Lula não espera Bolsonaro e começa transição
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
No dia seguinte à vitória nas urnas, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e a direção do PT começaram a planejar a transição de governo, ainda que, até a noite de ontem, o atual ocupante do Planalto não tivesse reconhecido a derrota e sinalizado se vai colaborar com o sucessor. Aliados de Lula admitem esperar dificuldades para trabalhar com o governo de Jair Bolsonaro (PL) até o fim do ano, mas estão dispostos a fazer uma transição independentemente do atual presidente. Um grupo de trabalho foi criado para elaborar uma nova proposta de Orçamento e está em discussão a formação de uma equipe de transição com a presença de economistas liberais, que também poderão participar da reconfiguração da Esplanada, em janeiro.
Pela lei, o presidente eleito pode nomear 50 pessoas para a equipe de transição, com um coordenador. Os mais cotados para a posição são o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, o coordenador do programa de governo, Aloizio Mercadante, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Ela telefonou ontem para o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que foi cordial e se mostrou disposto a colaborar, segundo pessoas próximas a ela. No entanto, na rápida conversa o auxiliar de Bolsonaro não apontou quem do governo vai cuidar da transição.
— Espero que (a transição) siga a normalidade, para o bem do Brasil e do povo brasileiro. Se o presidente Jair Bolsonaro não quiser participar, ok. Mas temos instituições fortes, tanto que o Parlamento está empenhado em fazer essa transição conosco — disse Gleisi à GloboNews. — Vamos nos organizar internamente, montar a equipe, as pessoas, por áreas, por temas que já estamos vendo.
Ontem, o PT criou um grupo de trabalho para formular uma nova proposta de Orçamento ao Congresso. A enviada por Bolsonaro para 2023 é vista pelos petistas como uma peça de ficção, sem espaço para todos os programas sociais. Caberá ao senador eleito pelo Piauí, Wellington Dias (PT-PI), um dos coordenadores da campanha, levar a proposta ao relator do Orçamento, deputado Marcelo Castro ( MDB-PI), que foi ministro de Dilma Rousseff e apoiou Lula.
— A prioridade é discutir o Orçamento. Vamos começar o diálogo com os parlamentares — disse Mercadante.
Ontem, Lula recebeu a visita do presidente da Argentina, Alberto Fernández, e conversou por telefone com outros chefes de Estado. À noite, a previsão era de que viajasse para o litoral da Bahia, onde descansaria até o fim da semana.
Aliados apontam a afirmação de Lula de que não pretende buscar um novo mandato em 2026, como um gesto para distensionar o ambiente político, ampliar o diálogo e ter liberdade para tomar medidas duras, ainda que custem capital político. Nesse sentido, a participação de economistas liberais na transição daria sinal mais concreto de seu compromisso com “responsabilidade fiscal, social e desenvolvimento sustentável” do que a carta vaga que divulgou três dias antes do segundo turno.
Nas articulações da reta final da campanha, Lula enfatizou que precisará de nomes de fora do PT para compor seu governo, particularmente a equipe que será responsável pela estratégia de desenvolvimento econômico. Recebeu o apoio de economistas de linha liberal, como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles e integrantes do grupo que participou da criação e consolidação do Plano Real, como Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha e Arminio Fraga. Ainda sem a escolha por Lula de nomes para pastas importantes, como a Fazenda ou Planejamento, aliados do petista indicam que alguns economistas liberais podem colaborar com o novo governo já a partir da transição, dado o desafio de encontrar uma forma conciliar o equilíbrio das contas públicas com as promessas da campanha de priorizar gastos sociais para combater a fome e a pobreza.
— A presença de pessoas com know-how, experiência de dirigir Banco Central, Ministério da Fazenda, da Economia, Planejamento, nos dá uma segurança de que não vai ser uma coisa da cabeça de um iluminado. Vai ser fruto de um amplo diálogo com um conjunto de pessoas. O Brasil é um paciente que está na UTI. Não é um médico só que vai cuidar dos vários problemas — argumenta Wellington Dias.
Um dos cotados para assumir a Fazenda, Henrique Meirelles disse ao GLOBO que técnicos com inclinação liberal devem participar dos debates e dialogar com integrantes do governo Lula. Ele conta ter reservado 100% do seu tempo para ajudar a campanha na reta final e dialogar com agentes do mercado sobre o pós-eleição.
— Deve haver algo nessa linha (de participação de liberais), é consistente com o que Lula fez no período em que foi presidente. Não adotou linha radical. Foi muito pragmático e foi a razão pela qual o governo dele deu certo. Minha expectativa é nessa direção — diz Meirelles, acrescentando que a pergunta que mais ouve de empresários é como será 2023 com Lula no Planalto.
Lula sabe que nomes do PT ligados à chamada Nova Matriz Econômica, que predominou na gestão de Dilma Rousseff, afastam os economistas que se apresentam para colaborar, mas a chegada dos liberais sofre resistências entre os aliados à esquerda. Nas diretrizes traçadas pelo PT para a campanha, há a defesa de um forte papel do Estado na indução da economia. Na campanha, o deputado Rui Falcão (PT-SP) afirmou que a pressão sobre a indicação de Lula para a Fazenda é para fazer o PT assumir “um programa que não é o nosso”. Já o deputado eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) disse que as ideias de Meirelles “são contrárias às posições que estão no plano de governo”.
No campo político, Gleisi afirmou ontem ter reuniões marcadas a partir de hoje com presidentes de partidos de fora da coligação que elegeu Lula para discutir a transição para o novo governo. Em entrevistas ao longo do dia, citou como foco das conversas MDB, PSD e União Brasil, que não se posicionaram oficialmente no segundo turno da disputa presidencial.
Lula afirmou em discurso no domingo, na Avenida Paulista, que fará um governo amplo, indicando que abrirá espaço para forças políticas de centro, algumas delas que já aderiram à sua campanha no segundo turno da disputa presidencial. Com dez partidos na coligação, o presidente eleito contará com uma base aliadas de 123 deputados a partir da nova legislatura, número abaixo dos 187 eleitos pelas legendas que apoiaram Jair Bolsonaro — além do PL, PP e Republicanos. A intenção do PT é atrair para seu lado ao menos parte de parlamentares dessas siglas, que integram o Centrão, para garantir a governabilidade do novo governo.
— Vamos procurar a partir de hoje (ontem). Vou procurar o presidente Baleia (Rossi, do MDB), o presidente Gilberto Kassab (PSD) e presidente de outros partidos também — afirmou Gleisi. — Sabemos que temos também diálogo e abertura para conversar com o União Brasil. E vamos conversar com todos os partidos que queiram conversar conosco.
Ela se reunirá hoje com os presidentes dos partidos da coligação que elegeu Lula, além dos líderes dessas siglas na Câmara. O objetivo é tratar das pautas que tramitam no Congresso.
— Tem várias pautas tramitando no Congresso Nacional que são importantes para o Brasil e que nós precisamos discutir — afirmou.
Em outra frente, Lula enviou emissários para agendar um encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Não há definição sobre data ou local da conversa — se em Brasília ou em São Paulo —, mas o petista faz questão que a reunião ocorra pessoalmente. Segundo pessoas envolvidas na negociação, o petista quer tratar com Lira sobre o andamento da transição e buscar apoio para encontrar saídas para incluir no Orçamento de 2023 o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e reajuste do salário mínimo acima da inflação — duas das principais promessas de campanha do petista. De olho na reeleição à presidência da Casa, Lira indicou estar aberto a dialogar com o petista.
Além de petistas com quem Lira já tem interlocução, o deputado federal Neri Geller (PP-MT) é outro que irá trabalhar para aproximá-lo de Lula. Ontem, o parlamentar, que fez campanha pelo petista a despeito de seu partido fazer parte da coligação de Bolsonaro, esteve na residência oficial. Segundo apurou O GLOBO, Geller disse ter ido levar uma mensagem de agradecimento do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), pelo pronunciamento do presidente da Câmara reconhecendo a vitória de Lula meia hora após o resultado. No domingo, Lira também foi um dos primeiros a ligar para Lula após o fim da apuração.
Durante a tarde de ontem, o presidente da Câmara se reuniu com correligionários para conversar sobre o resultado das eleições e o futuro da sigla. Na residência oficial, ouviu reclamações sobre a atuação de aliados radicais de Bolsonaro na reta final da campanha. Foram lembrados os episódios de Carla Zambelli (PL-SP), que sacou uma arma para intimidar um apoiador de Lula em São Paulo, e o de Roberto Jefferson (PTB), que jogou granadas e atirou contra policiais federais.
Um dos participantes do encontro, o presidente do PP, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), disse a interlocutores que não há problema de o partido abrir diálogo com o PT sobre uma aproximação, mas seria preciso deixar claro que uma eventual aliança passaria necessariamente pelo apoio à reeleição de Lira na presidência da Casa.
Ao falar à GloboNews, contudo, Gleisi afirmou não ser intenção de Lula se posicionar sobre as disputas pelo comando do Legislativo, marcadas para fevereiro.
— O presidente Lula tem reiteradamente falado que não vai interferir no processo de eleição para a presidência da Câmara ou do Senado. Isso é um assunto interna corporis, cabe aos deputados, às bancadas, à correlação de forças do partido e à construção das candidaturas.
Também de olho em sua reeleição, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), telefonou ontem para Lula para se colocar à disposição do petista para discutir a votação de projetos importantes para o novo governo. Pacheco disse que o Senado estará aberto para “resolver” os problemas urgentes do país.
“Há pouco, liguei para o presidente Lula, eleito neste domingo. Dei a ele os meus parabéns pela vitória e disse também que encontrará no Senado toda a colaboração, com a devida interlocução democrática, para resolvermos os reais e urgentes problemas enfrentados pelos brasileiros”, escreveu Pacheco em suas redes sociais.
Interlocutor de Lula com Rodrigo Pacheco, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) foi escalado pelo petista para se reunir com o presidente do Congresso nesta terça-feira. Depois de conversar com o presidente eleito em São Paulo, Prates viajará a Brasília para pedir a Pacheco que não dê andamento a pautas de costumes caras a Bolsonaro.