Especialistas sugerem mais peso técnico na transição
Foto: Pedro Ladeira – 8.nov.22/Folhapress
O gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conta com 31 grupos, somando 320 pessoas entre políticos e técnicos das mais diversas áreas. Para especialistas em gestão pública, é necessário que haja um equilíbrio entre o técnico e o político nesse modelo.
“Justapõe a técnica com a política. A política é fundamental e, comparada com a transição de 2002, ela é mais importante [neste momento]. A gente saiu de uma eleição polarizada, e não está muito clara ainda a montagem do próprio governo de coalizão em termos de um arranjo de governabilidade”, diz o professor Fernando de Souza Coelho, do curso de gestão de políticas públicas da USP.
Dentro desse escopo do processo de transição existe também o papel do servidor público. Pela lei, a indicação do assessor administrativo “recairá, preferencialmente, sobre servidor ou servidora federal, com experiência em gestão administrativa, que tenha acesso aos sistemas da administração federal”.
“Ele [servidor] integra a estrutura permanente do Estado, não compõe um governo ou outro, e tem o compromisso com os valores constitucionais, as leis que regem a administração pública, inclusive com aquelas políticas públicas normativamente definidas e estruturadas”, diz Murilo Gaspardo, professor assistente do departamento de direito público da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
“No momento de mudança de governo, seja municipal, estadual ou federal, o primeiro compromisso do servidor público é garantir a continuidade do funcionamento da administração pública”, afirma o professor.
Gaspardo também entende que cada projeto que sai vitorioso das urnas tem uma determinada visão de Estado, uma concepção de política de educação, de cultura, de ciência e tecnologia, de assistência social. Então é natural que as forças políticas participem desse processo.
“Há um movimento de mão dupla. A construção das políticas públicas do governo que se inicia, apesar das diretrizes serem predefinidas pelo debate político, se alimenta de informações técnicas que vão formular as diretrizes gerais do novo governo. Essas diretrizes vão ganhar forma técnica e jurídica para serem concretizadas. O processo é híbrido.”
Maria Tereza Fonseca Dias, professora associada do departamento de direito público da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), segue a mesma linha.
“Eles [servidores] vão municiar o gestor com dados de ordem técnica para decisões de ordem política. Não tem como separar isso. É como no governo em geral. Tem cargos de livre nomeação e exoneração e que pode prover com pessoas com perfil técnico como também com perfil político.”
A professora explica que as pessoas que foram convidadas a fazer parte da equipe de transição também são consideradas agentes públicos, pois elas têm um vínculo com a União, ainda que em caráter transitório.
“Como a escolha é de livre nomeação e exoneração do novo mandatário, o que vai acontecer é que ela pode ser orientada tanto por questões de caráter técnico como de caráter político. Vai ter ordens técnicas que precisam orientar tomadas de decisão, e ao mesmo tempo é preciso ter agentes que vão auxiliar o presidente e o vice a tomarem decisões políticas”, diz Maria Tereza.
De todos os mais de 300 escolhidos para compor a equipe de transição, a lei determina que somente 50 serão nomeados em cargo comissionado. Os demais vão atuar como colaboradores, como voluntários, sem receber salário.
O professor Fernando Coelho atribui o grande número de pessoas dentro da equipe à frente ampla criada pelo agrupamento político da chapa de Lula, a vencedora das eleições.
“Ninguém imaginava que ela [equipe] seria tão ampla. Essa amplitude de diversidade tem uma simbologia, de ser representativa dessa frente, mas ela também tem um caráter de montar equipes multidisciplinares, ou com pessoas representantes de diversos movimentos em prol da montagem de um plano de governo que a gente não teve o detalhamento.”
Outro ponto destacado pelos professores especialistas é a responsabilidade do servidor dentro de todo o processo de transição. Tanto os que são permanentes quanto os que são transitórios, a legislação prevê um conjunto de responsabilidades.
“Eles têm a obrigação de fornecer à coordenação de transição do novo governo as informações corretas e verdadeiras que se fizerem necessárias. Podem ser responsabilizados tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial se dolosamente sonegarem informações ou mesmo transmitirem informações sabidamente falsas”, diz Gaspardo.
“A lei é uma garantia de que a transição vai ocorrer conforme está previsto. Já acompanhei caso em que um prefeito eleito precisou chamar um chaveiro para entrar na prefeitura porque o mandatário não foi transmitir o cargo, não aceitou. Para ver que nível pode chagar a ausência de um procedimento”, diz Maria Tereza.