Zema quer se entender com Lula

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Silvia Zamboni/Valor

O governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), mudou o tom em relação ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante o segundo turno das eleições, o governador apoiou a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) e fez duras críticas em relação ao PT. Zema afirmou em diferentes ocasiões que todo mineiro deveria ser “PTfóbico” e que o governo petista gera “tragédia e caos”.

Passada a eleição, o interesse é estabelecer uma relação “republicana, boa, transparente” com o governo Lula. “Não vou ficar atacando, mandando pedra, que não é o meu estilo”, disse o governador.

Reeleito em primeiro turno com 56% dos votos válidos em Minas Gerais, Zema é considerado um dos nomes da direita para concorrer à Presidência da República em 2026, caso faça uma boa gestão. Para seu segundo mandato, o governador buscou alianças com outros partidos para garantir maioria na Assembleia Legislativa, condição necessária para aprovação de projetos, como as privatizações e o Regime de Recuperação Fiscal.

Sobre seu futuro na política, Zema desconversa. “Eu não tenho bola de cristal, vamos ter que conversar sobre isso daqui há três anos, aproximadamente”, disse.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Após fazer muitas críticas ao PT no segundo turno das eleições, que tipo de relação o senhor espera ter com o governo Lula a partir de 2023?

Romeu Zema: Vai ser uma relação republicana, boa, transparente. A não ser que eles não queiram. Não vou ficar atacando, mandando pedra, que não é o meu estilo. Mas nós vamos também reclamar. Qualquer coisa indevida, que venha a prejudicar Minas Gerais, não vamos concordar de forma nenhuma.

Valor: O senhor afirmou a uma rádio local na semana passada que vê Lula como uma interrogação e uma preocupação. Por quê?

Zema: A preocupação é pelo passado. Nós já sabemos o que aconteceu em governos federais no passado. Essa é a fonte de preocupação. E interrogação é, será que serviu de aprendizado? Porque eles vão ter um acompanhamento, estarão sob um escrutínio muito maior agora pela Câmara, pelo Senado. Espero que o desempenho seja melhor do que aquele que nós assistimos de 2003 até 2016.

Valor: Após a eleição, o senhor manteve contato com Bolsonaro?

Zema: O presidente depois da eleição tem se mantido distante, me parece que ele está tratando de um problema de saúde. Não tive mais contato com ele.

Valor: Após o segundo mandato, o senhor avalia se candidatar à Presidência da República?

Zema: Eu não sou político de carreira. Há cinco anos eu estava à frente da minha empresa. Vim disputar o governo muito mais porque acreditava e ainda acredito no projeto do Partido Novo, do que por ter grandes pretensões políticas. Meu foco é fazer uma gestão excelente. Eu não tenho bola de cristal, vamos ter que conversar sobre isso daqui a três anos, aproximadamente. Eu sou muito prático e não gosto de ficar pensando em suposições. Eu falo que a minha situação é igual a de um estudante que está prestando vestibular: ele precisa ralar e focar nos estudos, e não ficar pensando em festa de formatura. E essa pergunta está muito mais para festa de formatura do que para me ajudar a passar no vestibular. Então, vamos focar aqui em Minas e deixar isso aí mais para frente.

Valor: Há rumores de que o senhor trocaria o Novo pelo PL. Há negociações nesse sentido?

Zema: Não. Eu estive com o Valdemar Costa Neto [presidente do PL] uma vez, alguns anos atrás. Não há nenhum tipo de conversa e não há nenhuma vontade da minha parte de deixar um partido onde eu tenho uma certa segurança e conforto.

Valor: O Partido Novo não atingiu a cláusula de barreira e terá que se fundir com outra legenda. Como fica o futuro do partido?

Zema: Eu sei que essas conversas de fusão, ou de aliança, ou de algum trabalho em conjunto estão sendo conduzidas pelo presidente do partido, Eduardo Ribeiro. O que eu vi de concreto é que o partido já vai ter alterações profundas para disputar as próximas eleições municipais, mudando por completo a forma de atuar, o processo seletivo, etc. O partido foi constituído e dirigido por pessoas que não tinham vivência política e chegaram à conclusão agora que algumas posições precisam serem alteradas. Então, o partido está entrando numa nova fase. Eu estou muito otimista com essas mudanças.

Valor: Para seu segundo mandato em Minas, as privatizações de estatais continuam nos planos?

Zema: Está nos planos, sim. Nós precisamos que essas empresas tenham uma gestão mais eficiente. Se a Cemig fosse uma empresa já privatizada não teria falta de energia elétrica no Estado. Pior do que deixar o Estado sem investimentos foi ter direcionado o dinheiro para investimentos desastrosos, como a Light, Belo Monte, Santo Antônio e Renova, que no conjunto vão representar um prejuízo superior a R$ 13 bilhões. Queremos que a empresa passe a ser uma empresa com condição de fazer grandes investimentos, e não é com um controlador sem recursos como o Estado que você vai conseguir levar os investimentos adiante.

Meu foco é fazer uma gestão excelente. Vamos ter que conversar sobre 2026 daqui a três anos”

Valor: Lula disse em campanha ser contra as privatizações. O senhor vê risco de o governo federal interferir nesses processos?

Zema: Essas privatizações dependem de nós e da Assembleia Legislativa. Então eu acho que não haverá interferência que chegue a afetar o processo aqui. Vamos fazer tudo com transparência em benefício do consumidor. Vai ficar muito ruim para eles [governo federal] se nós falarmos aqui ‘olha, o novo concessionário da Cemig vai reduzir a conta de luz. Então vocês não querem que reduza a conta de luz para o consumidor?’

Valor: O leilão de concessão do Metrô de BH vai ter feito neste ano?

Zema: O Metrô vai ter o leilão agora no dia 9 de dezembro, totalizando investimentos de R$ 3,2 bilhões. Desse valor R$ 400 milhões do Estado de Minas. Talvez seja a maior obra de Belo Horizonte das últimas décadas.

Valor: Quais são os planos de investimento do Estado na sua segunda gestão?

Zema: O nosso segundo governo vai ser um governo complementar ao primeiro. Nós temos muitos projetos já iniciados ou planejados que vão acontecer nesse segundo governo, lembrando que há quatro anos atrás nós não tínhamos nada em andamento em Minas Gerais. Neste momento nós já temos a definição de seis hospitais regionais que serão construídos, obras que foram abandonadas há sete anos pelo governo passado. Nós vamos continuar com a recuperação das rodovias. Nesse primeiro mandato foram 2.500 quilômetros já recuperados com asfalto novo e no segundo governo queremos bater um acumulado de 10 mil quilômetros, de forma que as rodovias de Minas passem por uma melhoria substancial. Temos o Rodoanel, que nós já tivemos o leilão, com investimento de R$ 3 bilhões por parte do Estado e mais R$ 2 bilhões por parte do concessionário, talvez a maior obra em décadas aqui em Minas Gerais.

Valor: O Orçamento do Estado para 2023 tem previsão de déficit de R$ 3,6 bilhões, contra R$ 11,2 bilhões em 2022, com queda de receita e despesa. Como o senhor pretende reequilibrar as contas?

Zema: Nós estamos com a previsão de receita menor principalmente devido à redução do ICMS sobre combustíveis e em telecomunicações. E o que nós temos feito é a receita de sempre, é enxugar gastos. É tentar fazer mais com menos em todos os sentidos. Nós temos sempre usado aqui o orçamento base zero, para que tudo seja sempre questionado. E eu mesmo como governador dou a minha contribuição aqui. Não tenho nenhum privilégio, nenhum tipo de gasto que não seja aquele que é o essencial.

Valor: Como está a discussão com a Assembleia Legislativa do projeto de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal?

Zema: Nós estamos em tratativas com o atual presidente da Assembleia Legislativa [Agostinho Patrus, do PV], e muito provavelmente nós devemos ter um desfecho desse caso nos próximos dias. Nós temos aí votações importantes para este ano.

Valor: Na Assembleia, das cadeiras de deputados, 25 foram renovadas. Como avalia que será a relação com o Legislativo?

Zema: Vai ter uma melhora natural por vários motivos. Primeiro, há quatro anos atrás eu fui eleito governador sem nenhuma aliança. Este ano nós tivemos aliança com mais de dez partidos. Há quatro anos elegemos apenas três deputados do Novo. Este ano elegemos mais de 40. Isso já nos dá uma maioria, sem considerar outros que devem ficar na nossa base. E o nosso grande obstáculo nesse primeiro governo não foram nem os deputados. Foi a mesa diretora, que sequer avaliou os projetos que nós enviamos. Com outra mesa diretora nós vamos ter uma situação muito diferente.

Valor: Haverá mudanças no secretariado do governo?

Zema: Em Educação nós tivemos uma mudança recente, mas nós vamos manter os secretários. [A secretária de Educação, Julia Sant’Anna, renunciou em agosto e foi substituída por Igor Alvarenga, que era subsecretário de Articulação Educacional]. Está tudo funcionando, está tudo encaminhado, não vemos nenhuma necessidade de mudança.

Valor: Quais são os seus planos na área de educação?

Zema: Na área da educação nós já reformamos 1.400 escolas. Queremos reformar mais 2 mil escolas. Estamos trocando todo o mobiliário e todos os equipamentos de informática das 3.600 escolas que o Estado tem. E adotando diversas ações como expansão do ensino médio em tempo integral, que já foi multiplicado até o momento por sete em número de alunos. Eram 13 mil, nós já temos hoje mais de 90 mil alunos e esse número vai continuar crescendo. E vamos ampliar o Trilhas de Futuro, que é um dos projetos nos quais nós mais acreditamos, que é curso técnico. Até o momento há 130 mil alunos beneficiados com cursos de dois anos em escolas privadas e com auxílio alimentação e transporte. Então a educação em Minas vai sofrer um avanço muito expressivo nesses quatro anos.

Valor: Na área de segurança pública o senhor tem planos?

Zema: Avanços na segurança vão continuar. Nós temos equipado melhor nossas forças de segurança. Nesse momento nós estamos fazendo a migração do sinal analógico para o sinal digital das comunicações. Já que o analógico qualquer amador consegue interceptar o que policiais podem estar conversando. Eu diria que está tudo praticamente planejado para que nos próximos quatro anos as entregas ocorram. Muitas estradas serão ainda recuperadas, as escolas, então está tudo de certa maneira mapeado. A situação está muito diferente de quatro anos atrás.

Valor: De 2019 até agora, o Estado atraiu R$ 260 bilhões em investimentos privados, um recorde. Essa atratividade vai se manter?

Zema: Na área de investimentos muita coisa já aconteceu e vai continuar acontecendo. Nós vamos, muito provavelmente, concluir esses quatro anos com R$ 270 bilhões de investimentos atraídos. Eu já pedi ao secretário de Desenvolvimento Econômico [Fernando Passalio] que fizesse uma análise. Eu penso que não vai ser nem R$ 150 bilhões, nem R$ 300 bilhões. Vai ser aí um número intermediário na próxima gestão, mas com certeza algo aí como R$ 50 bilhões por ano é algo factível. E na geração de empregos nesse segundo governo eu quero romper a barreira de 1 milhão de empregos gerados. Já geramos até o momento mais de meio milhão de empregos. E teremos as grandes obras estruturantes do Estado.

Valor: Em relação à repactuação do acordo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, há perspectiva de uma solução?

Zema: O acordo está bem avançado. Espírito Santo, Minas e União estão aí, junto com as empresas [ Samarco e as sócias Vale e BHP ], tentando ver se encerramos isso em uma ou duas semanas. Pode ser que a qualquer momento a gente tenha essa notícia. Tem uma equipe que está acompanhando toda essa construção.

Valor Econômico