Alunos de colégio de Curitiba ameaçam colegas ‘petistas’
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No filme alemão “A Onda” (2008), uma personagem vestida de vermelho entra na sala de aula e é julgada pelo olhar dos colegas, todos de branco. Por pensar diferente, ela não se encaixava ali, e acaba excluída das discussões da disciplina de autocracia — uma forma de governo em que o poder está concentrado em um único governante.
Na segunda-feira (1º), após o segundo turno das eleições, as duas filhas da advogada Janaina Santos fizeram questão de ir de vermelho ao Colégio Marista Santa Maria, onde estudam, em Curitiba. Como numa releitura do filme, as estudantes receberam uma enxurrada de gritos da maioria dos alunos no saguão do colégio, vestidos de verde e amarelo.
“No domingo, minhas filhas disseram: ‘Eles [estudantes] estão se organizando, vai todo mundo de verde e amarelo’. Eu pensei, bem, se eles estão indo com as cores que os representam, minhas filhas também podem ir de vermelho”, lembra Janaina.
Ela só não esperava as cenas que veria em vídeos de celular no dia seguinte. As meninas, uma no ensino médio e outra no ensino fundamental, responderam às provocações de alunos favoráveis ao candidato derrotado nas urnas, Jair Bolsonaro (PL), e insatisfeitos com o resultado das eleições. No intervalo, estenderam sozinhas uma bandeira do PT num piso superior do saguão e foram alvo de gritos e gestos agitados dos demais alunos.
“Chegou um piá do ensino médio e empurrou minha filha de 11 anos. Ela não chegou a cair. Depois os alunos contaram que alguns cuspiram na minha filha mais velha, na hora ela nem viu”, relata. “Elas sempre defenderam melhorias sociais, MST e não sei mais o quê. Já ouviram de colegas ‘petista tudo tem que morrer'”, lembra.
Como uma “onda”, outros colégios de elite de Curitiba tiveram manifestações políticas de alunos revoltados com o resultado das eleições: casos de intolerância política viralizaram na internet. No Colégio Positivo Ângelo Sampaio, alunos de verde e amarelo estenderam bandeiras do Brasil e gritaram “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.
No Colégio Bom Jesus, onde a mensalidade é cerca de R$ 1.900, alunos foram suspensos por pegar a toalha com estampa do PT de um colega e urinar nela dentro do banheiro.
Ana* conta que seus filhos já sofreram bullying político dentro de um desses colégios. Um dos garotos foi tratado como “filho da puta petistinha”, conta ela, que considera transferi-los. “É grave. Está cansativo. A gente sempre priorizou uma educação inclusiva, a culpa não só do colégio, é de toda a comunidade”, afirma.
Colégio Marista Curitiba.
jovens de 14 a 17 anos. pic.twitter.com/d7cfkyn2uA— Elise Cavi (@EliseCavi) November 1, 2022
Além dos corredores dos colégios particulares de Curitiba, os estudantes interagem em grupos de WhatsApp intitulados “Geração Verde e Amarela”.
“Quem vai ser o herói que vai matar o Lula [?]”, escreveu um dos participantes. “A 12 do meu pai chegou sexta-feira kkk”, dizia uma mensagem. “Vou atirar em feminista”, afirmou outra, com emojis de smiley face e estrelas nos olhos. Alguns adolescentes também trocam mensagens citando preço de metralhadora. “Vamo compra arma.”
“Meu filho estava num grupo desses. Pedi para ele sair porque estava muito pesado”, relata a mãe, que compartilhou print screens com a reportagem.
Deixando os filhos no Colégio Positivo Ângelo Sampaio nesta quinta-feira (3), alguns pais ouvidos pelo TAB consideram que os embates políticos de alunos nas escolas são manifestações legítimas. “Eles também estão lutando pela política, pela primeira vez na vida estamos vendo os jovens preocupados com isso também. Tudo tem um limite, mas cantar o hino do Brasil no intervalo está ok”, diz a pedagoga Letícia Ribeiro, mãe de um dos estudantes.
Pai de outro aluno, o autônomo Silmar Silva considera que as eleições foram “esquisitas”. “Todo mundo está vendo, até os adolescentes. E eles têm todo direito de se manifestar. É uma democracia, né? Eles estão dando a posição deles.”
Já Beatriz*, outra mãe, é contrária às manifestações dentro da escola. “É bagunça”, diz. “Ninguém estuda nada de política. Eles só repetem o que ouvem em casa, que é a intolerância e o ódio.”
Na terça-feira (1º), após a confusão no colégio, Janaina ponderou sobre a ida das filhas à escola. A mais velha faltou às aulas por não se sentir bem depois do episódio. “Vieram me falar que [os estudantes] estavam falando que iam fazer rodinha e iam bater nelas, porque estavam fazendo manifestação, sabe? Fico preocupada”, relata.
Janaina é advogada cível e da família. Estudou ciências sociais na UFPR (Universidade Federal do Paraná) por dois anos, mas não concluiu o curso. Conta que estimula o senso crítico das filhas. As garotas não participam da “Geração Verde e Amarela”.
“Minhas filhas assistiram a vários filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, o nazismo. A mais velha lê muito. Lembro de ela perguntar, depois de ler ‘Fahrenheit 451’ [de Ray Bradbury]: ‘Mãe, por que eles fazem isso, queimam os livros?'”, lembra.
Para Janaina, é preciso aprofundar as discussões sobre democracia e liberdade nos colégios — e sobre a “bolha”, a condição privilegiada dos estudantes nessas instituições particulares (no Marista, a mensalidade é cerca de R$ 2.200). “Muito se fala sobre solidariedade etc. Mas ninguém ali sabe o que é passar fome.”
Procurado pelo TAB, o Colégio Marista Santa Maria repudiou “todos os tipos de violência, seja ela verbal, simbólica, psicológica ou física”. O Colégio Positivo Ângelo Sampaio declarou, em nota, que “a liberdade de expressão é um dos valores que defende dentro e fora da escola”. Por fim, o Colégio Bom Jesus considerou as ocorrências atípicas e pontuais, e informou que a instituição continuará conduzindo seus projetos pedagógicos, inclusive um programa focado nos “valores humanos, privilegiando o respeito, o diálogo e a tolerância”.