Bolsonaristas seguem dopados por teorias conspiratórias

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Foto: Reprodução

Redes de seguidores radicais do presidente da República vêm se dedicando à interpretação de imagens postadas em perfis ligados a ele encaradas como “recados secretos” para manterem a mobilização na porta dos quartéis. As mensagens cifradas levam a crer, segundo os apoiadores, que Bolsonaro e as Forças Armadas vão impedir a posse de Lula

Centenas de bolsonaristas estão acampados nos arredores de instalações militares em várias cidades do país, aguardando, de 72 horas em 72 horas, que tanques venham às ruas para ocupar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, atropelar o resultado das urnas e manter o perdedor do segundo turno, ou seja, Jair, no poder. Apesar disso, não há qualquer sinalização de ruptura democrática.

O perfil “Bolsonaro TV”, do aplicativo de mesmo nome que reúne conteúdo sobre Jair e é ligado a ele (a própria conta oficial do presidente no Twitter pediu “faça download de nosso app”), vem sendo usado para disparar essas mensagens cifradas.

Elas não defendem golpe militar, nem pedem para que os manifestantes permaneçam acampados ou trancando rodovias, o que evita o risco de responsabilização criminal de Bolsonaro, do vereador Carlos Bolsonaro, que comanda a vida digital do pai, e de aliados. Mas deixam recados que são rapidamente entendidos pelos seguidores no sentido desejado pelo bolsonarismo.

Tão logo uma imagem é postada, começa uma gincana de interpretação. Todas levam os excitados seguidores do presidente a acreditar, em um sebastianismo com gosto de leite condensado, que é questão de dias, quiçá horas, até que a verdade se revele e o PT seja impedido de voltar ao poder.

Há publicações cuja referência é mais simples, como uma foto de Bolsonaro jogando xadrez com sua filha, Laura, de 12 anos. Ela ensejou milhares de comentários de que o “xeque-mate” está próximo e de que “o presidente está jogando pacientemente e vai ganhar da esquerdalha”. E, por isso, todos devem resistir nos quartéis, nas estradas, no WhatsApp e no Telegram.

Em outra, mais complexa, um Bolsonaro sorridente observa um celular, com uma pilha de copos verdes descartáveis em primeiro plano na imagem e uma caneta. “Das 7 falta só 1 canetada para as FA [Forças Armadas]? Elásticos (2?) = prender. Copos = Soldados Exército posicionados Capitão feliz = tudo certo”, sugere uma seguidora.

Mais uma imagem com o presidente fazendo careta e uma música ao fundo e, com ela, muitas interpretações.

“Decifrando a foto: cara de marra (indica que ele tem uma carta na manga/debochando dos inimigos); a música instrumental, então não tem letra para traduzir, mas é do filme Matrix, coloca no Google Rob Dougan – Clubbed to Death 3º vídeo que vai aparecer, uma sociedade inteira andando em uma direção e um homem se liberta e corre em direção contrária, nas últimas cenas começa a queimar atrás dele que é arremessado para a mesma outra dimensão. Resumo: vamos sair da Matrix do sistema, confiem em mim”, afirmou uma bolsonarista.

Em outra foto postada, Bolsonaro está montado em cima de um cavalo, com uma bandeira e um troféu, entre seguidores.

“A foto lembra o quadro ‘a proclamação da independência’ (amanhã é um dia decisivo para nossa independência); o troféu na mão (confirma quem é o vencedor); bandeira do Brasil (símbolo da resistência). Em resumo, a foto significa: nós vencemos, o Brasil terá sua nova independência (isso é uma promessa)”, aponta mais uma seguidora.

Quem vem publicando essas imagens desde que o presidente adotou o silêncio como método ao final da eleição sabe que elas geram reações nos seguidores. Aproveitam o que pesquisadores da desinformação chamam de “viés de confirmação” – fenômeno que leva as pessoas a acreditarem em uma interpretação dos fatos que corrobora suas crenças. Isso é potencializado por outro fenômeno, o da “câmara de eco” da própria rede, em que os bolsonaristas ouvem coisas nos grupos em que participam que eles mesmos gostariam de ter dito, o que tende a confirmar a validade das interpretações. Postagens incluem até Mario Kart e He-Man

Um vídeo com uma cena do icônico jogo Mario Kart, postado na quarta (14), é outro exemplo. Nele, Mario, de vermelho, está na frente até ser ultrapassado por Luigi, de verde, na última hora e vencer. Como toque especial, a imagem está de cabeça para baixo.

“Gente eu entendi que o Mário vermelho estava na frente ganhando roubando tentando derrubar os adversários jogando sujo, aí no último momento veio acho que o Luigi de verde e passou ele. Lula roubando e o Bolsonaro passando na frente no último momento sem trapaça”, afirmou uma de dezenas de interpretações semelhantes.

Em mais uma postagem com temática infanto-juvenil, o personagem de desenho animado He-Man empunha a sua espada em frente ao Castelo de Gryascull. “Castelo verde = Quartéis e militares são seguros. He-Man em frente ao castelo = patriotas em frente aos QGs faz a força e o capitão comanda.. Azul do Céu + Castelo Verde + Águia voando = FFAA estão juntas com o capitão”, diz um perfil. E completa: “Só não entendi porque o símbolo do Vasco no peito do He-Man kkk”. No que é completado por outro perfil, que afirma que a Cruz de Malta é o símbolo “das cruzadas, guerras santas”.

Um curto vídeo de um canoísta vencendo uma cachoeira gigante. “Cachoeira: o inimigo, o perigo a força contrária (com todo respeito mãe natureza). Desfecho: venceremos, com o Sr. Presidente, até o último homem”, afirma uma interpretação de bolsonarista.

A gincana de interpretação seria apenas pitoresca caso não se tratasse de parte de um processo voltado à manutenção de atos de caráter golpista. Para além da natureza criminosa das ameaças à democracia, essas mobilizações vêm provocando violência em várias partes do país.

Empresários bolsonaristas em Novo Progresso (PA) que bloqueavam a BR-163 atacaram carros da Polícia Rodoviária Federal com pedras e tiros em 7 de novembro. Caminhões foram incendiados em Itaúba (MT) para trancar a rodovia e dificultar o escoamento da produção em 21 de novembro. E ônibus e carros foram queimados, em Brasília, na última segunda (12), por bolsonaristas radicais, que também tentaram invadir a sede da Polícia Federal.

O presidente da República, até o momento, não criticou esses três atos de violência provocados por seus seguidores. Nem comentou as interpretações das mensagens cifradas que alimentam o golpismo.

Uol