Lula quer que diplomacia brasileira volte a brilhar

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Fotos: Ricardo Stuckert

O próximo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terá a missão de restaurar a imagem do país perante a comunidade internacional. Em oposição à necessidade de se firmar como liderança na América Latina, como em gestões anteriores, no próximo governo, Lula deve apostar na diplomacia como um instrumento de legitimação interna e governabilidade, após eleições extremamente polarizadas.

Com a proposta de restabelecer pontes fragilizadas, o petista tem ao menos três agendas ao exterior confirmadas para o início da gestão. Ele terá encontros com os presidentes da Argentina, Estados Unidos (EUA) e China —, na expectativa de retomar o protagonismo brasileiro em termos de diplomacia.

Nomeado o próximo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira sinalizou que o governo pretende “trazer o Brasil de volta à cena internacional” a partir de três eixos principais: fortalecer a relação com vizinhos sulamericanos, estreitar laços com nações africanas e restabelecer alianças com parceiros tradicionais como EUA, China e União Europeia.

Recordista entre os ex-presidentes em termos de viagens ao exterior, o terceiro mandato do petista foi bem recebido por lideranças mundiais. Ao menos 17 chefes de Estado confirmaram presença na posse, em 1º de janeiro. Número que, caso se concretize, também baterá o recorde nacional, marcado na primeira vez em que o petista assumiu a Presidência, em 2003, quando 12 estiveram presentes.

Ao longo da campanha de 2022, Lula afirmou que pretende recolocar o Brasil no “centro da geopolítica mundial”. No entanto, o cenário atual é bastante distante daquele de 20 anos atrás. Enquanto em 2003 Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul (que formam o bloco Brics) despontavam como promessas, hoje há uma polarização entre duas superpotências: EUA e China.

Descolada, a Rússia foi reposicionada como principal adversária das nações europeias em razão da guerra na Ucrânia, que já dura 10 meses. O conflito tem impacto negativo sobre a economia dos países europeus, o que traz instabilidade no mundo, respingando no Brasil.

Além dos desafios globais, também será necessária uma reogranização do Itamaraty, após um período de turbulência nos últimos 4 anos, em especial, durante a gestão de Ernesto Araújo. Mauro Vieira volta à chefia da pasta — que já assumiu durante o governo Dilma Rousseff (entre 2015 e 2016) — com a proposta de reestruturar a diplomacia brasileira interna e externamente.

Apesar de posições em espectros opostos da polarização, a professora Vanessa Matijascic, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), explica que é possível vislumbrar semelhanças as gestões anteriores de Lula e os próximos quatro anos.

Entre elas, “boas relações com integrantes do Brics (sem os destemperos bolsonaristas com relação à China); canais de diálogo com os EUA (excluído o personalismo das relações entre presidentes) e a manutenção de acordo com a União Europeia para obter acordos comerciais entre os blocos Mercosul e União Europeia”, enumera.

Haverá ainda uma priorização das alianças na América Latina, com o retorno dos mecanismos multilaterais: Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União de Nações Sulamericanas (Unasul), em contraste com a rejeição ao multilateralismo de Bolsonaro.

As principais mudanças se darão no âmbito da retórica em prol de pautas sociais e de desenvolvimento econômico com o Sul Global (países em desenvolvimento); e na postura com Israel, não assumindo a defesa da transferência da embaixada para Jerusalém. Há ainda a expecativa de maior proximidade com países árabes, de acordo com a especialista.

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O retorno das relações diplomáticas com a Venezuela é um dos principais pontos de divergência entre as duas gestões. Em 2019, o governo Bolsonaro reconheceu Juan Guaidó como o chefe de Estado do país. O mandatário cortou qualquer vínculo com o país de Nicolás Maduro e editou uma portaria proibindo a entrada de altos funcionários do regime em território brasileiro.

A situação, contudo, deve mudar com a posse de Lula. O presidente eleito sustenta que, apesar de reconhecer a necessidade de eleições democráticas na Venezuela, o melhor caminho para encontrar uma solução à crise do país é manter o canal de diálogo aberto entre as duas nações.

No início deste mês, Lula teve uma reunião com o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, e outros representantes do governo Biden, em Brasília. O motivo principal do encontro foi convidar o próximo mandatário brasileiro para uma visita a Washington, prevista para ocorrer antes de março.

Durante a reunião, que durou cerca de duas horas, foram colocados em pauta temas ligados ao meio ambiente, em especial, a importância de medidas contra as mudanças climáticas. Assim como o estabelecimento de uma nova governança mundial, como uma reformulação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

O presidente eleito também tem uma visita agendada com o presidente Xi Jinping, da China. Três dias após o encontro com os norte-americanos, Lula recebeu uma carta do chefe de Estado chinês reafirmando as congratulações pela vitória eleitoral do petista, além de reforçar o interesse na parceria entre as duas nações no âmbito global.

Ao contrário da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em que foi adotada uma retórica mais distante do governo chinês, a expectativa para os próximos quatro anos, em termos de política externa, é que Lula mantenha uma “equidistância pragmática” nas relações polarizadas entre EUA e China, mantendo boas relações com ambos os países.

“Não é oportuno inclinar-se a nenhum dos lados categoricamente”, frisa Matijascic. Para além das relações diplomáticas e dos posicionamentos no jogo geopolítico, a China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

Em 1º de janeiro, ao menos 17 chefes de Estado confirmaram que desembarcarão em Brasília para a posse do presidente eleito. O número de liderenças bate o recorde atual, marcado na primeira vez em que o petista assumiu a Presidência, em 2003, quando 12 estiveram presentes.

Conforme o protocolo, após o ritual no Planalto, o presidente eleito seguirá para o Palácio do Itamaraty, onde recepcionará autoridades internacionais que estarão presentes na posse.

Os primeiros convites foram enviados em 5 de dezembro — via representação diplomática — aos líderes de todos os países com os quais o Brasil mantém relações. A Venezuela, por exemplo, não figurou na primeira lista.

No entanto, a equipe que organiza a posse, coordenada pela futura primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, ainda busca uma forma de convidar Nicolás Maduro. O presidente venezuelano foi impedido de entrar no Brasil por determinação de Bolsonaro, medida que permanece em vigor até 31 de dezembro, ou seja, dificultaria a visita dele para a posse.

Maduro já havia sinalizado que pretendia retomar o relacionamento com o Brasil ao parabenizar Lula pela vitória logo após o resultado do pleito, em 30 de novembro.

Veja a lista de chefes de Estado confirmados:

Presidente da Alemanha, Frank Walter Steinmeier;
Presidente da Angola, João Lourenço;
Presidente da Argentina, Alberto Fernández;
Presidente da Bolívia, Luis Arce;
Presidente de Cabo Verde, João Maria Neves;
Presidente do Chile, Gabriel Boric;
Presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves;
Rei da Espanha, Felipe VI;
Presidente do Equador, Guillermo Lasso
Presidente da Guiana, Irfaan Ali
Presidente de Guiné Bissau, Umaro Sissoco Embaló;
Presidente da Colômbia, Gustavo Petro;
Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza
Presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez
Presidente do Suriname, Chan Santokhi
Presidente do Timor Leste, José Ramos-Horta;
Presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou;
Presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa.

Também foram confirmadas as presenças do vice-presidente do Panamá, José Gabriel Carrizo; do secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portugesa (CPLP), Zacarias da Costa; e dos ministros das Relações Exteriores da Costa Rica, Rodolfo Solano; do México, Marcelo Ebrard; da Palestina, Ann Linde; e da Turquia, Mevlut Cavusoglu.

Em janeiro de 2019, dez chefes de Estado e de governo participaram da posse do presidente Jair Bolsonaro (PL). Além deles, também estiveram presentes três vice-presidentes, 12 chanceleres, 18 enviados especiais e três diretores de organismos internacionais. A maioria, representantes da América do Sul.

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