Na terra de Lula, petistas e bolsonaristas se tratam com respeito

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Foto: Sérgio Figueirêdo/Folhapress

A avenida Rui Barbosa, uma das principais de Garanhuns, no agreste pernambucano, reproduz o embate entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno presidencial. De um lado da via, está o comitê de Bolsonaro, mobilizado por voluntários. Em frente situa-se o comitê da candidata a governadora Marília Arraes (Solidariedade), que distribui materiais de Lula no município onde ele nasceu.

A dicotomia frontal não é empecilho para os organizadores dos núcleos lulista e bolsonarista buscarem promover uma campanha eleitoral pacífica na cidade. Os militantes de cada lado têm boa relação e combinam de alternarem os dias de atos para evitarem choques entre militantes.

“A divergência fica na seara da política e da ideologia”, diz o advogado João Paulo Vasconcelos, 39, articulador voluntário da campanha bolsonarista. “A relação que temos com opositores é saudável, sadia. Combinamos a programação e homologamos na Justiça Eleitoral”

A Folha, que publica desde agosto a série Raízes Presidenciais, esteve durante três dias na cidade em meio ao segundo turno para acompanhar a movimentação eleitoral e aferir o humor do eleitorado. O mesmo ocorreu em Eldorado (SP), município onde Bolsonaro passou a juventude.

No primeiro turno, Lula recebeu 72,1% dos votos válidos entre eleitores de Garanhuns, enquanto o rival obteve 23,5%. Mesmo com a maré favorável ao petista, os eleitores bolsonaristas estão mais engajados, munidos de adesivos e bandeiras, principalmente em carros e varandas.

O comitê de Bolsonaro recebeu, em média, de 50 a 70 carros por dia na semana passada, segundo os organizadores. Um dos frequentadores é o militar da reserva Givaldo Alves, 50, que já foi eleitor de Lula, mas agora classifica o petista como uma decepção. “Ele se corrompeu no meio do caminho. Acho que já deu, mas as pessoas ainda estão se apegando a um Lula do passado. Não dá mais.”

Os voluntários afirmam que articulam a aquisição de materiais de campanha e a distribuição. Do outro lado, há dificuldade relatada pelo PT municipal para obtenção de itens pró-Lula. Os conteúdos alusivos ao ex-presidente são entregues em conjunto com os de Marília.

“Não se tem dinheiro, por isso essa dificuldade”, afirma a presidente do PT de Garanhuns, Danielle Ubirajara, 39. “Mas, quando a gente faz caminhada ou carreata, o povo vai para a janela e coloca toalha nas portas, nem que seja um pano vermelho”, contenta-se.

Com o segundo turno estadual ocorrendo concomitantemente, os apoiadores de Bolsonaro estimulam o voto na candidata a governadora Raquel Lyra (PSDB). O comitê bolsonarista distribui ao mesmo tempo adesivos de Bolsonaro e da tucana, que está neutra na disputa presidencial. Também há adesões de lulistas à sua campanha, no voto “Luquel”.

Dentro do que é viável, o PT garanhuense intensifica a realização de panfletagens e caminhadas em áreas de grande fluxo, como centros comerciais e feiras livres, e na periferia. Um dos eventos aconteceu na noite do último dia 18, em frente ao campus local da Universidade de Pernambuco, a UPE.

A chuva, contudo, prejudicou a continuidade da empolgação da militância do PT. O público se dividia para espalhar adesivos e panfletos com defesa das propostas e do legado de Lula para a cidade, enquanto outros simpatizantes tremulavam bandeiras.

Estudantes da UPE que acompanharam a movimentação buscaram reprimir a fala de Bolsonaro que associou a vitória de Lula no Nordeste às taxas de analfabetismo na região. A avaliação predominante entre os pró-Lula é que o presidente foi preconceituoso.

“Se entrar na internet e pesquisar, é no Nordeste que há mais estudantes que tiraram nota mil [na redação] do Enem em 2021. Então como a gente pode ser esquecido por ele [Bolsonaro]?”, afirma a estudante de letras da UPE Ana Clara Moraes, 20.

Primo do ex-presidente Lula, Eraldo Santos, 68, questiona até a capacidade de raciocínio do atual mandatário. “Acho que ele está falando dele próprio. A capacidade cognitiva de Bolsonaro é zero. Analfabeto não é quem não estudou, é aquele que não tem capacidade de fazer leitura de uma realidade. Ele é um analfabeto funcional”, rebate.

Por outro lado, o segmento bolsonarista argumenta que o presidente é espontâneo e, muitas vezes, mal interpretado. Para sair da defensiva, o grupo busca reforçar a ampliação do valor do Auxílio Brasil para R$ 600, feita às vésperas da eleição, em meio ao que consideram adversidades enfrentadas pelo governo Bolsonaro, como a pandemia e a guerra da Ucrânia.

João Paulo Vasconcelos, o advogado bolsonarista, aposta que, no segundo turno, a escolha é mais racional e menos afetiva e que, com isso, o presidente possa ter desempenho melhor em Garanhuns. Ele tem esperança de que o presidente, mesmo continuando na segunda posição, consiga até receber votos de quem optou por Lula na primeira rodada.

“Sem o voto dos candidatos proporcionais, acreditamos que é um voto mais espontâneo, olhando as proposições, e confio num aumento considerável dele na cidade.”

Há quatro anos, Bolsonaro obteve 16.478 votos no município no primeiro turno. Neste ano, foram 17.690. Percentualmente, o índice caiu de 25,6% para 23,5%.

Um dos focos de preocupação do comando do PT de Garanhuns é a possibilidade de aumento da abstenção. Sem os candidatos a deputado do partido e de siglas aliadas mobilizados como no primeiro turno, há temor de que eleitores deixem de comparecer às urnas, o que pode prejudicar Lula.

Do lado bolsonarista, a compreensão majoritária é que uma maior abstenção do Nordeste afeta mais o nome do PT. No primeiro turno, em Garanhuns, os ausentes foram 17,82%, menor que a média nacional.

Entretanto, há admiradores do candidato à reeleição cautelosos com o indicador em outras regiões. “Acho pode impactar um pouco mais Bolsonaro, porque ele ficou atrás [de Lula]”, diz o autônomo Guilherme Henrique, 22, que levou o carro do tio para colocar adesivo no comitê de Bolsonaro.

No bairro Dom Hélder Câmara, conhecido como Lulão em razão da entrega da construção de casas do programa Minha Casa, Minha Vida no governo do ex-presidente, a política é assunto de conversa em frente a mercadinhos e pontos de mototáxi.

O zelador Eraldo Vieira, 42, e o mototaxista Gilson Góes, 56, são eleitores do petista, mas dizem que convivem em harmonia com amigos bolsonaristas. Para eles, após a eleição, a sociedade deve construir pontes. Góes trabalha com uma jaqueta sobre uma camiseta da seleção brasileira —o uniforme verde e amarelo costuma ser parte da indumentária bolsonarista. Na moto, porém, ele colou adesivos de Lula.

Folha