Militares puseram “pegadinhas” no relatório sobre urnas
Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
O relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral não aponta nenhuma fraude sobre o resultado das urnas eletrônicas, mas carrega omissões e possui trechos que já têm servido para alimentar teorias conspiratórias de bolsonaristas que ainda não aceitam a derrota do presidente da República.
Em nota oficial, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, informou que “recebeu com satisfação” o relatório final de fiscalização, que “não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.
Apesar do tom protocolar de Moraes, o documento enviado pelo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, traz alfinetadas ao TSE e ao sistema eletrônico de votação, usado pelos eleitores brasileiros desde 1996 – e criado com a ajuda dos próprios militares, convém ressaltar.
No trecho que trata do acesso ao código-fonte das urnas, por exemplo, os militares alegam que o “TSE definiu limites de acesso ao sistema, o que dificultou a análise”.
Em um dos momentos mais constrangedores da conturbada relação entre o TSE e a caserna, Paulo Sérgio pediu em agosto ao TSE acesso “urgentíssimo” ao código fonte das urnas. Mas o acesso já havia sido disponibilizado pelo próprio tribunal aos interessados desde outubro do ano passado, com um ano de antecedência das eleições.
Apesar de dizerem expressamente no relatório que não encontraram prova de fraude, os militares não se deram por vencidos.
“Foram autorizadas somente análises estáticas, ou seja, foi impossibilitada a execução dos códigos-fonte, fato que teve por consequência a não compreensão da sequência de execução de cada parte do sistema, bem como do funcionamento do sistema como um todo”.
O código-fonte das urnas, no entanto, foi inspecionado por técnicos da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que atestaram a plena segurança das urnas.
“Os militares deixaram para a última hora a análise do código-fonte, sendo que havia um ano para inspeção. Além disso, três universidades verificaram o código fonte fora do TSE”, aponta um integrante da comissão de transparência eleitoral do TSE, que pediu para não ser identificado.
“Isso é tática Aécio”, acrescenta esse membro da comissão, em referência à auditoria contratada pelo PSDB em 2014, após a vitória apertada de Dilma Rousseff sobre o tucano, que relutou em aceitar o resultado.
No trecho mais polêmico do documento, o relatório alega que a “incapacidade de o Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria reproduzirem, com fidelidade, as condições normais de uso das urnas eletrônicas que foram testadas não permite afirmar que o SEV (Sistema Eletrônico de Votação) está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”.
O trecho já tem sido disparado em grupos de WhatsApp pela estridente militância bolsonarista, que ainda não aceitou a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 30 por uma margem de 2,1 milhões de votos.
Após uma longa negociação, o TSE cedeu aos militares e aceitou fazer o Teste de Integridade – uma das principais etapas do processo de auditoria das urnas – com o uso da biometria de eleitores comuns.
Esse teste é uma eleição paralela à oficial, com o uso de cédulas em papel e a participação de voluntários. Os militares insistiam na realização do teste com o uso da biometria e em seções eleitorais de verdade, para reproduzir as condições mais próximas de uma votação real.
“No que tange ao Projeto-Piloto com biometria, o teste foi inconclusivo, devido à adesão aquém da faixa percentual de 75% a 82% dos eleitores aptos nas seções eleitorais; ao número reduzido de urnas submetidas ao projeto piloto; e à escolha não aleatória e com grande antecedência.”
“Por ser um projeto piloto, as críticas são infundadas, pois o projeto piloto visa um teste, não uma execução perfeita do projeto em si”, aponta um integrante da comissão de transparência eleitoral. “Isso é achar pelo em ovo. O povo não queria nem saber do Teste de Integridade.”
Para um dos membros do grupo de observadores internacionais, no entanto, o que interessa é que o relatório constatou a “conformidade” entre os Boletins de Urna impressos e os dados disponibilizados pelo TSE. “O mais importante é que os BUs correspondem. O resto é o mais do mesmo do relatório de 2014 do Aécio”, apontou.