Membros do governo Bolsonaro burlam quarentena
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado, Edu Andrade/Ascom/ME e Valter Campanato/Agência Brasil
Ex-integrantes de altos escalões de ministérios do governo Jair Bolsonaro têm trocado o setor público pelo privado em áreas nas quais atuaram sem fazer a quarentena, o que pode configurar um conflito de interesses. O GLOBO encontrou ao menos três casos que ocorreram no último semestre.
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O mais recente deles é do mês passado, quando a ex-secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura Natália Marcassa, que ficou no posto até 30 de junho deste ano e na ANTT até agosto, criou a MoveInfra, associação setorial com gigantes do segmento. Fazem parte da entidade nomes como CCR, Ecorodovias, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo, todos operadores com contratos públicos.
Marcassa foi exonerada a pedido. Em seguida, segundo seu currículo, exerceu até agosto o cargo de especialista em Regulação de Serviços de Transportes Terrestres da ANTT. Em 1º de dezembro, um decreto do presidente Jair Bolsonaro que concedia a ela o grau de comendadora da Ordem do Rio Branco mencionava seu cargo na agência.
Procurada, ela afirmou que consultou a Comissão de Ética Pública (CEP), ligada à Presidência da República, e que o órgão deu aval a sua ida à iniciativa privada. Ela justificou que está em um “movimento setorial sem fins lucrativos”.
Marcassa disse que, mesmo sem exigência formal, ausentou-se das atividades em Brasília pelo período equivalente ao de uma quarentena — ela afirma que foi exonerada em 6 de junho e o MoveInfra foi lançado em 8 de dezembro. No LinkedIn, porém, ela informa ser presidente da associação desde novembro, três meses após sair da ANTT.
— Não há aproveitamento de informações sobre projetos específicos em benefício de nenhuma companhia. Ninguém terá conhecimento a mais ou a menos, para apresentar proposta em um leilão, em função da minha presença no MoveInfra — declarou ao GLOBO.
A ANTT afirmou em nota que Marcassa “se desvinculou por licença por interesse particular” e que a CEP não verificou conflito de interesse.
Como regra geral, a legislação estipula prazo de seis meses da chamada quarentena nos casos em que haja conflito de interesses. O advogado Guilherme Amorim diz que a CEP é responsável por fiscalizar os casos. São os servidores que consultam o órgão sobre a necessidade de fazer a quarentena após saírem do governo. Quando estão na quarentena, eles recebem remuneração. A CEP é composta por sete membros nomeados pelo presidente da República e com mandatos de três anos.
Mesmo se a CEP entender que não há conflito, os ex-funcionários públicos que iniciam atividades privadas antes do prazo de seis meses podem ser denunciados à CGU e ao Ministério Público Federal, por exemplo, se houver suspeita de conflitos, de acordo com o advogado Renato Moraes, do escritório Cascione.
A penalização em caso de irregularidade, segundo o advogado Cristiano Vilela, varia e pode envolver devolução de recursos, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa.
O ex-secretário Especial de Desestatização do Ministério da Economia Diogo Mac Cord de Faria deixou o governo em 7 julho deste ano. No dia seguinte, passou a ser sócio da consultoria EY na área de infraestrutura.
Antes, foi secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia do início do governo Bolsonaro até agosto de 2020. Atuou na formulação do marco do saneamento e na formatação da privatização da Eletrobras.
Em nota, a EY diz que a CEP analisou o caso de Mac Cord e apontou não haver conflito de interesses: “Na ocasião da saída do governo, o sócio Diogo Mac Cord submeteu integralmente à comissão a proposta recebida, com o detalhamento das atividades que desempenharia na EY. A comissão (…) entendeu que não havia razões para determinar a quarentena. É importante ressaltar que a área de atuação do sócio Diogo Mac Cord não é a mesma de quando ocupava uma posição na iniciativa pública. Na EY, Mac Cord também não possui contratos da área pública em seu portfólio, nem atua como intermediário de interesses privados junto ao Ministério da Economia”.
Outra que não cumpriu quarentena foi Maria Beatriz Palatinus Milliet, exonerada do cargo de secretária de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 29 de setembro deste ano. Em outubro, virou gerente executiva de Sustentabilidade da Copersucar.
Milliet havia sido designada pela pasta para fazer parte da comitiva que representaria o Brasil na COP-27, no Egito, mas foi ao evento já como funcionária da Copersucar. O caso foi revelado pelo site The Brazilian Report à época.
Procurada por meio da Copersucar, Milliet não respondeu. Já a empresa disse apenas que “cumpre rigorosamente a legislação brasileira”. O MMA não respondeu.