Congresso prepara ‘guerra’ por orçamento secreto
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Há um bode de R$ 19,4 bilhões na sala da democracia brasileira. Esse é o valor previsto para os repasses, no ano que vem, das emendas parlamentares que ficaram conhecidas como orçamento secreto. Mas ninguém sabe, ainda, se esse dispositivo, que ganhou protagonismo ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL), vai continuar funcionando na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
E a decisão sobre o destino de bilhões de reais em verbas públicas para emendas parlamentares com pouca transparência não está, no momento, nas mãos do presidente eleito ou de seus aliados, mas do Supremo Tribunal Federal (STF), que está julgando se o mecanismo é aceito ou não pelas regras da Constituição.
Na quarta-feira (7/12), a Corte começou a avaliar quatro ações que questionam a legalidade das emendas de relator, causando ruído na articulação da PEC da Transição no Congresso, mas acabou adiando a decisão para a próxima semana, mantendo o clima de tensão com os parlamentares e com a transição para o novo governo.
O presidente eleito sempre foi um crítico ferrenho do orçamento secreto e, ao longo da campanha contra Bolsonaro, acusou o atual presidente de ter entregue ao Congresso as responsabilidades do Poder Executivo para se salvar de um impeachment.
No momento em que negocia com a atual legislatura do Congresso uma emenda à Constituição para ter condições de manter os R$ 600 para o Auxílio Brasil e reajustar o salário mínimo acima da inflação, porém, Lula pode ter problemas se o Supremo acabar com o principal dispositivo de negociação política em vigor atualmente em Brasília.
Alegando que os problemas de falta de transparência já foram resolvidos e que as emendas de relator no ano que vem virão “carimbadas” com o nome dos padrinhos, os líderes do Congresso se opõem fortemente à intervenção do STF no tema e tentam pressionar a equipe de Lula a ajudar politicamente na pressão.
A ideia que corre no Congresso é manter o dispositivo, mas seguir aumentando os mecanismos que afastem a ideia de que todo esse dinheiro é distribuído sem transparência e publicidade, que são regras exigidas pela Constituição para os negócios públicos.
O que ficou conhecido como orçamento secreto nasceu em 2019 com o nome de “emendas de relator”, ou “RP-9”. Foi de uma investida do Legislativo federal sobre verbas que antes eram usadas por órgãos do Poder Executivo.
Pressionado sobre o tema ao longo da campanha presidencial de 2022, o presidente não reeleito Jair Bolsonaro costumava dizer que não tinha poder sobre o orçamento secreto e que, inclusive, era contra, tendo vetado o dispositivo em 2020. Trata-se de uma meia verdade, pois ele realmente vetou, mas, após pressão dos parlamentares, restituiu o orçamento secreto via projeto de lei, que foi aprovado com facilidade no Congresso.
E mesmo com o orçamento secreto tendo virado lei, o governo federal continuou com poder sobre as liberações, como mostra o recente bloqueio imposto por Bolsonaro, que coincidiu com um acordo entre Arthur Lira e o PT.
A questão já foi discutida na Justiça, e o orçamento secreto chegou a ser proibido, mas a pressão dos parlamentares venceu mais essa batalha. No final de 2020, uma liminar da ministra Rosa Weber proibiu a continuidade da distribuição das emendas sem transparência. Meses depois, porém, cedeu a pedidos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e recuou, definindo que os repasses podiam voltar se tivessem mais transparência.
Essa decisão, porém, jamais foi cumprida integralmente pelo Congresso. Após a sentença, cerca de 400 parlamentares enviaram documentos que os vinculavam à liberação de verbas do orçamento secreto, mas esses dados abarcaram menos de um terço dos R$ 37 bilhões liberados no período. Os quase R$ 20 bilhões restantes seguiram secretos.
Apesar dos protestos de políticos, a presidente do STF e relatora das ações, ministra Rosa Weber, marcou para a quarta-feira o julgamento do orçamento secreto e o assunto entrou em pauta. Após as sustentações orais dos advogados envolvidos, no entanto, já era noite e a sessão foi encerrada por Rosa Weber, que marcou a retomada do debate, agora com os votos dos ministros, para a próxima quarta-feira (14/12).
O resultado desse julgamento é imprevisível, apesar de vários ministros serem abertamente críticos ao orçamento secreto, como a própria Rosa Weber, além de Luís Roberto Barroso, Cármem Lúcia e Edson Fachin.
Há ministros que têm mais intimidade com o mundo político, como Gilmar Mendes, e defendem que a Justiça deve esperar por uma solução política e deixar que Executivo e Legislativo busquem uma solução para dar mais transparência a esses repasses a partir do ano que vem.
Há a chance, portanto, de o julgamento recomeçar na semana que vem, mas ser paralisado por um pedido de vista (mais tempo para analisar o processo) de algum ministro.
Segundo apurado pela coluna Guilherme Amado, do Metrópoles, porém, em princípio os ministros do STF firmaram um consenso para declarar, ainda neste ano, que o mecanismo de distribuição de verba, sem transparência, é ilegal.
Se tudo der certo para Lula e seus aliados, quando o julgamento for retomado pelo STF, a PEC da Transição já terá sido aprovada em definitivo pelo Senado, mas estará tramitando na Câmara. O Judiciário, portanto, continuará impondo algum grau de estresse ao mundo político e influenciando a articulação política em torno da PEC.