donos de canais temáticos para torcedores, o Instaverdetv, palmeirense, e o Futbolacopodcast, para vascaínos.

“Nossa entrevista pautou o país”, diz com orgulho Dieguinho Futbolaço, vascaíno fanático e também apoiador do presidente.

A pauta, no caso, foi gerada em um relato de Bolsonaro sobre encontro que teve com meninas venezuelanas em São Sebastião, na periferia do Distrito Federal.

“Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas; de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei, ‘posso entrar na tua casa?'”, afirmou o presidente.

Bolsonaro seguiu. “Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, [num] sábado de manhã, se arrumando —todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos se arrumando num sábado para quê? Ganhar a vida. Você quer isso para a tua filha, que está nos ouvindo aqui agora. E como chegou neste ponto? Escolhas erradas”.

As falas foram difundidas nas redes sociais. Adversários o acusaram de pedofilia e de não ter tomado providências diante de uma possível situação de exploração sexual de menores.

Gabriel diz que só queria perguntar uma coisa ao presidente: “Se ele vai nos ajudar a ter o estádio do Flamengo”. Bolsonaro indicou que sim. “Conversei com a Caixa e tudo que der para fazer, faremos”.

Outro trecho da conversa fez o vídeo de mais de duas horas ser excluído do YouTube. Bolsonaro mentiu e divulgou desinformação ao afirmar que não houve mortes de crianças em decorrência da Covid.

“Você não viu moleque morrendo de vírus por aí? Alguém conhece algum filho de alguém que morreu de vírus? Não tem”, afirmou, sem ser contestado. Em 2020 e 2021, 1.508 crianças morreram por Covid no Brasil.

A ausência de contraponto é uma garantia de segurança para candidatos. Nos podcasts, as conversas podem se estender por horas, o que dá aos políticos tranquilidade para desenvolver teses com conforto. E muitas vezes derrapar nelas também.

A participação de Bolsonaro no podcast Flow durou mais de cinco horas. Em outro canal sobre futebol, o Pilhado, o presidente bateu papo durante 4 horas e 20 minutos.

No segundo, além de propostas e ataques a Lula, o presidente teve tempo para falar sobre futebol, comentar a rotina da sua casa e fazer piadas.

Por vezes, os programas se tornam palanques eleitorais. No Pilhado, Bolsonaro conversou com os influenciadores Thiago Asmar e Paulo Figueiredo, neto de João Figueiredo, último presidente da ditadura militar.

Os dois declararam voto no candidato do PL, que foi descrito como uma pessoa simples e honesta. Os apresentadores endossaram ataques à imprensa, questionaram a segurança das vacinas contra o coronavírus e afirmaram que a economia brasileira está em um bom momento, ecoando discursos do bolsonarismo.

A postura dos apresentadores costuma ser um diferencial para atrair o público que acaba se identificando seja pela maneira despojada de falar ou vestir.

O apresentador Igor Coelho, do Flow, entrevistou de bermuda o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Lula. Também usou a palavra “cara” diversas vezes durante as conversas.

Os canais de YouTube não precisam seguir exigências da legislação eleitoral impostas à rádio e televisão.

Concessões públicas, as emissoras são obrigadas a cumprir regras restritas durante o período de campanha. Convites precisam ser feitos para todos os candidatos e o tempo das entrevistas tem de ser o mesmo.

Flamenguista e bolsonarista, Gabriel Reis diz que nunca foi um “cara muito ligado em política”.

“E se o Lula me procurasse? Faria a entrevista também”, afirma.

Folha