Projeto tira poder das redes sociais e dá à Anatel
Foto: pri-0112-entrelinhas
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tenta adiar para o próximo ano a votação do projeto de lei de autoria do deputado federal João Maia (PL-RN), que estabelece regras para atuação das plataformas digitais no país e só falta ser incluído na pauta pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A proposta confere à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) superpoderes para controlar a internet, inclusive seu conteúdo. “No Projeto de Lei nº 2.768/2022, proponho uma regulação na linha da Comissão Europeia, mas de forma bem menos detalhada. Isso porque estamos lidando com questões de extrema relevância, que exigem respostas regulatórias ao mesmo tempo novas e muito rápidas”, argumenta Maia.
Segunda a proposta, em vez de um novo órgão regulador, a Anatel seria empoderada para tratar de todas as questões relativas à internet. Há dúvidas sobre isso, embora Maia argumente que o órgão já possui expertise muito próxima da requerida para a missão de regular plataformas digitais. Na linha da União Europeia, o projeto distingue usuários profissionais e finais. Também estabelece critérios para a definição de operadores de plataformas digitais, que serão considerados como detentores de poder de controle de acesso essencial (receita operacional anual igual ou superior a R$ 70 milhões).
O projeto reduz o poder e a autonomia das chamadas big techs, as grandes empresas de tecnologia, principalmente Google, Facebook, Amazon e Apple, todas norte-americanas. A influência das plataformas e redes sociais nas eleições tem despertado o interesse dos políticos, sobretudo depois do escândalo da Cambridge Analytica, decisiva na campanha do Brexit, na Inglaterra, e da atuação de hackers russos nas eleições norte-americanas em favor de Donald Trump, eleito em 2016.
Aqui no Brasil, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu os adversários ao estruturar sua campanha e focar o marketing eleitoral nas redes sociais, sem que houvesse qualquer controle da Justiça Eleitoral. Neste ano, porém, foi diferente. Um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) investiga bolsonaristas responsáveis pela produção de fake news nas redes sociais, com objetivos antidemocráticos.
As principais críticas ao modelo proposto por Maia parte da ideia de que o setor se desenvolve de forma disruptiva e esse tipo de regulação seria absorvido pelas big techs, mas mataria o desenvolvimento das startups. O termo startup, do inglês, significa “começar algo novo” e é comumente relacionado à inovação no mundo dos negócios. Portanto, uma startup é uma empresa que está em seu início, sem plano de negócios ou produto completamente definido, mas que tem algo novo a mostrar ao mercado. Aplicativos como Uber, Airbnb, Instagram e Pinterest já foram startups antes de se tornarem companhias multimilionárias. Nubank, GuiaBolso, QuintoAndar, Loggi, Contabilizei, Creditas e Amaro são startups genuinamente brasileiras.
O mercado da internet é muito verticalizado. As big techs estão sendo questionadas por ampliarem seu poder na atividade principal para mercados adjacentes, com base no fato de a primeira ser, muitas vezes, um insumo para os segundos, no chamado self-preferencing. É o caso dos aplicativos em celulares deGoogle e Apple, da ferramenta de busca horizontal do Google, ao Buy Box da Amazon ou aos dados acumulados nas redes sociais, como fotos e postagens do Facebook.
Nos últimos 20 anos, houve grande concentração de mercado. Em vez de dúzias de mecanismos de busca, o Google. No lugar de milhares de lojas, a Amazon. Nos Estados Unidos, o American Innovation and Choice Online Act, que proíbe o self-preferencing, empacou no Congresso. Na Comissão Europeia, o Digital Markets Act (DMA), direcionado aos chamados “controladores de acesso” (gate keepers) no mundo digital, foi aprovado em 2022, mas gerou um contencioso com os Estados Unidos. A China investiu bilhões nas suas próprias plataformas e redes para manter o controle social, porém as manifestações que estão ocorrendo no país mostram que isso não é tão fácil.
Maia propõe um Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais — FisDigi, com fontes constituídas por uma nova taxa de fiscalização das plataformas digitais, dotações do Orçamento Geral da União, créditos especiais, transferências e repasses, entre outras. A taxa de fiscalização das plataformas digitais será devida anualmente pelos operadores de plataformas digitais que oferecerem serviços ao público brasileiro, detentores de poder de controle de acesso essencial, correspondente a 2% da receita operacional bruta.
Além dos recursos do FisDigi terem como destino o financiamento aos novos serviços prestados pela Anatel, prevê a possibilidade de o Poder Executivo destinar parte dos valores ao Fundo de Garantia de Operações — FGO para serem utilizados como garantia ao desenvolvimento de produtos e serviços digitais inovadores, o que financiaria um “FGO Digital”. As sanções seguiriam a lógica de “regulação responsiva”, com multas pesadíssimas.