STF adia casos “sensíveis” para 2023
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá atravessar os últimos dias do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) sem julgar casos capazes de gerar ruídos com o Palácio do Planalto. A exceção é o processo que discute a legalidade do orçamento secreto, instrumento por meio do qual parlamentares, sem que sejam identificados e de forma desigual, destinam verbas da União a seus redutos eleitorais. Este tende a ser pautado ainda este ano.
A 24 dias do recesso do Judiciário, que começa em 19 de dezembro, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, mantém em suas gavetas processos sensíveis. Entre eles, há os que questionam os decretos armamentistas assinados pelo atual chefe do Executivo, o marco temporal das terras indígenas e a possibilidade de tornar legal o aborto até a 12ª semana de gravidez. Também estão pendentes de análise no STF o indulto em que Bolsonaro concedeu perdão judicial ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), seu aliado, e o reconhecimento do bullying homofóbico como prática a ser coibida nas escolas.
A pauta do Supremo reflete o estilo de quem o preside. Desde que tomou posse, em setembro, Rosa Weber, tem dado preferência a temas menos espinhosos, que não costumam desgastar o tribunal. A Corte vem sendo alvo frequente de ataques de bolsonaristas ao longo dos últimos quatro anos.
No último dia 16, Rosa chegou a pautar uma ação incômoda para apoiadores do presidente. Trata-se do processo que discute a obrigação para que escolas públicas e particulares sejam obrigadas a prevenir e coibir o bullying homofóbico. A ação acabou sendo retirada de pauta às vésperas da apreciação.
O GLOBO apurou que, até ontem, o STF contava com 703 processos liberados para julgamento, ou seja, que estão disponíveis para Rosa pautar. São 284 dessas ações no plenário físico, onde os ministros debatem os temas durante a sessão, entre eles 22 casos criminais, incluindo um inquérito relacionado ao senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL).
A ação que questiona o orçamento secreto tende a ser julgada pelo plenário da Corte antes do recesso. O artifício de execução orçamentária sem transparência facilitou a governabilidade de Bolsonaro ao longos do últimos anos, e o STF pode declará-lo ilegal.
Uma ala de ministros sustenta que o Supremo deve se manifestar antes que o orçamento proposto pela União para 2023 seja aprovado pelo Congresso. A própria Rosa é a relatora do processo. Por outro lado, há fortes pressões, sobretudo de fora da Corte, para que o caso não seja analisado neste ano. No mérito, a tendência é que a ministra considere o instrumento inconstitucional.
Previsto inicialmente para ser retomado em 23 de junho deste ano, o julgamento sobre o marco temporal das terras indígenas, iniciado em setembro de 2021, foi retirado de pauta em meio à tensão entre o Supremo e o Planalto. O recurso discute a partir de quando um território tinha que estar ocupado para que fosse demarcado como área indígena.
Outro caso que está nas mãos de Rosa e que tende a permanecer na gaveta é o processo de descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A ação tramita desde 2017 no STF e foi proposta pelo PSOL. O partido pede a exclusão de dois artigos do Código Penal, o que na prática deixaria de ser considerada crime a interrupção da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação. Em 2016, durante a análise de um caso específico, a ministra votou a favor da tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime.
Também não foram julgadas ainda as ações apresentadas em abril deste ano contra o decreto de indulto concedido por Bolsonaro menos de 24 horas após o STF condenar Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão por atos antidemocráticos e ataques a membro da Corte. Silveira foi denunciado pela PGR por ataques verbais e ameaças a integrantes do STF.
Em nota, a Corte afirmou que “a pauta de julgamentos tem sido elaborada pela presidente do STF, ministra Rosa Weber, a cada semana considerando o contexto e os processos liberados pelos ministros, sempre em consonância com o colegiado”.
O que entra na pauta e o que fica de fora
Orçamento secreto
Há expectativa de que o STF julgue ainda este ano a ação que questiona a constitucionalidade das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto.
Collor
Ação penal que tem senador do PTB-AL como um dos réus pode ser julgada até dezembro, para não prescrever. Collor é réu por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e organização criminosa.
Marco temporal
Ação sobre o marco temporal das terras indígenas, que discute as relações de posse das áreas e desde quando as ocupações devem ser reconhecidas como oficiais não deve ser julgada este ano.
Aborto
Também deve ficar fora de pauta a ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. O processo, que tramita desde 2017, foi proposto pelo PSOL.