Bolsonaro quebrou o MEC

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Ao assumir o cargo, a nova ministra ou o novo ministro da Educação terá de lidar com cortes bilionários sofridos pela pasta durante o governo Jair Bolsonaro (PL), impactos da pandemia sobre a aprendizagem, evasão escolar, insegurança alimentar e saúde mental dos estudantes. Para estancar a crise, o MEC precisará exercer um papel articulador, de modo a coordenar ações entre estados e municípios. O grande desafio será retomar a força e o protagonismo do ministério.

Entre os principais nomes cotados para comandar um dos ministérios mais importantes para o governo eleito, está Izolda Cela (sem partido), governadora do Ceará. Inicialmente citado, o ex-ministro Fernando Haddad (PT) já manifestou a aliados sua preferência por um órgão da área econômica.

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam que, nos últimos anos, o MEC teve uma postura omissa e, ao mesmo tempo, fragilizada, diante dos cortes orçamentários sofridos pela pasta. Por isso, um desafio central da próxima gestão será “reconstruir” o ministério, a partir da recomposição do orçamento e do papel de protagonista do MEC na relação com os demais entes federativos.

“Nos últimos quatro anos, o que a gente teve foi uma desconstrução dessa articulação. Um Ministério da Educação que – não apenas durante a pandemia, mas também antes e depois dela – não buscou coordenar uma política nacional junto aos estados e municípios”, avalia Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo da ONG Todos Pela Educação.

“O protagonismo aqui não é no sentido de o Ministério da Educação começar a centralizar um monte de ações, federalizar a educação, disparar um monte de programas diretamente para as escolas – em alguns momentos, isso ocorreu nas últimas décadas –, mas, sim, um MEC protagonista, que realiza a coordenação, articulação, indução de políticas que precisam ser avançadas, e o apoio técnico aos mais frágeis. É desse MEC que a gente precisa”, explica Nogueira.

Além da retomada do pacto federativo na educação, o novo governo precisará lidar com uma série de atrasos no sistema de ensino básico e superior. Parte deles constituem resultado da pandemia de Covid-19 e da falta de ação da gestão atual.

Os especialistas elencam alguns deles:

Atraso na alfabetização;
Aumento na taxa de evasão;
Adoecimento mental de estudantes; e
Falta de financiamento das universidades públicas federais.

Para Nogueira, a próxima gestão precisará atuar, de forma vigorosa, para lidar com os efeitos da emergência sanitária, não só na aprendizagem. Durante a campanha, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sinalizou a intenção de promover o que ele chama de “mutirão” para diminuir as desigualdades geradas no período pandêmico.

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), destaca: “Tivemos um retrocesso, diante de um cenário que aumentou a evasão e o abandono, e reduziu os avanços já conseguidos anteriormente. Tivemos dificuldade de garantir atividades escolares para os alunos, o que prejudicou bastante o processo de aprendizagem. A pandemia trouxe uma fragilidade e acendeu crises, inseguranças e dificuldades de relacionamentos”.

Para a especialista, ações para mitigar os efeitos da pandemia na área já deveriam ter sido executadas, “mas não ocorreram por inércia e descaso do MEC”. Com o retorno das aulas presenciais, Anna Helena relata algumas das principais dificuldades enfrentadas.

“[Crianças e adolescentes] estão com problema de aprendizagem, devido ao tempo em aulas remotas. Também temos visto episódios de insegurança, medo, dificuldade de acreditar na própria capacidade de aprender, relacionar-se, viver em espaços coletivos”, cita. “E isso acrescido de uma situação de tensão na sociedade. Nós temos visto acontecer nas escolas situações de violência, de intolerância.”

Aprovado no Senado, o Sistema Nacional de Educação (SNE) é visto como parte essencial para melhorar as discussões entre entes federativos e avançar na definição de diretrizes comuns para a educação no país. No chamado “SUS da Educação”, os diálogos seriam feitos por meio das comissões tripartites (entre União, estados e municípios) e bipartites (entre estados e municípios).

Em um país com dimensões continentais, como o Brasil, “ter regras claras de pactuação federativa para fazer com que a Federação funcione de maneira articulada, preservando as autonomias de cada um dos entes, é absolutamente importante”, define Nogueira.

“Senão você tem cada um remando para um lado, esforços muito heterogêneos; assim, dificilmente você consegue avançar em âmbito nacional. E, mais do que isso, não consegue enfrentar o desafio da desigualdade. Cada estado fica solto, fazendo o que bem entende e conforme as suas próprias capacidades”, avalia.

Os últimos anos foram de ataques, cortes e falta de diálogo com as universidades públicas, pontua Ricardo Marcelo Fonseca, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

“Foram momentos de dificuldades e, inclusive, de desrespeito, a exemplo de quando o ministro da Educação falou que as universidades eram lugar de balbúrdia e de produção extensiva de drogas”, lembra Fonseca.

“Nesse debate público que assumiu tons extremistas, lastimavelmente, em vários momentos, as universidades públicas foram alvo.”

Para o especialista, a medida mais urgente é a recomposição do orçamento. Desde 2016, o valor investido nas instituições de ensino superior cai gradualmente. “A tragédia orçamentária absoluta precisa ser revertida agora. Isso é uma questão de sobrevivência; senão, as universidades não conseguem se estruturar e funcionar”, frisa.

A falta de verba tem como consequência a dificuldade de manter em funcionamento serviços básicos, como limpeza, iluminação, manutenção de equipamentos e vigilância. Além disso, esse contexto impede investimentos em novas obras, contratação de pessoal e reajuste de bolsas de pesquisa.

O presidente da Andifes também ressalta a importância de fortalecer agências de desenvolvimento de ciência e tecnologia, a exemplo da Capes e do CNPQ – vinculados, respectivamente, ao MEC e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

Metrópoles