CNJ vai atrás de juízes golpistas

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Foto: Estadão

Em uma investida para conter excessos de magistrados em meio às eleições de 2022, o Conselho Nacional de Justiça proferiu nove decisões pela derrubada de redes sociais de juízes e desembargadores em razão de manifestações políticas. Um balanço do órgão obtido pelo Estadão mostra que 21 investigações foram abertas sobre a conduta de 18 togados por razões que incluem divulgação de notícias falsas e ofensas a candidatos.

A polarização entre o lulismo e o bolsonarismo na magistratura reflete, também, na verborragia dos magistrados nas redes. Na lista, figuram juízes que xingaram ambos os candidatos, puseram as urnas em xeque, flertaram com atos golpistas em frente aos quartéis e até desejaram a morte do atual presidente e seus familiares.

A derrubada de redes sociais representa mais uma medida para o endurecimento da magistratura contra interferências indevidas da toga no processo eleitoral. Durante o pleito de 2022, foi a primeira vez que a conduta foi adotada, em um entendimento do corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão.

Em uma portaria assinada em setembro, o ministro determinou que ficam vedadas manifestações que contribuam para o “descrédito do sistema eleitoral ou que gerem infundada desconfiança social acerca da Justiça, segurança e transparência das eleições”, além de canais que impulsionem esse tipo de conteúdo.

A medida foi uma reação a um período pré-eleitoral marcado por constantes questionamentos de Bolsonaro e seus seguidores sobre as urnas. Ao fim das eleições, eles custaram caro ao partido do presidente, o PL, que recebeu do Tribunal Superior Eleitoral uma multa de R$ 22 milhões de litigância de má fé.

Uma das juízas investigadas é próxima do clã. Maria do Carmo Cardoso, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foi madrinha da indicação do ministro Kássio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal. Nos últimos anos, ficou mais próxima do senador Flávio Bolsonaro.

No dia 13 de dezembro, as redes sociais da magistrada foram tiradas do ar por decisão de Salomão. “Copa a gente vê depois, 99% dos jogadores do Brasil vivem na Europa, o técnico é petista e a Globolixo é de esquerda, nossa Seleção verdadeira está na frente dos quartéis”, afirmava uma publicação compartilhada pela magistrada.

Seu nome chegou a ser citado lateralmente em investigações, quando um relatório do acordo de leniência da J&F mencionou que ela usou o e-mail funcional do TRF-1 para pedir emprego a um parente no Grupo. Sua filha recebeu como advogada mais de R$ 1 milhão da J&F, mas a desembargadora nunca se julgou impedida para decidir em processos relacionados ao grupo. O caso nunca foi levado adiante pela Procuradoria-Geral da República.

Outra bolsonarista citada é Ludmila Lins Grilo, da vara criminal e da infância de Unaí. Seguidora do “guru” ideológico Olavo de Carvalho, ela oferece cursos on-line a advogados. Um deles chamado “Direito e a Guerra Cultural”. Até mesmo uma publicação contra o corregedor a magistrada já publicou. Trata-se de uma montagem com a foto de Salomão e o título “Os perseguidores-gerais da República”. Ludmilla já foi punida em razão de uma publicação na qual ensinava seus seguidores a driblar o uso de máscaras em locais fechados, com o uso da hashtag #AglomeraBrasil.

Em uma correição do CNJ, ficou concluído que a magistrada pouco comparece à vara na qual está lotada e deixa processos prescreverem. Como mostrou o Estadão, em contato informal com os juízes destacados para a investigação, ela disse que, mesmo não autorizada pelo TJ de Minas Gerais, fazia “teletrabalho” porque já havia sido perseguida por um “fã” das redes sociais.

Do lado petista da toga, a juíza estadual do Amazonas Rosalia Guimarães Sarmento teve as redes sociais bloqueadas pelo CNJ após uma declaração de voto no presidente eleito Lula (PT). Em suas redes sociais, ela não fez comentários mais desairosos, mas tentava convencer eleitores, inclusive os indecisos, a apertar o 13 nas urnas. “Você que é contra esse absurdo, vote 13 e ajude a impedir que os réus decidam se devem ser presos ou não”, disse.

“É preciso começar a fazer o caminho de volta à democracia! O primeiro passo para essa volta é afastar, definitivamente, o Bolsonaro da cadeira na qual ele já fez tanto mal ao Brasil”, afirmou a juíza. Em sua decisão, Salomão afirmou que as publicações são ‘violadoras das normas constitucionais e regulamentares que regem a magistratura brasileira’.

O desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco Bartolomeu Bueno de Freitas entrou na mira do CNJ em razão de publicações após a morte da cantora sertaneja Marília Mendonça. “Nem a conheci. Vim a saber quem era hoje. Morreu jovem. Porque não morrem essas desgraças como Bolsonaro e os filhos. Paulo Guedes, Edir Macedo e essa tropa de meliantes do governo federal. Estou começando a ficar triste com Deus”, disse, em suas redes sociais.

Em outra publicação, em meio a uma altercação com bolsonaristas nas redes, ele disse: “Os vagabundos do governo federal vão comer mais dinheiro do povo. Mas eu quero que os Bolsonaristas continuem batendo em mim. Cada postagem deles ganho três apoios. Vou transformar isso numa campanha nacional. Venham!”

A investigação foi aberta pela ex-corregedora-nacional Maria Thereza de Assis Moura, que hoje preside o STJ. Em sua decisão, a ministra afirmou que as publicações do desembargador “podem contribuir para produzir impacto negativo sobre a percepção da sociedade em relação à respeitabilidade da atuação da Justiça e não é consentânea com a conduta que se espera dos membros do Poder Judiciário”. O processo está em andamento. Ele não chegou a ter as redes suspensas.

Segundo o levantamento do CNJ, investigações de anos anteriores convertidas em Processos Administrativos Disciplinares em razão de mau uso de redes sociais resultaram em punições severas, como a disponibilidade do cargo, que significa o afastamento recebendo vencimentos proporcionais. Um dos casos foi do juiz Glaucenir Silva de Oliveira, que acusou, em um áudio, o ministro Gilmar Mendes de receber propina. Foram dez processos abertos. Eles podem levar, no máximo, à pena de aposentadoria compulsória.

O Estadão entrou em contato com os magistrados citados na reportagem por meio das assessorias de imprensa das Cortes em que atuam. O TJ de Pernambuco afirmou “que não vai se pronunciar sobre o referido assunto”. “Remetemos a solicitação acima com o contato do jornalista para o desembargador em questão”, disse. O magistrado não se manifestou. O TRF-1, as Justiças de Minas Gerais e do Amazonas não responderam aos questionamentos da reportagem. Glaucenir Silva não foi localizado.

Estadão