Equipe jurídica da transição repudia lavajatismo

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Foto: Cristiano Mariz / O Globo e Divulgação

Um dos principais temas que dominaram a campanha presidencial, o combate à corrupção começou a ser discutido dentro da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As medidas iniciais a serem debatidas a partir desta semana pelos grupos técnicos incluem desde mudanças nos acordos de cooperação internacional até o destino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão voltado para combater a lavagem de dinheiro.

O grupo técnico para discutir a agenda anticorrupção e temas judiciários é formado majoritariamente por advogados e juristas críticos à Operação Lava-Jato. Esse alinhamento não tem impedido divergências durante os debates do grupo de transição. Um caso é justamente a destinação do Coaf, órgão que se tornou um dos principais instrumentos de investigações de crimes do colarinho branco.

Durante apurações de órgãos como Ministério Público e Polícia Federal sobre esquemas de corrupção, cabe ao Coaf informar transações financeiras suspeitas — aquelas que se encaixam em parâmetros definidos por lei, como depósitos fracionados em espécie ou transferências vultuosas. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Coaf ficaria sob a gestão do então ministro da Justiça Sergio Moro, que indicou um aliado para comandar o conselho. No entanto, o Congresso barrou essa iniciativa para limitar o poder do ex-juiz. O órgão acabou ficando na estrutura do Ministério da Economia. Depois, passou para as mãos do Banco Central.

Para o advogado Marco Aurélio Carvalho, um dos integrantes da transição, o órgão deveria voltar ao Ministério da Justiça, que deve ser comandado por um nome de confiança de Lula.

— Acho que o Coaf teria que voltar para o Ministério da Justiça. Isso vai ser discutido na transição. É no Ministério da Justiça que se discute inteligência e estratégia, já que a pasta tem a PF (Polícia Federal) e reúne todos os órgãos de inteligência para combater lavagem de dinheiro e crime organizado. Não vejo muito sentido o Coaf ficar fora de lá, mas ainda é muito cedo para discutir isso na transição — disse Carvalho ao GLOBO.

A avaliação não é consenso no grupo. O advogado Juliano Breda, especialista em lavagem de dinheiro e que também integra a transição, tem outra opinião e argumenta que a tendência internacional é que o Coaf tenha uma atuação independente dos órgãos de investigação, estes sob supervisão do Ministério da Justiça. Para ele, não há problema na manutenção sob o guarda-chuva da área econômica.

— A unidade financeira deve ser independente e não pode ser cooptada pelos órgãos de investigação até para se evitar que seja manipulada e direcionada a serviço específico de uma investigação seletiva. Essa é a concepção das unidades financeiras em todo o mundo, de não existir uma vinculação ou subordinação com unidades responsáveis pela investigação criminal. Não vejo hoje que a localização do Coaf no Ministério da Fazenda seja propriamente um problema na independência e na atuação do Coaf — diz Breda.

Outro ponto que mobiliza debates no grupo técnico são os acordos de cooperação internacional assinados com outros países para o combate à lavagem e à corrupção. Advogado de Lula nos casos da Lava-Jato, Cristiano Zanin também integra o grupo técnico, e avalia que informalidades flagradas em acordos de cooperação internacional durante a operação serviram para anular processos, o que deve ser evitado:

—Algumas condutas aconteceram à margem do procedimento previsto. Muitas foram informais, quando o acordo entre países prevê procedimentos escritos que passam pela autoridade central. Não observaram os ritos, o que gerou em alguns casos anulações de processos e investigações. Então é preciso avaliar como aprimorar isso para que os mecanismos dessas cooperações possam ser fortalecidos sem gerar nulidades processuais, como ocorreu no âmbito da Lava Jato — afirma Zanin.

Os acordos internacionais foram utilizados pela força-tarefa da Lava-Jato para rastrear pagamentos de propinas e caixa dois no exterior em mais de 30 países. Ao longo das investigações, foi descoberto que a construtora Odebrecht fazia repasses de recursos por meio de empresas sediadas no exterior e que o marqueteiro João Santana recebeu dinheiro em offshores enquanto prestava serviços para campanhas de candidatos do PT. Tanto a empreiteira como o publicitário, em acordos de delação premiada, confessaram as transações. A própria defesa de Lula chegou a contestar na Justiça os pedidos de cooperação feitos por autoridades brasileiras ou dos Estados Unidos para obter informações de inquéritos do esquema na Petrobras.

Zanin cita como exemplo questionamentos feitos à Lava-Jato pela quebra de sigilo de dados de aparelhos BlackBerry de investigados na operação. Na ocasião, a troca de informações se deu sem que houvesse um acordo de cooperação com o Canadá, onde a empresa responsável por fornecer os dados era sediada.

— Toda atividade estatal precisa estar documentada, até para que se possa saber se tudo ocorreu dentro do devido processo legal — diz.

Temas em discussão
Equipe de transição debate medidas de combate à corrupção

ACORDOS DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

A equipe designada por Lula para discutir a agenda anticorrupção pretende propor mudanças nos termos de acordos internacionais. A ideia é prever regras mais claras para troca de informações que podem subsidiar investigações.

CODEVASF

Outra medida prevista é um pente-fino nos contratos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Nos últimos anos, o órgão foi utilizado para o pagamento do orçamento secreto, sobretudo para o Centrão.

PETROBRAS

O núcleo da transição planeja ainda colocar lupa sobre o relacionamento da Petrobras com fornecedores. O objetivo é evitar erros cometidos no passado que abriram brecha a escândalos de corrupção envolvendo empresas e diretores da estatal.

COAF

Integrantes da transição vão discutir se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deve continuar vinculado ao Banco Central (BC), como é hoje, ou voltar a ser subordinado ao Ministério da Justiça, como no passado.

Ao longo do governo Bolsonaro o órgão de controle saiu da Justiça e foi para o BC

Ao analisar a Medida Provisória que montou o governo Bolsonaro, em maio de 2019, a Câmara transferiu o Coaf do Ministério da Justiça, então comandado por Sergio Moro, para a pasta da Economia.

A pedido de Flávio Bolsonaro, o presidente do STF, Dias Toffoli, concedeu, em julho de 2019, liminar suspendendo processos em que dados bancários detalhados foram compartilhados sem autorização do Judiciário.

A liminar concedida por Toffoli foi criticada pelo então presidente do Coaf, Roberto Leonel, o que irritou Bolsonaro. Leonel havia sido indicado por Moro.

Bolsonaro assinou em agosto de 2019 uma MP transferindo o Coaf do Ministério da Economia para o BC e rebatizando o órgão de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Leonel foi exonerado.

A maioria dos ministros do STF votou, em novembro de 2019, para liberar o compartilhamento de dados com o Ministério Público e a polícia, mesmo sem decisão judicial prévia.

Em dezembro de 2019, o Senado aprovou a MP que transferiu o órgão de controle para o BC e validou alteração feita pela Câmara recuperando do nome Coaf.

Alguns integrantes do Núcleo de Justiça

Flávio Dino (PSB)

Ex-governador do Maranhão e senador eleito. É cotado para assumir o Ministério da Justiça

Cristiano Zanin

Advogado que defende Lula em ações criminais

Marco Aurélio Carvalho

Advogado, coordenador do grupo Prerrogativas

Juliano Breda

Advogado especialista em lavagem de dinheiro

O Globo