Lira e Lula jogam pôquer sobre orçamento secreto

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Assistindo ao julgamento iniciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o orçamento secreto, um desavisado poderia até pensar que a decisão para valer seria tomada ali. Os ritos foram seguidos: a relatora leu a petição inicial, os representantes das partes interessadas se manifestaram, e os magistrados acompanharam tudo compenetrados.

Ao final de algumas horas, porém, a sessão foi suspensa. Os ministros só deverão começar a ler seus votos na próxima quarta-feira. Há boas chances de um deles pedir vista — tempo para analisar melhor o processo. Nesse caso, aquele que a campanha de Lula chamou de “maior esquema de corrupção da História” poderá seguir funcionando até que seja tomada uma decisão.

O desfecho do imbróglio é difícil prever. Depende de uma batalha que nada tem a ver com o discurso dos togados ao microfone e se desenrola bem longe dos olhos do público.

Daria para descrever o jogo em curso como uma espécie de pôquer, em que os maiores operadores de Brasília — como o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) — tentam adivinhar a mão do outro antes de dar a cartada final.

Lula nunca escondeu que não lhe interessava governar com um Congresso que tem R$ 19 bilhões em emendas para gastar sem ter de lhe pedir licença. Na campanha, chamou essas emendas de excrescência e disse que, por causa delas, o presidente da República é refém do Congresso.

Terminada a eleição, porém, ele autorizou seus aliados no Congresso a avisar a Lira que sabia não ter forças para tirar-lhe a reeleição. Também mandou dizer que não faria do orçamento secreto um cavalo de batalha.

Seu foco era aprovar no Congresso a emenda constitucional que lhe permitirá furar o teto de gastos em R$ 168 bilhões para pagar os R$ 600 mensais de Bolsa Família, a PEC da Transição. Em troca da PEC, o PT até declarou apoio a Lira.

O presidente da Câmara sabia que Lula não tinha engolido o orçamento secreto de uma hora para outra. Mas confiou nos acordos feitos na campanha, muitos deles usando as próprias emendas, para controle da situação. Afinal, se até os petistas receberam, por que temer?

Só que Lula tinha outros planos. Enquanto seus aliados se propunham a aceitar um acordo para manter o orçamento secreto, desde que mudando as regras para uso do dinheiro, ele trocava figurinhas com ministros do Supremo sobre como acabar com a “excrescência”.

E foi acontecendo: a presidente da Corte, Rosa Weber, marcou a data do julgamento para esta quarta-feira, mesmo dia em que a PEC foi aprovada no plenário do Senado. Na segunda-feira (12), enquanto ela estiver em discussão na Câmara, Lula será diplomado. Entre a quarta-feira (14), quando o julgamento recomeça, e a quinta (15), a PEC deverá ser votada na Câmara.

Só que a notícia das conversas de Lula com o Supremo vazou, e Lira não gostou. Imediatamente, deputados levaram um recado aos colegas petistas: se o presidente estiver mesmo envolvido nessas articulações, “acabou a PEC”.

Os bombeiros da política entraram em ação para convencer o presidente da Câmara de que não havia nada disso, que Lula tentava apenas saber qual era o humor do Supremo. Lira se controlou, mas o recado estava dado.

A aposta de Lula é que, derrubando o orçamento secreto depois da aprovação da PEC, ele terá aquilo de que mais precisa para governar com um mínimo de sossego: dinheiro liberado e Congresso domesticado. Lira acredita que, se o orçamento secreto cair, os deputados logo aprovarão uma emenda constitucional legalizando tudo e darão uma banana ao STF.

Para conter a revolta do Supremo, em que a maioria dos ministros parece realmente querer acabar com a “excrescência”, Lira tem à disposição instrumentos como a abertura de uma CPI do Judiciário e votações sobre auxílios e subsídios a juízes.

De seu lado, o Supremo também pode fazer andar alguns processos que repousam nas gavetas do tribunal. Como uma denúncia apresentada contra Lira pelo Ministério Público Federal por corrupção passiva, há dois anos parada no gabinete do ministro Dias Toffoli.

Como no pôquer, quem disser que sabe o naipe das cartas que o outro tem na mão está mentindo. É na hora em que as jogadas são feitas que se sabe quem está blefando e quem tem força para ganhar.

Os jogadores à mesa são experientes e estão dispostos a arriscar, mas o custo da rodada é tão alto que é bem capaz de eles encontrarem uma forma de se acertar, redistribuindo as fichas sem precisar mostrar as cartas. Aí, só restará aos figurantes dessa história guardar as togas e esperar pela próxima rodada.

O Globo