Nordeste é última esperança de Bolsonaro
Foto: Arte UOL
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudaram a estratégia para os programas de televisão neste segundo turno. Iniciados na última sexta-feira (7), eles são diários e com tempo igual.
Bolsonaro está focando seu esforço de comunicação no Nordeste. É uma forma de proteger o resultado que teve no primeiro turno e foi 1,32 milhão de votos superior a 2018. Já Lula continua mirando na pauta econômica, que norteou o primeiro turno —porém com aumento da atenção para a classe média—, o adendo de algumas “pautas de costume” e a chegada de polêmicas do presidente.
Lula terminou o segundo turno com 48,4% dos votos, quase cinco pontos percentuais à frente de Bolsonaro, com 43,2%. São pouco mais de seis milhões de votos, uma distância relevante, porém reversível —e ambos contam com a televisão como um elemento para garantir ou mudar o cenário.
O presidente defende seu patrimônio. Na noite do domingo de votação do primeiro turno, a campanha de Bolsonaro já decidira que focaria sua estratégia de comunicação em rádio, TV e redes sociais no Nordeste. O motivo aparece no começo da peça para televisão do presidente, quando ele agradece aos eleitores da região porque teve 1,32 milhão de votos a mais que em 2018.
Esta opção por priorizar o Nordeste se mostrou ainda mais necessária por causa da postura do adversário. Bolsonaro passou a sofrer críticas após declarar que Lula venceu nos nove estados com maior índice de analfabetismo, todos no Nordeste.
Ofensiva da esquerda. A equipe do presidente resolveu se manter ainda mais alerta ao que acontecia na região quando identificou vídeos nas redes sociais de pessoas vestidas de verde e amarelo, que se apresentavam como bolsonaristas e faziam críticas aos nordestinos.
A campanha do candidato à reeleição afirma que se trata de uma ofensiva de fake news. Na definição deles, a esquerda também aprendeu a fazer este jogo. A reação foi intensificar o esforço de manutenção de votos, o que passa por manter a concentração da comunicação de rádio, TV e redes sociais na região.
Campanha com sotaque nordestino. A combinação destes fatores tem levado às telas peças visivelmente direcionadas para o eleitorado nordestino. A tentativa da equipe do presidente em motivar seus apoiadores a tentarem virar votos de quem escolheu Lula reúne pessoas com sotaque nordestino que falam em cenários típicos da região.
A repetição do Auxílio Brasil ampliado é outra marca desta estratégia de priorizar o Nordeste. Entre os beneficiários do programa, 47% deles vivem na região. A este argumento são acrescidos iniciativas como a entrega de títulos de terras e a transposição do rio São Francisco.
Ao final das peças veiculadas na TV, surge uma ilustração exaltando o presidente, que é associado a imagens características da região. A mesma tentativa de preservar os votos nordestinos ocorre nas redes sociais. O stories do Instagram de Bolsonaro de ontem apresentava o presidente de chapéu de couro e lista os motivos para ele ser o escolhido do eleitor.
Reforço de Michelle. A tática de concentrar a comunicação não é a única medida da campanha de Bolsonaro para tentar preservar a votação no Nordeste. Ele escalou sua principal cabo eleitoral, a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Até o domingo, ela deve visitar todas as capitais da região.
Como o presidente não dispõe de lideranças políticas fortes no Nordeste, a porta de entrada está sendo a igreja evangélica. Viajando sempre na companhia da senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), Michelle aposta no discurso conservador para atrair o eleitorado. O público-alvo são as mulheres.
Estas orientações são repassadas a lideranças religiosas e feito o pedido para que tentem virar votos ou convencer quem não votou no primeiro turno a escolher Bolsonaro porque ele é contra o aborto, a liberação das drogas e da ideologia de gênero.
Em time que tá ganhando não se mexe? Lula abriu a retomada do seu programa na TV mostrando confiança por ter “vencido” o primeiro turno e destacando apoios. Já na sexta, exibiu as parcerias recém-firmadas com Simone Tebet (MDB), o PDT de Ciro Gomes, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e elos regionais fortes, como o governador Helder Barbalho (MDB-PA), reeleito com quase 70% dos votos.
Esta capa de estabilidade e solidez deverá nortear os programas nesta segunda etapa, reforçando a imagem de “estadista”, que a campanha busca explorar, mostrando que tem apoio de diferentes parcelas da sociedade e da política e trazendo as pautas econômicas.
Ontem (10), o programa reeditou um hit de 2014, com Dilma Rousseff (PT), que mostrava a comida sumindo do prato —só que dessa vez refere-se ao governo atual e não ao que aconteceria caso uma candidata, Marina Silva (Rede), vencesse.
Desde a pré-campanha, as peças da TV têm focado na retomada da fome e na perda do poder de compra do brasileiro. Vista como estratégia vitoriosa pela campanha, esse deverá seguir como tema principal.
Algumas substituições. Entre os ajustes a serem feitos, também deve ganhar a adição de algumas pautas de costume. Assunto delicado e controverso dentro da campanha, os programas de TV deverão reforçar a imagem de Lula como cristão e como alguém que, enquanto presidente, estimulou a liberdade religiosa.
Governei esse país durante oito anos e sempre respeitei as famílias. Sancionei a Lei da Liberdade Religiosa, a criação do Dia do Evangélico e a Marcha Para Jesus Lula, em programa da TV
A campanha avalia que ter demorado para entrar tanto no tema pode ter criado uma imagem de que estava fugindo do assunto. O mesmo aconteceu com aborto. Na semana passada, Lula gravou um vídeo — veiculado apenas na internet — que se dizia contra a prática.
Aderir a essas pautas, no entanto, não é consenso na campanha. Parte do grupo diz acreditar que focar nesses temas é “jogar no campo adversário”, onde Bolsonaro tem ampla vantagem, e argumenta que deveria seguir o foco nos assuntos econômicos e sociais.
Mais para o ataque. A principal mudança nos programas de TV —e na campanha como um todo— é, possivelmente, a estratégia de explorar algumas polêmicas de Bolsonaro. Se antes a tática era evitar entrar em temas espinhosos que envolviam o presidente, agora isso deverá ser mais explorado, com principal apelo em vídeos.
Na semana passada, a campanha petista veiculou inserções que mostravam um vídeo de Bolsonaro dizendo que só não comeu carne humana de um indígena porque “ninguém quis ir com ele”. A declaração de 2016 viralizou nas redes sociais. Na entrevista ao jornal The New York Times, Bolsonaro relata uma experiência numa comunidade indígena e diz: “eu queria ver o índio sendo cozinhado. Da aí o cara: se for, tem que comer. Eu como”.
A campanha do presidente entrou no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela retirada do vídeo e conseguiu no dia seguinte (8). “Mas não foram fake news, [a fala] aconteceu de verdade”, defendeu Lula em coletiva no final de semana.
Não está descartado que outras polêmicas sejam usadas. Tudo depende mais de timing, dado que os programas são gravados muitos dias antes, do que pelo conteúdo. Ou seja, caso algum assunto —tal qual a fala de Bolsonaro sobre nordestinos— não fique “velho” rápido demais, pode ser usada.