Lula decide não montar grupo técnico para Defesa

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Foto: André Coelho/ Agência O GLOBO

Diferentemente do que ocorreu em todas as outras áreas, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desistiu de compor um núcleo temático para tratar dos temas relacionados à Defesa, como estava previsto inicialmente. Nesta segunda-feira, ele comunicou a um grupo de militares a sua decisão de definir até a semana que vem o ministro e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. O mais cotado para assumir o posto é o ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro, como mostrou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.

Pelo novo desenho, a Defesa será a única área que não contará com um grupo de trabalho específico e será liderada, na transição, diretamente pelo futuro ministro. Esse setor é um dos mais sensíveis para o futuro governo, dado o alinhamento dos militares com o presidente Jair Bolsonaro.

Nos bastidores, o presidente eleito tem deixado claro que não abre mão de escolher um civil para comandar a pasta. Múcio é tido como um político habilidoso, capaz de trafegar com facilidade em temas espinhosos.

Ex-deputado federal, Múcio era líder do PTB quando ocorreu o escândalo do mensalão, detonado pelo então presidente de seu partido, Roberto Jefferson, em 2005, no primeiro governo Lula. O esquema envolvia o pagamento de propina a parlamentares em troca de fidelidade ao governo nas votações do Congresso. Mais tarde, Múcio assumiu a secretaria de Relações Institucionais, que tinha status de ministério, durante o segundo mandato do petista. Na função, tinha como atribuição principal fazer a interlocução com o Congresso. Amigo do presidente, ele passou ainda por siglas como PSDB e o extinto PFL.

Questionado ontem, Múcio negou, no entanto, ter recebido convite para assumir a Defesa.

— Não recebi convite algum — disse ele.

Lula comunicou ontem a um grupo de militares a sua decisão de definir até a semana que vem o ministro e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. Participaram da reunião o ex-ministro Aloizio Mercadante, o senador Jaques Wagner (PT-BA), assim como os brigadeiros Juniti Saito, Nivaldo Rossato e Rui Chagas Mesquita, além dos generais Enzo Martins Peri e José Luiz Dias Freitas.

O plano de Lula de formar um núcleo temático para a Defesa, formato adotada nas demais áreas, não agradava aos atuais comandantes. Eles já sabem que não vão permanecer em seus cargos e, por isso, decidiram antecipar as passagens de comando, que costumam acontecer em janeiro, para antes do Natal. Na Força Aérea Brasileira (FAB), por exemplo, o brigadeiro Baptista Júnior deixa o posto no dia 23 de dezembro.

Militares que têm interlocução com integrantes do futuro governo fizeram chegar à cúpula da equipe de transição que a troca de comando das Forças pode ajudar a arrefecer os atos antidemocráticos, sobretudo em arredores de quarteis. Apoiadores de Bolsonaro têm se aglomerado nas porta de endereços militares para protestar contra o resultado das eleições que deram o terceiro mandato a Lula.

A tendência é que o presidente eleito designe para o comando das Forças os militares mais velhos de cada uma delas. Nesse cenário, assumiria o Exército o general Julio Cesar Arruda, atual chefe do Departamento de Engenharia e Construção. A FAB ficaria sob o comando do tenente-brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, atual chefe do Estado-Maior da Aeronáutica. Já a Marinha seria chefiada pelo Almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire, atual Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).

Nas últimas semanas, Lula vinha sendo pressionado a anunciar os integrantes do grupo de trabalho da Defesa. Este era um dos dois núcleos temáticos previstos no desenho original da transição de governo para os qual não havia sido designado ninguém. O outro é o de Inteligência Estratégica. O plano era definir o ministro da pasta só após a formação do grupo.

Aliados de Lula chegaram a procurar dois militares que atuaram no governo Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o ex-comandante do Exército Edson Pujol, para ajudar na interlocução com a caserna durante a transição. Ambos, porém, declinaram do convite.

A demora, entretanto, alimentou as especulações. Nomes como o dos ex-titulares da pasta Jaques Wagner chegou a ser ventilado como opção para voltar ao posto. Na tentativa de diluir a pressão, o vice-presidente eleito e coordenador da transição, Geraldo Alckmin, chegou a afirmar na terça-feira da semana passada que os membros do núcleo da Defesa seriam conhecidos em até dois dias.

Eleito cinco vezes deputado federal, José Múcio Monteiro era líder do PTB na época em que também então deputado Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão. Jefferson o havia colocado em maus lençóis diante do Conselho de Ética da Câmara ao afirmar que a bancada do PTB tinha discutido e rejeitado a proposta de mesada feita pelo governo petista. Ao colegiado, Múcio negou ter recebido qualquer oferta de dinheiro e disse ter ouvido falar de “mensalão” pela primeira vez em 2004: “A partir de então os comentários começaram a reverberar com mais frequência”.

Pernambucano como Lula, José Múcio Monteiro se tornou um dos parlamentares mais próximos ao então presidente da República. O estilo moderado e conciliador o credenciou para ocupar o posto de líder do governo na Câmara em 2007 e, na sequência, a assumir o cargo de ministro das Relações Institucionais, responsável por fazer a interlocução com o Congresso. Ele mantinha uma bandeira de seu estado na porta do gabinete e costumava oferecer bolo de rolo aos parlamentares: “É o prato típico desse ministério, porque aqui só tem rolo”, brincou, certa vez.

Em 2009, José Múcio Monteiro foi indicado por Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar uma cadeira de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Corte da qual ele também foi presidente, de 2019 a 2020. Múcio antecipou o seu pedido de aposentadoria do TCU para atuar na iniciativa privada. O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, que foi deputado federal com Múcio, sinalizou em mais de uma ocasião que o ex-colega teria lugar em seu governo, caso quisesse se manter na máquina pública.

O Globo