Mercadante reconquistou confiança de Lula
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Muita gente no mercado financeiro e na própria equipe de Lula se surpreendeu quando começou a circular a informação de que Aloizio Mercadante seria o escolhido para comandar o BNDES — indicação confirmada pelo próprio presidente eleito nesta terça-feira.
Isso porque, durante a campanha eleitoral, lulistas de vários calibres se empenharam em convencer interlocutores na Faria Lima e no meio político de que Mercadante não teria cargo relevante em um eventual governo Lula, apesar do protagonismo adquirido na função de coordenador do programa de governo.
Embora os dois tenham uma relação de décadas, não foram poucas as vezes em que os dois se estranharam.
Nos dois primeiros governos de Lula, Mercadante não foi para o primeiro escalão e ficou no Congresso. Também não é segredo no PT que Lula considera que erros políticos do ex-ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff ajudaram a empurrá-la para o impeachment.
Alguns dos aliados mais chegados do presidente desconfiam até hoje que ele teria incentivado Dilma a não sufocar a operação para que Lula fosse tirado do processo eleitoral. Sem contar que Mercadante não é bem quisto no Congresso.
Mesmo durante a campanha, ele acumulou conflitos. Um dos mais lembrados nos últimos dias foi com o próprio Fernando Haddad, futuro ministro da Fazenda, que Mercadante criticou durante a campanha por achar que não combateu o bolsonarista Tarcísio de Freitas como ele achava que deveria.
Usando esses ruídos como argumento, emissários de Lula para o mundo das finanças diziam que ele nunca colocaria Mercadante em um cargo sensível, por ser impulsivo e de temperamento difícil.
Confirmada a escolha para o BNDES, esse mesmo pessoal passou a ser questionado sobre o que havia mudado. Conversando com cinco interlocutores de Lula, colhi explicações que se complementam.
Uma delas, várias vezes repetida, é que Mercadante se manteve fiel a Lula enquanto ele esteve preso em Curitiba. E que, nas frequentes visitas, teria feito um mea culpa e se penitenciado pelos erros cometidos.
Outra versão bastante disseminada — e segundo assessores bem chegados a Lula, a mais forte — tem a ver com o empenho de Mercadante.
“Ele trabalhou dia e noite. Enquanto Marcio Pochmann (que o antecedeu na Fundação Perseu Abramo) tinha várias outras tarefas e nem sempre estava disponível, ele estava lá o tempo todo, coordenando grupos de trabalho e promovendo seminários. Na campanha e na transição, ele mal ia para casa. Lula tinha que recompensá-lo”, justifica um membro da cúpula petista — ponderando que, ainda assim, Mercadante não ganhou um ministério.
De fato, o BNDES não é um ministério, mas tem mais dinheiro e poder do que muitos deles. É, ainda, um cargo estratégico, especialmente em um governo que, na definição do próprio Lula, “reindustrializar este país” e fazer inovação tecnológica”.
De 2013, quando estava no auge, a a 2021, o banco reduziu o volume de desembolsos de R$ 190 bilhões para R$ 64 bilhões, e mudou de perfil.
Trocou a política de empréstimos subsidiados aos chamados “campeões nacionais” pela prioridade aos projetos com impacto social e ambiental, como as concessões do saneamento.
Ao saber que iria mesmo presidir o BNDES, Mercadante procurou o presidente da Febraban para dizer que não vê mais espaço para repetir a antiga política de subsídios. Não há, porém, informações suficientes sobre que rumo ele dará à instituição.
Mas os petistas que antes diziam que ele não teria poder no governo ainda vêem vantagens em sua escolha para o BNDES. A primeira é ficar a uma distância “segura” de Lula. A segunda é que o banco tem governança formada por muitos conselhos e comitês e um processo complexo de discussões técnicas que certamente o deixará bem ocupado. “Ali ele vai ter pouca interação com políticos”. A ver como vai funcionar.