Justiça analisa hoje recurso dos assassinos do Carandiru

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Foto: Mônica Zarattini/Estadão Conteúdo/Arquivo

A Justiça de São Paulo deve julgar nesta terça-feira (22) recursos da defesa dos policiais militares condenados pelo caso que ficou conhecido como o Massacre do Carandiru. Em 2 de outubro de 1992, 111 presos foram mortos durante invasão da Polícia Militar (PM) para conter rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção.

Com a decisão da semana passada do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, que manteve as condenações de 74 agentes da PM pelos assassinatos de 77 detentos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deverá analisar somente dois pedidos dos advogados dos réus: um que trata da dosimetria das penas e outro sobre o regime de prisão.

O entendimento dos desembargadores do TJ-SP é o de que não há mais como recorrer das condenações já que há uma decisão judicial de última instância sobre elas.

O advogado Eliezer Pereira Martins quer a redução das penas de seus clientes e também pede que o cumprimento delas seja em prisão domiciliar (leia mais abaixo). Como cinco dos policiais morreram nos últimos anos, atualmente 69 agentes continuam condenados. Apesar disso, nenhum deles foi preso pelos homicídios dos detentos em 30 anos do caso do Massacre do Carandiru.

Os demais 34 presos teriam sido mortos a facadas pelos próprios companheiros de celas durante o conflito, que foi transmitido à época por emissoras de TV.

Para o Ministério Público (MP) os policiais executaram detentos que já estavam rendidos. Os PMs alegaram ter atirado em legítima defesa para se proteger dos detentos, que segundo eles, queriam fugir e estavam armados com revólveres e facas e os ameaçavam. Vinte e dois policiais ficaram feridos na ação, mas nenhum deles morreu.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, reconheceu, na última quinta-feira (17), o trânsito em julgado de duas decisões que mantiveram a sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Massacre do Carandiru. Em 2021, o STJ havia restabelecido as decisões dos julgamentos do caso que tinham condenado os policiais pelos homicídios dos presos.

Antes, em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo tinha anulado todos os cinco julgamentos dos PMs no caso do Carandiru. Os desembargadores da 4ª Câmara Criminal do órgão alegaram que os jurados condenaram os agentes em desacordo com as provas do processo, determinando novos júris.

Entre 2013 e 2014, a Justiça paulista fez cinco júris populares sobre o caso do Massacre do Carandiru. Os PMs foram julgados e a maioria dos jurados os consideraram culpados pelos crimes. Eles receberam penas que variam de 48 anos a 624 anos de prisão. Pela lei brasileira, porém, nenhuma pessoa pode ficar presa por mais de 40 anos por um único crime.

No mês passado, o caso completou três décadas. Mas, desde então, nenhum agente da PM foi preso pelos homicídios dos detentos ou cumpriu pena por eles.

Segundo juristas ouvidos pela reportagem para comentar o assunto, o termo “trânsito em julgado” significa que a decisão do STF sobre as condenações foi mantida e, em outras palavras, não pode ser mais contestada na Justiça.

“Se encerrou a via recursal. Não cabe mais recurso, precluiu esse assunto que foi tratado. A decisão do STF foi em última instância”, disse ao g1 o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch. “As condenações foram mantidas, não vão ser mudadas mais.”

Em agosto, Barroso já havia negado um recurso da defesa dos policiais militares para anular os julgamentos que condenaram os agentes. O ministro também tinha rejeitado um pedido do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que queria a manutenção das condenações.

Desse modo, segundo Maierovitch, existe a possibilidade de que os PMs condenados sejam presos futuramente. “Como não cabem mais recursos, vão ser expedidas ordens de prisões. O TJ, por exemplo, poderia decidir sobre mandados de prisão. “O mandado de prisão é expedido quando não tem mais recurso.”

O julgamento dos recursos da defesa dos PMs no TJ está marcado para começar às 10h desta terça. Ele será virtual, feito por videoconferência. Votarão três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do TJ: o relator Roberto Porto, Camilo Léllis e Edison Brandão.

Em 2018, Camilo Léllis e Edison Brandão haviam votado pela anulação dos júris do Massacre do Carandiru e determinaram que novos julgamentos fossem feitos. Ivan Sartori, outro desembargador, tinha sugerido a absolvição dos PMs, mas foi voto vencido. Ele se aposentou e foi substituído por Roberto Porto. Camilo e Edison continuam em seus cargos.

O procurador Maurício Antonio Ribeiro Lopes irá representar o MP nessa audiência. O advogado Eliezer Pereira Martins defenderá os interesses dos PMs condenados.

O g1 não conseguiu localizar os desembargadores e o procurador para comentarem o assunto. Procurado pela reportagem, Eliezer disse que “somente falarei após o julgamento”.

A defesa tenta a redução das penas dos PMs para algo em torno de 12 anos de reclusão, como ocorre em homicídios simples. E quer que as condenações sejam cumpridas nas casas de seus clientes. A alegação é a de que não há vagas suficientes no Presídio Romão Gomes, que é da Polícia Militar e fica na Zona Norte da capital, para acomodar os 69 agentes condenados.

Eliezer também pediu que os desembargadores analisem mais cinco pedidos: anulação das condenações dos réus; perícia nas armas dos PMs; marcação de novos júris; absolvição sumária deles e suspensão temporária do processo até que o STF decida a respeito de revisões de condenações em geral em júris populares.

Procurado em outras ocasiões para comentar o assunto, Eliezer havia dito que preferia se referir ao caso como “contenção do Carandiru” em vez de “massacre”.

“Os soldados pegaram em armas para cumprir as ordens superiores. Eu atribuo a condenação deles nos cinco júris a uma estratégia do MP de responsabilizar quem estava na ação, sem nenhuma individualização de condutas, poupando quem ordenou a ação”, falou o advogado numa das ocasiões.

Apesar dessas tentativas da defesa, especialistas em direito disseram à reportagem que tais pedidos acima podem ser ignorados pelo TJ. O motivo é que eles já teriam sido analisados antes por STJ e STF. E pela lei, órgãos inferiores da Justiça não podem mudar decisões de instâncias superiores.

“O que o MP aguarda é que sejam mantidas as penas que foram definidas nas sessões de julgamento. Qualquer pedido que não se refira à dosimetria da pena não deve ser reapreciado, pois isso já foi definido pelo STJ e STF”, disse ao g1o promotor Márcio Friggi, que acusou os PMs pelos crimes e participou dos julgamentos que condenaram os agentes.

“Ouvimos muitos disparos de metralhadoras, disparos e ações dos próprios policiais, pegando os estiletes dos egressos e matando a punhalada, a estiletada, os presos que estavam sob a tutela do Estado”, contou à reportagem Luiz Paulino, ex-detento e sobrevivente do Massacre do Carandiru.

Em três décadas ocorreram seis julgamentos do Massacre do Carandiru.

O tenente-coronel Ubiratan Guimarães, comandante das tropas da Polícia Militar que invadiu a Casa de Detenção, chegou a ser condenado pela Justiça, em 2001, a 632 anos de prisão pelos assassinatos de 102 presos.

Nenhuma autoridade da Secretaria da Segurança Pública (SSP) ou do governo paulista foi responsabilizada pelas mortes no Carandiru. Segundo o MP, a ordem para invadir partiu do coronel Ubiratan.

Em 2006, no entanto, Ubiratan se tornou deputado estadual pelo PTB e passou a ter foro privilegiado. Julgado naquele ano pelo Tribunal de Justiça (TJ) em São Paulo, ele foi absolvido. Os magistrados consideraram que o então PM não participou da ação.

Ubiratan foi assassinado em 2006, dentro do seu apartamento. Uma namorada dele foi acusada de envolvimento no crime, mas foi absolvida pela Justiça.

Entre 2013 e 2014, ocorreram mais cinco júris populares, com 74 policiais condenados pelos homicídios de 77 detentos. As penas que eles receberam variam de 48 anos a 624 anos de prisão.

Como cinco dos PMs condenados morreram, 69 agentes terão as penas revisadas pelos desembargadores da 4ª Câmara do TJ.

Em agosto, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou um projeto que anistia os policiais militares processados ou punidos pela atuação no Massacre do Carandiru.

O texto, do deputado Capitão Augusto (PL-SP), ainda será votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa antes de seguir para o plenário.

O parlamentar argumentou que não há “respaldo constitucional para a condenação desses profissionais sem elementos individualizados que apontem a relação entre os fatos delituosos e a autoria”.

G1