Aliados alertam Lula para risco Lira
Foto: Cristiano Mariz
Os acenos do PT ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), abriram a primeira crise entre os partidos que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tenta atrair para sua base, especialmente MDB e União Brasil. As duas siglas trabalham para lançar uma candidatura alternativa ao comando da Casa em fevereiro e querem ter os petistas do mesmo lado. O principal argumento é que Lira, aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), trabalhou contra a eleição de Lula e, ao se reeleger, pode fortalecer a oposição na Casa.
O problema é que Lula precisa da ajuda de Lira para aprovar a chamada PEC da Transição, que o permitirá cumprir promessas de campanha, como o pagamento do Bolsa Família de R$ 600. Em troca desse apoio, o presidente eleito desaconselhou o PT a perseguir uma candidatura própria na Câmara e afirmou que não vai interferir na disputa no Legislativo. Na prática, a “neutralidade” é tudo que o parlamentar do Centrão precisa para fechar acordos de bastidores com petistas.
Dos 56 deputados hoje na bancada do PT, a estimativa interna é que cerca de 20 votaram em Lira para presidente no início de 2021, mesmo após o partido oficialmente apoiar a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) naquela ocasião. Agora, os simpáticos ao presidente da Câmara avaliam que é melhor trabalhar com a perspectiva de apoiar sua reeleição do que enfrentá-lo sem sucesso novamente e criar uma indisposição, que pode assombrar os primeiros dois anos de governo Lula.
Procurado, o líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (MG), disse que ainda não há uma definição da bancada sobre o apoio a Lira na disputa pela reeleição. O deputado Paulão (PT-AL), contudo, lembra da eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005, quando petistas se dividiram e permitiram que um parlamentar do chamado “baixo clero” comandasse a Cãmara, derrotando um nome do partido. Segundo ele, foi um erro que não pode ser repetido.
— Não está definido que vai ser ele (Lira). O importante é que os partidos que apoiam Lula, que são 10 partidos, têm que fazer um desenho para ter uma estratégia vitoriosa. Porque se você perde o presidente da Câmara, ele tem poder para instalar um processo de impeachment — afirmou.
O próprio Lula lembrou do episódio envolvendo Severino durante a conversa que teve com Lira na semana passada, na residência oficial da Câmara, segundo parlamentares presente. A menção ao episódio, que marcou seu primeiro mandato como presidente, foi interpretada por aliados como indicação de que o PT não deve se arriscar novamente.
Um dos mais incomodados com o aceno a Lira é o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que tenta convencer os petistas a não negociarem com o Centrão a aprovação da PEC. O parlamentar, adversário político do presidente da Câmara em Alagoas, criticou publicamente a proposta do governo de transição. “A aliança com o Centrão apavora porque sinaliza descompromisso com a política fiscal”, publicou nas redes sociais na sexta-feira passada.
Na avaliação de Renan, ao aprovar a PEC, o PT também vai validar o orçamento secreto, pois manteria os recursos previstos no ano que vem para as chamadas emendas de relator, mecanismo pelo qual o governo Bolsonaro passou a contemplar parlamentares aliados com mais recursos que os demais em troca de apoio no Congresso. Desde que assumiu o comando da Câmara, em 2021, Lira se tornou um dos principais operadores dos repasses, negociando com as bancadas de cada sigla.
Embora críticos às emendas de relator ao longo do governo Bolsonaro, petistas já admitem m acordo pela manutenção do mecanismo em nome da governabilidade.
No fim da semana passada, integrantes da cúpula do MDB aguardavam um contato de Lula para tentar expor as divergências em uma conversa reservada. Esse encontro, porém, ainda não aconteceu. A avaliação do grupo é que o futuro presidente está dando sinais trocados em relação à posição que quer adotar no Congresso e, enquanto não definir uma estratégia, haverá fragilidade na base.
Renan e Isnaldo Bulhões (MDB-AL), líder do partido na Câmara, têm negociado com interlocutores do União Brasil a formação de um bloco conjunto — serão 101 deputados e 20 senadores — para pressionar o PT a se posicionar contra Lira. O PSD também chegou a ser procurado para integrar o grupo, mas na semana passada o presidente da sigla, Gilberto Kassab, antecipou que sua bancada apoiará a reeleição de Lira em fevereiro.
O presidente do União, Luciano Bivar (PE), quer se lançar candidato à presidência da Câmara e diz já ter conversado com Bulhões para montar um bloco numeroso na Câmara. Além do comando da Casa, a ideia é poder disputar cargos na Mesa Diretora.
A intenção de Bivar de concorrer, contudo, sofre resistência na bancada. O líder do União, Elmar Nascimento (BA), é um dos principais aliados de Lira no Congresso. Questionado se será adversário de Lira mesmo sem ter o apoio de mais partidos, Bivar pontua que não irá “se meter em nenhuma aventura”.
— Em política você tem que ter um contraponto. Tudo que corre sem um contraponto é risco. Mas o União Brasil não tem força para ter um contraponto isoladamente, nem vai se meter em nenhuma aventura.
Além do apoio velado de integrantes do PT, Lira também conta com o respaldo de parlamentares de outros partidos que compõem a aliança de Lula, como PSB e PDT. Nos bastidores, sua influência é atribuída ao controle que tem do orçamento secreto. Por isso, ele conta com o desbloqueio de R$ 8 bilhões em emendas de relator contingenciados pelo atual governo para cumprir acordos já firmados com aliados. Procurado, Lira não comentou.
O governo nas eleições na Câmara
Deputado do ‘baixo clero’ se elegeu em 2005
Sem um acordo para lançar um candidatura única à presidência da Câmara em 2005, no primeiro mandato de Lula, o PT se dividiu em dois nomes — Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgilio Guimarães (MG). O resultado do racha foi a eleição de Severino Cavalcante (PP-PE), que havia se lançado de forma independente ao comando da Casa. Considerado do chamado “baixo clero”, grupo formado por parlamentares que não costumam se destacar, Severino pouco ficou no cargo. Cinco meses após assumir, renunciou diante de suspeitas de corrupção.
Cunha derrotou petista bancado por Dilma
Dez anos depois do episódio Severino, um governo petista viu novamente sua base aliada se dividir e o deputado Eduardo Cunha, então do PMDB, ser eleito presidente da Câmara, em 2015. Na época, Dilma Rousseff insistiu em lançar Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa contra o peemedebista, o que gerou críticas à falta de habilidade política da petista. Naquele mesmo ano, Cunha deu início ao processo que culminou no impeachment de Dilma . A exemplo de Severino, renunciou antes de completar o mandato após ser alvo de um processo de cassação.
Maia firmou aliança ampla para se reeleger
Em 2019, no primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência da República, o deputado Rodrigo Maia, na época do DEM, conquistou a reeleição no comando da Câmara com o apoio de partidos de todos os espectros políticos. Na ocasião, o governo não se posicionou oficialmente na disputa. O PSL, então partido de Bolsonaro, se dividiu e, embora tenha participado do bloco que deu sustentação a Maia, teve a candidatura avulsa do deputado General Peternelli (SP). Ao longo do mandato, Maia manteve uma relação de altos e baixos com o Palácio do Planalto.
Com apoio de Bolsonaro, Centrão volta ao poder
Após desavenças com Maia, Bolsonaro decidiu apoiar a candidatura de Arthur Lira (PP-AL) para a sucessão na Câmara, selando a aliança que havia firmado no ano anterior com o Centrão. Além da eleição de um aliado do Palácio do Planalto, a vitória do deputado do PP representou o retorno do grupo político ao comando da Casa após a renúncia de Cunha. Na disputa, o deputado do PP derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), que havia sido lançado por Maia com o apoio de partidos de oposição. Agora, o cacique do Centrão tenta costurar acordos com o novo governo para se reeleger.