Novo descobre que ficou velho
Foto: Washington Alves/Estadão
Com um desempenho eleitoral que frustrou lideranças e apoiadores do partido e em guerra aberta com João Amoêdo, seu ex-comandante e um de seus fundadores, o Novo começa a “recolher os cacos” e a pensar no futuro para tentar garantir sua sobrevivência na arena política do País.
Criado em 2011 por um grupo de cidadãos sem experiência na política, para defender o liberalismo econômico e a eficiência e a moralidade na gestão pública, o Novo não conseguiu conquistar o espaço imaginado por seus fundadores e enfrenta hoje, provavelmente, o momento mais difícil de sua história.
Embora tenha conseguido reeleger Romeu Zema no primeiro turno como governador de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do País, alçando-o como virtual candidato ao Planalto no pleito de 2026, seu representante na disputa presidencial deste ano, Luiz Felipe D’Avila, recebeu apenas 560 mil votos, o equivalente a 0,5% do total, e a representação parlamentar da legenda encolheu de oito para três deputados federais e de sete para cinco deputados estaduais.
Somado ao revés sofrido nas eleições municipais de 2020, quando o Novo elegeu apenas o prefeito de Joinville, Adriano Silva, e 28 vereadores em 19 cidades, o resultado obtido agora se torna ainda mais dolorido e coloca em xeque, de certa forma, o próprio projeto partidário.
“As eleições foram muito polarizadas, e acabamos sofrendo as consequências disso. O Novo se colocou num espaço de centro-direita, numa posição crítica ao Bolsonaro e ao Lula, mas claramente não era esse o espírito dessa eleição”, afirma Eduardo Ribeiro, presidente do partido. “Por outro lado, o Zema conseguiu se reeleger muito bem. O D’Avila também nos representou muito bem e nos deu muito orgulho. Mas, de forma geral, o resultado foi bem frustrante.”
Além das adversidades eleitorais, o Novo ainda enfrenta uma disputa interna com seu fundador que consome boa parte de suas forças e dificulta a propagação de sua mensagem. Apesar de Amoêdo não ter qualquer cargo na direção do Novo desde que renunciou ao comando, em março de 2020, sua imagem ainda está muito ligada à legenda e suas posições conflitantes com as do partido acabam gerando muito ruído para os filiados e para o público externo.
A discórdia já vinha se aprofundando desde que Amoêdo passou a defender o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e a criticar publicamente dirigentes e mandatários da legenda por não apoiar a proposta. Mas, com a declaração de voto de Amoêdo em Lula no segundo turno das eleições, dias depois de o partido divulgar uma nota em que que fazia fortes críticas ao petista e liberava o voto dos filiados, o conflito ganhou contornos de uma luta de MMA e poderá levar a uma ruptura definitiva entre criador e criatura.
A declaração de voto de Amoêdo gerou uma reação contundente da direção e de filiados do Novo, cuja maioria optou por votar em Bolsonaro ou nulo, segundo Ribeiro, e foi a “gota d’água” para o lançamento de um manifesto pedindo sua desfiliação e para que lideranças do Novo entrassem com uma ação contra ele na Comissão de Ética Partidária (CEP) solicitando sua expulsão.
O pedido de expulsão acabou levando à suspensão de Amoêdo, em caráter liminar, até a CEP decidir se acata ou não a ação. Só depois, se o órgão decidir acatá-la, é que seu mérito será julgado, como em qualquer processo judicial. Se uma das partes se sentir prejudicada com a decisão, ainda poderá recorrer ao Diretório Nacional, que funciona como última instância partidária nos casos analisados pela CEP, estendendo a disputa além do que gostariam os líderes da legenda.
Amoêdo, por sua vez, afirma que a nota divulgada pelo partido para orientar o voto dos filiados no segundo turno não rechaçava explicitamente o apoio a Lula e entrou com uma notícia-crime na Procuradoria-Geral Eleitoral contra integrantes da CEP e signatários da ação. Ele alega que o partido queria impedir seus integrantes de declarar voto publicamente.
“Recebi com surpresa e indignação a suspensão da minha filiação ao Novo e o pedido para minha expulsão, por ter declarado voto em Lula no segundo turno. Apenas exerci um direito que me é conferido pela Constituição”, disse Amoêdo em seu perfil no Twitter, resumindo o que tem falado sobre a questão.
“Nós procuramos posicionar o partido de uma maneira que ficasse confortável para quem quisesse anular o voto e para quem quisesse votar no Bolsonaro. Ninguém poderia imaginar que alguém do calibre do João iria declarar voto em Lula, que é contra tudo o que nós defendemos”, afirma o presidente do Novo, que não revelou seu voto. “Todo mundo se sentiu traído. Foi realmente uma decepção muito grande.”
No momento, é difícil dizer com segurança qual será o desenlace da “novela”. Agora, apesar de Ribeiro dizer que não irá atuar como “um ditador”, pressionando a CEP pela expulsão de Amoêdo, os sinais são de que a corda deverá arrebentar do lado dele. Depois de administrar o partido com mão de ferro, de cima para baixo, segundo lideranças da legenda, Amoêdo parece ter perdido o controle da máquina partidária. Hoje, sua posição se mostra bem mais frágil do que se poderia imaginar pelo protagonismo que lhe coube no Novo até pouco tempo atrás.“O João era meu herói. Só me filiei ao Novo por causa dele. Mas está completamente isolado e desconectado das bases do partido que ele mesmo fundou”, diz Ribeiro.
Ainda que Amoêdo tenha seguidores fiéis, chamados de “amoedistas” pelos seus adversários, muitos já deixaram o Novo ao longo desse processo. Alguns até se candidataram agora por outras siglas, mas não conseguiram se eleger, como o deputado estadual Daniel José (SP), que migrou para o Podemos em busca de uma cadeira na Câmara dos Deputados e recebeu uma fração dos votos obtidos em 2018.
Ao mesmo tempo, Ribeiro ganhou força e legitimidade no comando, ao buscar uma aproximação maior com lideranças e apoiadores do partido e procurar refletir a posição das bases nas grandes decisões partidárias. “O presidente de um partido não pode querer impor suas ideias goela abaixo de dirigentes e filiados.”
Zema e D’Avila, as duas maiores estrelas da corrente aparentemente majoritária do Novo hoje, não fazem parte do Diretório Nacional nem da Comissão de Ética Partidária. Não terão, portanto, participação direta na decisão sobre Amoêdo. Mas suas posições sobre o caso revelam muito sobre o espírito predominante hoje na legenda em relação a seu fundador.
“Eu sou um mero filiado, igual a qualquer outro, mas recomendo que ele não permaneça no partido. Num partido liberal como o Novo, todo mundo tem o direito de discordar. Mas, se você quiser fazer gol contra, deve jogar do lado de lá e não do nosso lado”, diz Zema, que declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno e justificou a escolha afirmando que as propostas do presidente tinham mais aderência ao programa do Novo do que as de Lula, especialmente no campo da economia.
“O Amoêdo dizia que não queria ser dono do Novo, mas, quando o partido passou a ter uma atitude com a qual ele não concordava, começou fazer críticas e a criar essa cizânia. Na minha visão, nós temos de olhar para o futuro e esquecer o Amoêdo, deixar o Amoêdo para trás”, afirma D’Avila, que manteve neutralidade no segundo turno, alegando a rejeição ao “populismo” dos dois candidatos.
A perspectiva de solução do caso de Amoêdo, com a pacificação do Novo, representa, porém, apenas o ponto de partida para sua reconstrução. O trabalho pesado de resgate vai muito além, de acordo com o diagnóstico partidário, e envolve a definição de como a legenda vai atuar na Câmara, a organização de novos diretórios, a revisão de sua governança e a renovação de seus dirigentes, no segundo semestre do ano que vem.
Zema chegou a falar numa possível fusão do Novo com outra agremiação, mas Ribeiro descarta essa possibilidade no momento. “A gente chegou a ser procurado por alguns partidos, até por indicação do governador, mas não há interesse do Novo numa fusão.”
Por não usar recursos públicos e viver das contribuições de apoiadores e das mensalidades de R$ 35 pagas pelos 30 mil filiados que manteve, dos quase 50 mil que chegou a ter, o partido pode seguir em voo solo, segundo Ribeiro. Pela chamada “cláusula de barreira”, que penaliza as agremiações que não atingem uma representação mínima, o Novo deverá perder tempo na TV e ficar de fora dos debates eleitorais, mas não precisará se preocupar com a perda de verbas oficiais, normalmente usada como justificativa para as fusões. Na avaliação do presidente do Novo, o que poderá acontecer, dependendo de como ficar a configuração de forças na Câmara dos Deputados, é o partido formar um bloco com outra agremiação para reforçar sua atuação parlamentar.
De acordo com os dirigentes da legenda, a multiplicação dos diretórios em todo o País é essencial para viabilizar o lançamento do maior número possível de candidatos nas eleições municipais de 2024. Também é considerada fundamental para garantir uma base nacional mais sólida em 2026, para os candidatos do Novo no pleito e para apoiar Zema numa eventual disputa à Presidência. Apesar das especulações de que Zema poderá migrar para uma sigla mais forte, para ter mais chances na disputa, o governador mineiro afirmou ao Estadão que se sente “mais confortável” no Novo hoje do que na época de Amoêdo e não pretende deixar o partido.
A leitura das lideranças partidárias é de que a estratégia adotada para as eleições de 2020, quando o Novo só lançou candidatos em cidades com mais de 300 mil habitantes, mesmo havendo interessados em participar da disputa em municípios menores, deixou a legenda com uma representação reduzida e sem apoio para alavancar seus candidatos nas eleições de outubro. “Vamos analisar os erros para que a gente possa chegar em 2026 com uma nominata mais forte, mais experiente, e com mais estrutura, para conseguir ocupar mais espaço”, afirma Ribeiro.
Nesse processo de reconstrução, o partido deverá também, segundo D’Avila, rever sua governança, ampliando a participação de dirigentes e filiados no processo de tomada de decisão, para deixar claro que o Novo “não tem dono”. A mudança deverá incluir a criação de uma espécie de “conselho de administração”, composto por nomes reconhecidos pela sociedade como representantes do liberalismo, para atrair os liberais que estão dispersos em outras legendas ou sem vinculação partidária.
“O redesenho da governança é que vai galvanizar essas forças liberais. Por isso é que eu digo que temos de rever a governança urgentemente, para que essas várias vertentes liberais se sintam confortáveis em aderir ao Novo e enxerguem o partido como o único veículo capaz de transformar a bandeira liberal numa bandeira política. Isso vai abrir um novo capítulo na história do partido”, diz D’Avila.
Diante do fraco resultado eleitoral obtido pelo Novo agora, voltou à tona a velha máxima de que “os liberais brasileiros caberiam numa Kombi”. Mas, ao contrário do que se imagina, segundo D’Avila, há um terreno fértil para o partido crescer nos próximos anos, principalmente entre os mais jovens.
“A maior alegria que eu tive na campanha eleitoral foi andar por esse Brasil e encontrar uma nova geração, de 20 a 35 anos, totalmente liberal. É uma geração frustrada com o Estado ineficiente, caro e corrupto, que quer empreender e ser dona do seu nariz, do seu destino”, afirma. “Então, eu vejo uma mudança geracional muito voltada às bandeiras do Novo e totalmente desiludida com a política tradicional.”
Só o tempo dirá, no entanto, se o partido conseguirá concretizar seus planos e se consolidar como uma força política relevante ou se será lembrado como mais uma tentativa mal sucedida de construir uma agremiação liberal que seja uma opção real de poder no Brasil.