TCU fará devassa nas contas de Bolsonaro

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Foto: Sérgio Lima

Na posse mais concorrida dos últimos tempos, o ministro Bruno Dantas assume, definitivamente, a presidência do Tribunal de Contas da União, cargo que vinha exercendo interinamente desde julho quando a então presidente Ana Arraes se aposentou compulsoriamente. Aos 44 anos, Dantas é o terceiro presidente mais novo a assumir o tribunal, empatado com o ministro Walton Alencar, eleito para o cargo em 2007.

Consultor legislativo do Senado, Dantas foi indicado ao TCU em 2014 na vaga que cabia à Casa que, à época, era presidida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ao longo de seu mandato, Dantas tem conciliado uma atuação que se pauta pelos pareceres técnicos na larga maioria dos votos que profere com costuras políticas junto ao Judiciário, Congresso e Executivo que o colocam no centro de grande parte das articulações de relevo. É esta atuação que calça suas ambições para o Supremo Tribunal Federal.

Sua proeminência no tribunal, particularmente a partir da rejeição das contas da ex-presidente Dilma Rousseff, coincidiu com o maior peso político do colegiado, até então uma Corte mais marcadamente de assessoramento legislativo. O processo não tem passado despercebido dos demais Poderes, da academia e do próprio tribunal, como bem definiu o mais técnico dos ministros, Benjamin Zymler.

Numa sessão da semana passada, Zymler falou da “controlização” da política, a exemplo do processo parelho de sua “judicialização”. E relacionou-o ao preenchimento do vácuo deixado pelos embates entre Executivo e Legislativo que encontram saídas a partir de consultas ao TCU. Valem-se, para isso, não apenas do corpo técnico de excelência como da atuação política de ministros como Dantas.

Um exemplo de conjunção recente das duas pontas de sua atuação foi a prioridade dada, ao assumir a entidade internacional que reúne as Cortes de Contas em todo mundo, Intosai, a uma auditoria global nas ações governamentais de combate a mudanças climáticas. O instrumento vem a calhar para as ambições do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de atuar como liderança da agenda ambiental do planeta.

A “controlização” da política ganhará, pelo menos, quatro novas razões de ser na gestão do novo presidente da TCU: as consultas relativas ao preenchimento de cargos em empresas públicas, a mutação dos acordos de leniência em PPPs, a mitigação das isenções fiscais e, a mais estrondosa delas, o julgamento das contas do último ano do governo Jair Bolsonaro que pode vir a resultar na sua inelegibilidade.

A mais imediata delas é a consulta referente às vedações legais das nomeações para empresas públicas, como Petrobras e BNDES, quando da posse do presidente eleito. Há precedentes, nos comitês de elegibilidade de ambas as empresas, para nomeações que tanto margeiam quanto confrontam abertamente a Lei das Estatais. Os temores no mercado em relação às mudanças a serem impressas naquelas empresas, porém, podem acabar dando gás à atuação dos partidos de oposição no questionamento de nomes como o de Jean Paul Prates (Petrobras) ou Aloizio Mercadante (BNDES).

A revisão dos acordos de leniência de modo a “converter” as multas das empreiteiras em participação nas parcerias público-privadas é outro nó do qual o novo presidente do TCU já deu sinais de que não estará ausente. Há uma disputa história entre o tribunal e a Controladoria-Geral da União em torno da arbitragem das leniências. A indicação, para a Casa Civil, do governador da Bahia, Rui Costa, que marcou sua gestão pelas PPPs no Estado, sugere que a pauta será levada à frente pelo governo.

A mitigação das isenções fiscais ganhou relevância na agenda de Dantas quando o novo presidente do TCU esteve na Febraban, na semana passada, e disse tudo o que a plateia gostaria de ouvir. Mencionou incentivos e benefícios tributários da ordem de R$ 329 bilhões em 2021 (4% do PIB) e disse, claramente, que nem sempre essas isenções são “precedidas da qualificação dos potenciais benefícios sociais e econômicos frente ao custo fiscal”. O ministro ganha proatividade na agenda num momento em que a Fiesp, principal interessada na defesa dos incentivos, passa por um período de radical divisão interna.

E, finalmente, a última mas não a menos importante delas, que é a análise das contas do último ano do presidente Jair Bolsonaro, deve acontecer até julho. A sessão que analisou a consulta feita ao TCU sobre pedido de crédito extraordinário do governo de quase R$ 23 bilhões acabou dando uma “palhinha” do que pode vir a ser este julgamento. A avaliação de que o governo foi imprevidente no planejamento de seus gastos é apenas uma das infrações que pode vir a ser levantada.

Além da pauta recheada, há mudanças procedimentais que podem vir a dar mais poder ao presidente do TCU, como a fixação de prazo para o julgamento de processos aprovado em resolução nesta terça-feira. Por sugestão do ministro Walton Alencar, a resolução estabeleceu que se os relatores passarem mais tempo do que fixado, os processos serão redistribuídos.

Se tivesse sido estabelecido antes, o processo sobre o orçamento secreto em mãos do ministro Aroldo Cedraz desde 2021 já poderia ter sido deliberado. O processo é sigiloso, mas quem já teve acesso à denúncia diz que o conjunto de provas não deixaria alternativa ao Supremo senão optar pela inconstitucionalidade.

A relatora, a ministra Rosa Weber, já se valeu de outros relatórios do TCU sobre as emendas de relator, no primeiro de seus votos sobre o caso e deverá, novamente, voltar aos documentos no voto a ser proferido nesta quarta na Corte. A nova resolução do TCU se refere mais especificamente aos processos de infraestrutura mas um de seus parágrafos estabelece que, por determinação do plenário – ou do presidente da Corte – outros processos podem ser encaixados no prazo estabelecido.

Valor Econômico